Friedrich Merz (à esquerda) juntou-se à reunião informal dos países nórdicos em Turku. À sua frente, o finlandês Petteri Orpo e, a seu lado, o sueco Ulf Kristersson, a islandesa Kristrun Frostadottir e o faroense Aksel Johannesen.
Friedrich Merz (à esquerda) juntou-se à reunião informal dos países nórdicos em Turku. À sua frente, o finlandês Petteri Orpo e, a seu lado, o sueco Ulf Kristersson, a islandesa Kristrun Frostadottir e o faroense Aksel Johannesen. FOTO: EPA / Kimmo Brandt

Política de assistência militar à Ucrânia abre brecha na coligação alemã

Chanceler da CDU diz não haver restrições ao alcance das armas fornecidas a Kiev. Vice-chanceler do SPD pôs em causa o teor das declarações. Merz não esclarece se os mísseis 'Taurus' serão enviados.
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O governo de coligação entre democratas-cristãos e sociais-democratas, liderado por Friedrich Merz, não chegou às três semanas de coexistência pacífica. A guerra na Ucrânia, tal como aconteceu na anterior coligação, é o tema de fratura. "Já não existem restrições quanto ao alcance das armas fornecidas à Ucrânia, nem pelo Reino Unido, nem pela França, nem por nós. Também não há restrições por parte dos EUA", disse o chanceler na segunda-feira. Horas depois, no X, escreveu: "Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para continuar a apoiar a Ucrânia. Isto também significa que não haverá mais restrições de alcance para as armas que fornecemos. A Ucrânia pode agora, também, defender-se atacando posições militares na Rússia."

No entanto, o vice-chanceler e ministro das Finanças afirmou que "não há nenhum novo acordo que vá além do que o governo anterior tinha em vigor". As palavras de Lars Klingbeil, de cujo partido, o SPD, era o principal da coligação anterior, desmentiram Merz e deram a entender que o executivo não fala a uma só voz sobre este tema. Mais claro ainda, o seu colega de partido e deputado Ralf Stegner, disse que as declarações de Merz são "inúteis" e apelou antes para mais esforços diplomáticos.

Na terça-feira, ao lado do primeiro-ministro finlandês Petteri Orpo, Merz voltou ao tema, ao esclarecer que não estava a anunciar uma novidade, uma vez que as limitações impostas deixaram de existir "há alguns meses", disse. "Eu descrevi algo que se tem verificado há meses. Em concreto, que a Ucrânia tem o direito de usar as armas que recebe, para lá das suas fronteiras, contra alvos militares em território russo."

Os mísseis de maior alcance que os parceiros ucranianos forneceram (os balísticos ATACMS dos EUA, e os ar-terra SCALP/Storm Shadow da França e do Reino Unido) estavam limitados ao uso em território ucraniano, até que, há um ano, Emmanuel Macron disse que era chegado o tempo de permitir aos ucranianos "neutralizar os pontos militares a partir dos quais os mísseis são disparados" na Rússia. A seu lado estava o alemão Olaf Scholz, o qual ressalvou que esses disparos teriam de ser feitos "no quadro do direito internacional". Em julho, foi a vez de o primeiro-ministro britânico Keir Starmer anunciar o mesmo. No entanto, só depois de Joe Biden ter levantado essa restrição, em novembro, é que foi noticiado o primeiro ataque com um míssil franco-britânico para lá da fronteira.

As declarações de Merz revestem-se de importância porque, enquanto líder da oposição, pediu a Scholz para este mudar de ideias quanto à transferência dos Taurus, os mísseis germano-suecos com um alcance de 500 quilómetros, e chegou a prometer que, uma vez chanceler, iria reverter a política de Scholz — criticada pelos parceiros da coligação, em especial os Verdes. No entanto, sobre esse tema, nem uma palavra.

Na visita a Kiev que realizou dias após ter entrado em funções, Merz anunciou ao governo que iria deixar de listar a ajuda militar à Ucrânia. "Sob a minha liderança, o debate sobre o fornecimento de armas, o calibre, os sistemas de armamento, etc., será retirado da esfera pública", disse. O objetivo, explicou, é impedir a Rússia de obter informações e seguir a política francesa da "ambiguidade estratégica".

Em entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, o novo chefe da diplomacia alemã destacou esse instrumento. "Putin tem de saber que, enquanto se comportar de forma imprevisível, não pode esperar que nós sejamos previsíveis", disse Johann Wadephul. Ao ser questionado, em específico, sobre a entrega dos Taurus, e se esta questão tinha sido acordada com o parceiro de coligação, afirmou: "Mantenho a minha ambiguidade estratégica. Mas é claro que estas questões-chave são cuidadosamente discutidas no seio da coligação." A avaliar pelas declarações do SPD, não houve consenso sobre a transferência daquela arma.

De Moscovo, as reações não se fizeram esperar. O ministro Sergei Lavrov acusou Merz de "sabotar" os esforços de paz do norte-americano Donald Trump e disse que as declarações do alemão, de pronto corrigidas pelo parceiro de coligação, "refletem o nível de competência dos atuais líderes europeus". Já o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, considerou a decisão "muito perigosa".

Ainda na Finlândia, Merz considerou que a paz ainda não está no horizonte. “As guerras terminam, normalmente, devido à exaustão económica ou militar de um ou de ambos os lados e, nesta guerra, é óbvio que ainda estamos longe de chegar a essa situação. Por isso, talvez tenhamos de nos preparar para um período mais longo”, afirmou.

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