A Acrópole, em Atenas, símbolo da Grécia Clássica.
A Acrópole, em Atenas, símbolo da Grécia Clássica.Leonel de Castro/Global Imagens

“Precisamos de nos sentir confortáveis em pensar no Ocidente como plural”

A historiadora britânica Naoíse Mac Sweeney decidiu reinterpretar o conceito de Ocidente através de 14 figuras, do grego Heródoto à chinesa Carrie Lam, ex-chefe do governo de Hong Kong. Não incluiu neste seu 'O Ocidente' (Desassossego) nenhum português, mas admite que Vasco da Gama chegou a ser uma séria hipótese.
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Para mim, a personalidade mais surpreendente que escolheu para retratar neste livro sobre o Ocidente foi Njinga. O que mais a impressionou nesta angolana? 
A história de Njinga é incrivelmente poderosa, pois obriga-nos a repensar os nossos pressupostos sobre vários temas - não apenas o processo do imperialismo europeu, que a história de Njinga demonstra ser mais complexo e menos linear do que poderíamos esperar, mas também o género e o papel das mulheres na história. Fiquei particularmente atraída por Njinga porque tinha uma personalidade complexa. Ela é, obviamente, uma heroína nacional e um símbolo da independência angolana, mas é também uma personagem profundamente perturbadora, que, obviamente, também se envolveu em violência e em táticas duras para ganhar e manter o poder.

A historiadora e arqueóloga Naoíse Mac Sweeney.

É neste capítulo dedicado a Njinga que dá alguma atenção aos portugueses na história do Ocidente. Poderia Vasco da Gama ter sido um dos biografados? 
Sim, Vasco da Gama teria sido uma biografia fascinante de escrever e de ler. Na verdade, ele estava na longa lista de opções que estive a considerar. Mas tive que reduzir a lista.

A angolana Njinga.

Há outra figura que me surpreende, a otomana Safiye Sultan, mãe e avó de sultões. Foi o Império Otomano, curiosamente criado pelos turcos oriundos das estepes asiáticas, o mais europeu, ou o mais ocidental, de todos os impérios islâmicos?
Em termos geográficos, os reinos islâmicos do Norte de África e da Andaluzia situavam-se a oeste dos otomanos. Mas o Império Otomano pode ter sido o mais “ocidental” no sentido cultural. Houve muita interação com a Europa Central e Oriental em particular e muitas ligações diplomáticas entre os otomanos e várias potências europeias.

A otomana Safyie Sultan.

Seis mulheres entre 14 figuras históricas biografadas é raro. Fez um esforço deliberado para o equilíbrio de género no livro ou as mulheres, por algum motivo, de Livila a Carrie Lam, facilitam a explicação de uma época?
Sim, fiz um esforço deliberado para conseguir algo mais próximo do equilíbrio de género. Senti que era importante olhar para pessoas que teriam perspetivas e posições diferentes na sociedade - homens e mulheres; não apenas a realeza e a nobreza, mas também pessoas mais modestas, que viviam noutras parcelas da escala socioeconómica, e, claro, pessoas de várias partes do mundo, tanto ocidentais como não ocidentais. Achei que isso era importante para dar uma amplitude de perspetivas.

Começar com Heródoto é reconhecer implicitamente que sem os gregos não se pode sequer imaginar o Ocidente?
Isso está absolutamente correto. É um argumento central do livro que todo o conceito de Ocidente se baseia nas suas origens imaginadas na Grécia Antiga, seguida por Roma. Uma parte central de imaginar o Ocidente e a sua envolvência é imaginar o seu nascimento no mundo clássico.

O grego Heródoto.

Falamos do Ocidente, também do Oriente, e hoje até do Sul global. Usar pontos cardeais para definir civilizações é um erro? 
Não é um erro desde que tenhamos clareza sobre o que queremos dizer. O problema é que os pontos cardeais são naturalmente relativos. Istambul pode estar a leste de Londres, mas fica a oeste de Pequim.

O Ocidente é mais uma ideia do que uma geografia? A Nova Zelândia e a Austrália fazem sentido como países ocidentais? 
Isso é absolutamente verdade - o Ocidente é um conceito e a geografia é apenas uma parte deste conceito. Muito mais importante, defendo no livro, é a ideia de uma herança cultural partilhada - uma herança que começa nos mundos clássicos da Grécia e de Roma, que continua na Idade Média europeia e no Renascimento e avança até à modernidade atlântica.

A ausência de uma personalidade russa nas biografias que fez tem uma interpretação política que pode ser relacionada com a atualidade?
Considerando a atualidade, se eu escrevesse este livro novamente, incluiria um russo. Na época, decidi escrever sobre a China, porque é algo que conheço mais pessoalmente. A minha  mãe é chinesa e a minha irmã mora atualmente na China. A China, portanto, parecia uma escolha óbvia.

A chinesa Carrie Lam.
AFP

Carrie Lam foi uma antiga chefe do governo de  Hong Kong, cidade chinesa ligada à cultura ocidental por século e meio de colonização. Podem o Ocidente e o Oriente cooperar ou terão de se opor? 
Durante algum tempo a China e o Ocidente conseguiram uma relação cuidadosamente equilibrada que envolveu uma oposição conceptual e também alguma oposição em termos de retórica política; mas, na realidade, das relações económicas, comerciais e culturais estava a abrir-se a mais interação. Esta situação parece menos firme, no entanto, à medida que a retórica de oposição se torna mais feroz. Espero que possamos voltar a uma situação em que a realidade das interações seja novamente mais tranquila e fácil.

Os Estados Unidos são o extremo Ocidente. É um tipo diferente de Ocidente?
Os Estados Unidos impulsionam grande parte da agenda ocidental hoje e são certamente muito proeminentes na geopolítica global. No entanto, o Ocidente parece diferente onde quer que se esteja no mundo. Na Áustria, onde vivo e trabalho agora, a noção de Ocidente é bastante distinta - a Europa Central tem uma história e uma perspetiva política diferentes da Europa Ocidental e também diferente dos Estados Unidos. Precisamos de nos sentir confortáveis em pensar no Ocidente como plural.

O Ocidente
Naoíse Mac Sweeney
Desassossego
352 páginas
21,10 euros

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