Uma viagem que tinha como objetivo principal obter investimentos para os Estados Unidos - e de caminho para a família Trump - ganhou uma dimensão geopolítica com o anúncio de que o presidente vai encontrar-se nesta quarta-feria com o novo líder da Síria, depois de este ter revelado que iria levantar as sanções económicas ao país dizimado por 14 anos guerra civil. É o resultado de uma ação de charme junto de Donald Trump, a quem Damasco acenou com acesso ao gás e petróleo do país, uma torre Trump a construir na capital e o apaziguamento com Israel. O líder dos EUA também disse que pretende estender a mão ao Líbano.A Casa Branca antecipara a primeira viagem externa planificada do segundo mandato de Trump dando especial ênfase ao investimento e à cooperação económica, com o objetivo de obter até 3 biliões de dólares (2,6 biliões de euros), ficando as questões diplomáticas para segundo plano. Mas tudo mudou a partir da segunda parte do discurso do presidente norte-americano no Fórum de Investimento Arábia Saudita-EUA. Depois de ter feito um apelo para o investimento no seu país e elogiado o país anfitrião e o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MBS), o presidente norte-americano declarou: “Depois de discutir a situação na Síria com o príncipe herdeiro e também com o presidente Erdogan da Turquia, que me telefonou no outro dia e me interpelou de forma muito semelhante, entre outras pessoas por quem tenho muito respeito no Médio Oriente, vou ordenar o fim das sanções contra a Síria, a fim de lhes dar uma oportunidade de prosperarem.” O príncipe, líder de facto da Arábia Saudita, cruzou as mãos sobre o coração e levantou-se em aplausos. Depois de ter gracejado com MBS (“Oh, o que eu faço pelo príncipe herdeiro”), Trump desejou felicidades ao novo governo sírio: “Boa sorte, Síria. Mostre-nos algo especial.” Trump acabara também de dizer que o secretário de Estado Marco Rubio vai encontrar-se com o seu homólogo sírio na sexta-feira, na Turquia. Antes, o próprio Trump encontra-se nesta quarta-feria, em Riade, com o líder do movimento que derrubou o regime de Assad, Ahmad al-Sharaa. Ao reagir no X, o líder sírio disse que “este passo representa uma vitória pela justiça e uma reafirmação da unidade do povo árabe”. Já o chefe da diplomacia, Asaad al-Shaibani, disse que o seu país está pronto a construir relações com os EUA “baseadas no respeito mútuo, na confiança e em interesses comuns”. Os EUA ainda não reconheceram o governo de transição. Quando Bashar al-Assad fugiu para a Rússia, em dezembro passado, o ainda presidente Joe Biden decidiu deixar para o sucessor a decisão de levantar as sanções, bem como de restabelecer as relações diplomáticas com Damasco. Os países do Golfo estão interessados em participar na reconstrução da Síria, mas é condição essencial que as sanções económicas sejam levantadas. As primeiras, de 2011, tinham como alvo Bashar al-Assad por crimes de guerra contra a própria população, e proibiam as relações económicas e militares dos EUA com a Síria. Em vigor desde 2020, as novas sanções visavam igualmente indivíduos e empresas que forneçam serviços e bens à Síria com o objetivo de impedir os esforços de reconstrução do país sob Assad. A situação económica e financeira do país afastado do sistema financeiro global está como as infraestruturas: devastada. Mais de 90% dos habitantes vive abaixo do limiar da pobreza, segundo as Nações Unidas, tendo o Produto Interno Bruto encolhido 54% entre 2010 e 2021. A maior fonte de rendimento era a produção da anfetamina captagon, conhecida como cocaína dos pobres. Há dias, Arábia Saudita e Qatar pagaram a dívida de Damasco ao Banco Mundial. A primeira viagem de Sharaa foi a Riade, tendo depois visitado o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, os outros países incluídos na visita de Trump. Em paralelo, Damasco iniciou uma operação para seduzir a administração Trump. Há duas semanas, o empresário Jonathan Bass, proprietário da empresa de gás natural Argent LNG, e classificado de “ativista pró-Trump”, esteve reunido durante quatro horas com Sharaa. Objetivo: levar o chefe de Estado sírio, pelo qual os EUA chegaram a oferecer uma recompensa de 10 milhões de dólares por informações que levassem à sua detenção, devido à liderança do grupo jihadista Frente al-Nusra - a reunir-se com Donald Trump. À Reuters, Bass disse que Sharaa quer um acordo comercial com os EUA, tendo referido que este poderia abranger a exploração de energia, a cooperação contra o Irão e relações com Israel. “Disse-me que quer uma torre Trump em Damasco. Quer paz com os seus vizinhos. O que ele me disse é bom para a região, bom para Israel”, disse o empresário norte-americano. Segundo uma fonte norte-americana em declarações ao londrino The Times, Sharaa vai também mostrar interesse em aderir aos Acordos de Abraão, o processo de normalização de relações de estados árabes com Israel, ocorrido no primeiro mandato de Trump. Esse possível avanço alinha com os interesses dos países do Golfo em retirar a Síria da esfera de influência do Irão. No discurso em Riade, Trump disse que “a maior e mais destrutiva força” no Médio Oriente é “o regime iraniano”, no entanto disse estar interessado em chegar a acordo com o Irão. “Queremos que seja um país grande, maravilhoso e seguro. Mas não podem ter armas nucleares”, advertiu. Caso contrário, disse, voltará a política de “pressão máxima” para impedir a exportação de petróleo iraniana. Destaque ainda para as palavras de incentivo dirigidas ao Líbano, agora que um “novo presidente e primeiro-ministro trouxeram a primeira oportunidade real em décadas para uma parceria mais produtiva com os Estados Unidos”. Disse ainda que a sua administração está pronta para ajudar Beirute a “criar um futuro de desenvolvimento económico e de paz com os seus vizinhos”.Príncipe e presidente anunciam negócios de 1 bilião de dólares"Um grande dia na Arábia Saudita!!!”, escreveu Donald Trump na sua rede Truth Social no final de terça-feira. Além do anúncio sobre a Síria, o presidente norte-americano foi o convidado de honra de um almoço com o príncipe herdeiro e outros 20 príncipes da casa de Saud. Mas o mais importante para os Estados Unidos foram os acordos assinados e anunciados durante o dia, incluindo a venda de armas no valor de 142 mil milhões de dólares (126 mil milhões de euros).Depois da eleição de Trump, o príncipe Mohammed bin Salman anunciou o investimento nos EUA no valor de 600 mil milhões de dólares ao longo de dez anos. Durante a conferência de investimento entre os dois países, ambos os líderes afirmaram que a Arábia Saudita iria investir 1 bilião de dólares nos EUA. Segundo a Fortune, contudo, “o total acumulado dos acordos vale, na realidade, mais de 300 mil milhões de dólares”. Um bilião de dólares corresponde ao PIB da Arábia Saudita. “Se olharmos para as outras presidências, elas não conseguiriam fazer 1 bilião de dólares, nem sequer em anos. Nós fizemo-lo essencialmente em dois meses”, gabou o presidente dos EUA. Além do acordo de armas - do qual não se souberam pormenores, ficando por esclarecer se inclui a aquisição de aviões F-35 - , foram anunciados 11 planos de investimento, da produção de gás natural e petróleo ao investimento em inteligência artificial, centros de dados ou semicondutores, ou ainda à construção civil.