Joe Biden não gastou as últimas horas na Casa Branca a beber chá junto à lareira. No último dia como presidente foi à Carolina do Sul agradecer aos afro-americanos que lhe deram um empurrão nas Primárias dos democratas, em 2020, e fez justiça a vários ativistas condenados, incluindo o pioneiro Marcus Garvey (1887-1940), que inspirou Martin Luther King ou Malcolm X. Nas últimas horas ao leme dos EUA, o democrata pôs fim a dias de especulação e avançou com a medida inédita de perdoar preventivamente um conjunto de personalidades que poderiam vir a ser perseguidas pelo seu sucessor, incluindo o investigador que liderou a luta contra o covid, Anthony Fauci, e o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Mark Milley.“Estes funcionários públicos serviram a nossa nação com honra e distinção e não merecem ser alvo de processos injustificados e politicamente motivados”, afirmou Biden numa declaração em que justificou a sua medida. “Acredito no Estado de Direito e estou otimista em relação a que a força das nossas instituições jurídicas acabará por prevalecer sobre a política. Mas estas são circunstâncias excecionais e não posso, em boa consciência, nada fazer.” Segundo noticiou o Politico no início de dezembro, a equipa de juristas de Biden começou a trabalhar no tema depois de Donald Trump ter anunciado que iria designar Kash Patel para diretor do FBI. Patel, ex-procurador que fez parte da primeira Administração Trump, há muito que pede publicamente que indivíduos relacionados com as investigações ao novo presidente sejam processados criminalmente.Além de Fauci e de Milley - Trump disse que o militar cometeu traição e que noutros países teria enfrentado a morte -, a lista de perdoados antes sequer de serem investigados inclui os nove membros da comissão da Câmara de Representantes responsável pelas conclusões sobre a invasão ao Capitólio - que serviu de base para o procurador especial Jack Smith incriminar Trump pela tentativa de subversão do resultado eleitoral. Entre os representantes perdoados contam-se os republicanos Liz Cheney e Adam Kinzinger. Os quatro polícias do Capitólio que testemunharam na comissão foram também alvo de perdão presidencial.“Em vez de aceitar a responsabilidade, aqueles que perpetraram o ataque de 6 de janeiro aproveitaram todas as oportunidades para minar e intimidar aqueles que participaram na comissão especializada, numa tentativa de reescrever a História, apagar a mancha do 6 de Janeiro para obter ganhos partidários e procurar vingança, inclusive ameaçando processos criminais”, disse Biden, sem alguma vez nomear o seu antecessor e sucessor.Na sexta-feira, Biden comutou a pena a 2500 condenados por crimes não-violentos relacionadas com drogas. Antes, havia tirado do corredor da morte 37 reclusos. A onda de indultos começou e acabou na família Biden. Primeiro, o seu filho Hunter, que havia sido condenado por posse ilegal de arma e evasão fiscal. E pouco antes de deixar o cargo, indultou os irmãos James, Valerie e Francis, e respetivos cônjuges.“A concessão destes perdões não deve ser confundida com o reconhecimento de que se envolveram em qualquer ato ilícito, nem a aceitação deve ser mal interpretada como uma admissão de culpa por qualquer delito”, afirmou Biden.