Polícia prende 1500 apoiantes de Bolsonaro acusados de golpe de estado e de mais 14 crimes
Mais de 1500 envolvidos nos atos terroristas em Brasília, que culminaram com a depredação das sedes dos poderes executivo, legislativo e judicial brasileiros, no domingo, foram detidos nas últimas horas, de acordo com Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública do governo do presidente Lula da Silva. Os presos podem responder por golpe de estado e mais 14 crimes.
Segundo disse Dino em conferência de imprensa, 209 daquelas detenções aconteceram em flagrante e as demais cerca de 1300 para audição pela polícia. Quase todas de partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro estacionados no acampamento montado há dois meses em frente ao quartel-general do exército em Brasília - esse acampamento e dezenas de outros montados Brasil afora foram já desmantelados.
"Aqueles que estavam no local da destruição foram presos no que é considerado um flagrante, e as providências de polícia judiciária serão tomadas. Caberá ao poder judicial dar resposta final quanto ao que ocorrerá com eles, alguns serão submetidos a audiência de custódia, outros podem, eventualmente, receber o benefício da liberdade provisória", adiantou o ministro.
De acordo com Dino, haverá a abertura de três inquéritos para investigar não só quem são as pessoas que participaram dos atos mas também quem são os financiadores, que ainda estão em processo de identificação. O ministro disse que já está com a relação de todas as pessoas que financiaram os veículos que foram até Brasília.
Os envolvidos podem ser acusados de golpe de estado, roubo, lesão corporal, dano a bem público, furto, porte de arma branca, desobediência, resistência à prisão, corrupção ativa, entre outros.
Em paralelo, o ministério público do Distrito Federal solicitou às forças policiais do mesmo estado informações sobre a atuação nos ataques terroristas às sedes dos três poderes. Entre os dados solicitados estão o quantitativo de policiais empregados na operação e quais as estratégias adotadas.
Segundo o ministério público, se houver qualquer indício de irregularidade na atuação de qualquer uma das forças policiais, civil ou militar, o órgão vai abrir investigação para apurar responsabilidades. "Haverá uma revisão, claro, sobretudo na Polícia Militar, e isso já está em curso e deverá partir de um entendimento com o governador em exercício para que haja normalização da política de segurança no DF", disse Dino.
O ministro também responsabilizou Bolsonaro pelo sucedido - "as palavras de um presidente têm poder, alertamos que essas palavras não deveriam ser vistas como piada, no domingo elas ganharam braços, pernas, pedras, paus e armas". O ex-presidente reagira pelas redes sociais aos ataques perpetrados pelos seus apoiantes dizendo que "depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra (...), no mais, repudio as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do atual chefe do executivo do Brasil".
A Advocacia-Geral da União, instituição responsável pelo controle do património público brasileiro, pediu, entretanto, a prisão de Anderson Torres, o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Torres, empossado há uma semana no cargo, foi ministro da Justiça de Bolsonaro até ao fim de 2022, e estava, tal como o ex-presidente brasileiro, de férias na Florida no domingo. "Vivi o dia mais amargo da minha vida", reagiu o secretário, "enquanto passava as férias há tanto tempo sonhadas" e assistia "a um ataque que foi um dos pontos mais tristes dos últimos anos".
Ibaneis Rocha, o governador do Distrito Federal que demitiu Torres logo após o ataque, foi, por sua vez, afastado do cargo por 90 dias por decisão de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), "por conivência". "Respeito a decisão do STF, vou aguardar com serenidade, fé na justiça e nas instituições democráticas", disse Ibaneis, um aliado de Bolsonaro nos últimos quatro anos.
Lula decretou, ainda no domingo, "intervenção federal na segurança do Distrito Federal", ou seja, determinou que fosse o governo do Brasil e não o governo local a tratar dos atos terroristas. Ibaneis ainda chegou a pedir desculpas públicas a Lula e aos presidentes das duas casas do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal na madrugada de domingo, "não aceites" pelo chefe de estado.
Lula e as demais autoridades, Veneziano Vital do Rêgo, presidente do Senado em exercício, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Rosa Weber, presidente do STF, reuniram-se logo na manhã de segunda-feira para assinarem nota conjunta "de união".
"Os poderes da República, defensores da democracia e da Carta Constitucional de 1988, rejeitam os atos terroristas, de vandalismo, criminosos e golpistas que aconteceram na tarde desta segunda-feira em Brasília", diz a nota. "Estamos unidos para que as providências institucionais sejam tomadas, nos termos das leis brasileiras".
Além de janelas, cadeiras, documentos, computadores, impressoras e televisores das salas dos juízes do STF, dos parlamentares ou do gabinete da primeira-dama, Janja da Silva, os criminosos, que atearam fogo e inundaram o Congresso, também atacaram itens históricos avaliados, nalguns casos, em milhões de reais. Uma obra do pintor modernista brasileiro Di Cavalcanti que foi danificada vale cerca de oito milhões de reais [cerca de 1,5 milhões de euros] e pode alcançar valor até cinco vezes maior em leilões. Foram ainda depredados um vitral da artista plástica Marianne Peretti, vitrines do Congresso e do Planalto que exibiam objetos históricos e a galeria de fotos dos Presidentes da República.
Presentes de autoridades estrangeiras foram saqueados e obras de arte furtadas, como a base da escultura Bailarina, de Victor Brecheret. O Muro Escultórico, de Athos Bulcão, foi perfurado na base, a escultura Maria, Maria, de Sônia Ebling, marcada com paulada, a escultura O Flautista, de Bruno Giorgi, despedaçada pelo salão, assim como a obra Bandeira do Brasil, de Jorge Eduardo.
Um tapete que pertenceu à Princesa Isabel, uma réplica da Constituição de 1988 e um relógio do século 17 que foi para o Brasil com a família real portuguesa foram danificados, enquanto a mesa de trabalho do histórico presidente Juscelino Kubitscheck serviu de barricada aos terroristas.
Os atos de domingo em Brasília mereceram forte condenação internacional