Dias antes de se deslocar aos Estados Unidos, onde se encontra hoje com Joe Biden e Kamala Harris, o presidente ucraniano depositava esperança no homólogo para que este, nos meses que lhe restam na Casa Branca, atue de forma decisiva para que Kiev consiga virar o jogo a seu favor antes de entrar numa fase negocial com a Rússia. “Biden pode tomar decisões importantes para que a Ucrânia se torne mais forte e proteja a sua independência enquanto for presidente dos Estados Unidos. Penso que se trata de uma missão histórica”, disse Volodymyr Zelensky. Na véspera das reuniões em que o ucraniano vai apresentar o seu “plano da vitória”, o líder russo voltou a agitar o fantasma nuclear, ao dizer que a doutrina foi atualizada e agora qualquer ataque convencional de um país apoiado por uma potência nuclear será tomado como um ataque conjunto. O “plano da vitória” ucraniano, mantido em segredo, tem sido alvo de debate e de especulação, mas sabe-se que abarca as dimensões política, diplomática, militar e económica. Também se sabe que o objetivo passa por uma aceleração e alargamento de ajudas específicas na janela temporal de outubro a dezembro. E foi revelado, pela parte do chefe de gabinete presidencial, Andriy Yermak, que o convite oficial para que a Ucrânia se junte à NATO, também faz parte das garantias de segurança do plano. O presidente da Turquia, que bloqueou a adesão da Finlândia e da Suécia durante meses, comentou a pretensão ucraniana em entrevista à NBC News. Segundo Recep Erdogan, os EUA e outros membros “não querem a Ucrânia como estado-membro” e disse que estas questões não devem ser apressadas. No ano passado, Erdogan defendeu a adesão de Kiev à aliança militar. Neste momento, a Ucrânia tem cerca de um quinto do seu território ocupado pela Rússia e não tem recursos humanos para suster uma guerra sem fim à vista, mas não está interessada em ir para a mesa de negociações em perda. Segundo a Associated Press, em termos militares o que a Ucrânia vai pedir é o que “pensa ser necessário a curto prazo para manter a pressão sobre a Rússia na esperança de forçá-la à mesa das negociações”. À cabeça estará a autorização para usar mísseis de longo alcance de fabrico ocidental em território russo. Kiev alega que se puder destruir bases aéreas, paióis e outros alvos militares num raio de 300 quilómetros, irá diminuir de forma significativa a capacidade russa. O tema continua a dividir a administração Biden, em especial entre o Pentágono e o Departamento de Estado..Mais dividida ficará depois de Vladimir Putin ter baixado a fasquia da ameaça. Agora, diz o líder russo, a doutrina atualizada estipula que um país sem armas nucleares que ataque o seu país com o apoio ou participação de um país dotado de armas nucleares é passível de receber uma retaliação atómica. Há quem creia que um dos objetivos da incursão ucraniana na região russa de Kursk - onde foi usado equipamento militar ocidental - passa por demonstrar que as chamadas linhas vermelhas podem ser cruzadas sem que daí advenha uma catástrofe nuclear. Zelensky, que sobre o plano da vitória disse ser uma série de “passos rápidos e concretos” a dar pelos parceiros da Ucrânia, destacou a importância do momento. “Vamos fazer tudo isto agora, enquanto todos os funcionários [norte-americanos] que querem que a Ucrânia ganhe estão em funções.” Questionado pela The New Yorker sobre uma eventual rejeição de Joe Biden ao “plano da vitória”, Zelensky disse ser “um pensamento horrível” porque “significaria que Biden não quer acabar com a guerra de uma forma que negue a vitória à Rússia”. Alguns analistas apontam que a linguagem da administração Biden tem evitado usar a palavra “vitória”. O presidente ucraniano também previa reunir-se com o candidato Donald Trump, mas tal não parece vir a acontecer. Na segunda-feira, o republicano disse que Zelensky deseja a vitória dos democratas nas eleições de novembro e alegou que “cada vez que entra no país sai com 60 mil milhões de dólares”, e que já recebeu “quase 300 mil milhões de dólares”. A ajuda do Congresso dos EUA à Ucrânia, desde fevereiro de 2022, totaliza 175 mil milhões de euros. “Continuamos a dar milhares de milhões a um homem que recusa fazer um acordo”, disse Trump na quarta-feira, sobre Zelensky, “este pobre homem” que “não sabia o que estava a dizer” no discurso das nações Unidas. Na Assembleia Geral da ONU, o presidente ucraniano alertou para um alegado plano russo de ataque às centrais nucleares ucranianas, com base em imagens de satélite de outros países - uma indireta à China. “Putin parece estar a planear ataques às nossas centrais nucleares de energia e às suas infraestruturas, procurando desligá-las da rede elétrica”, afirmou. Zelensky disse ainda ambicionar “uma paz real e uma paz justa”, tendo descartado a iniciativa de Pequim e de Brasília, que apresentaram um plano de paz que não prevê a desocupação dos territórios invadidos. cesar.avo@dn.pt