Na quarta-feira, o presidente dos Estados Unidos perdoou Peach e Blossom, dois perus criados no Minnesota - uma tradição anual iniciada no século passado na época do dia de Ação de Graças. Dias depois, no domingo, Joe Biden decidiu fazer uso do verdadeiro perdão presidencial, como previsto na Constituição: “(...) E terá o poder de conceder comutações e indultos por ofensas contra os Estados Unidos, exceto em casos de destituição.” A pouco mais de um mês e meio de sair da Casa Branca, o democrata tomou a decisão ao perdoar o filho. Ao salvar Hunter das sentenças de que ia ser alvo nos próximos dias, Joe Biden deixa no seu currículo uma controvérsia e um problema acrescido para os democratas, já enfraquecidos com a derrota nas presidenciais e no Senado. Os laços familiares falaram mais alto do que a coerência. Joe Biden disse e redisse que não iria perdoar ou comutar qualquer sentença do seu filho. No domingo, porém, emitiu um comunicado a explicar a sua decisão. “Tem havido um esforço para deitar abaixo Hunter - que está sóbrio há cinco anos e meio, mesmo perante ataques implacáveis e acusações seletivas. Ao tentarem destruir Hunter, tentaram destruir-me a mim - e não há razão para acreditar que isto vá parar por aqui. Basta”, disse, responsabilizando ainda a “política suja” por ter “infetado o processo e levado a um erro judicial”..Hunter ia ser sentenciado no dia 12 pelo crime de ter adquirido uma arma de fogo em 2018 enquanto toxicodependente e por ter prestado falsas declarações sobre a sua dependência; e no dia 16 sobre a fuga ao fisco em 2017 e 2018. No primeiro caso podia receber uma pena de prisão de até 25 anos, enquanto no segundo arriscava 17 anos e uma multa de 1,3 milhões de dólares. “Infetado” ou não pela política, o facto é que o Departamento de Justiça nomeou um procurador especial para investigar os casos, David Weiss. Em junho de 2023, Hunter Biden chegou a acordo com a acusação, mas no mês seguinte a juíza encarregada do caso - nomeada por Donald Trump - protelou o acordo, o que levou o filho do presidente a dar-se como inocente e os processos seguiram para julgamento. Pela sua natureza, os perdões presidenciais estão longe de serem pacíficos. Gerald Ford perdoou o antecessor, Richard Nixon, pelo escândalo Watergate, o que lhe terá custado a eleição em 1976 para Jimmy Carter. No último dia na Casa Branca, Bill Clinton foi o primeiro a perdoar um familiar. O meio-irmão Roger foi perdoado por ter vendido cocaína, embora já tivesse cumprido a pena de um ano de prisão. Nesse perdão a 140 pessoas estava também incluído o bilionário Marc Rich, então foragido à justiça, e cuja mulher tinha feito contribuições para o Partido Democrata, para a campanha de Hillary Clinton para o Senado e para a fundação Clinton em mais de 1,5 milhões de dólares. No final do mandato, Donald Trump também usou este poder de forma controversa e com uma pessoa do círculo familiar: Charles Kushner, pai do seu genro Jared, que, entre outras coisas, declarou-se culpado de apresentar declarações de impostos falsas. Trump perdoou também pessoas próximas como o ex-diretor de campanha Paul Manafort, os conselheiros Roger Stone e Stephen Bannon ou o antigo conselheiro de segurança nacional Michael Flynn. Ao saber da decisão de Biden, o futuro presidente perguntou se o perdão também incluía os culpados pela invasão ao Capitólio - a quem já insinuara vir a perdoar - e disse que se está perante “um abuso e um atropelo à justiça”. As críticas não ficaram só do lado republicano. A lamber as feridas da derrota eleitoral de novembro, os democratas viam em Biden uma referência moral. “Este é um mau precedente que pode ser usado abusivamente por presidentes posteriores e que, infelizmente, manchará a sua reputação”, escreveu o governador do Colorado, Jared Polis, sobre Biden. “Pôs o interesse pessoal à frente do dever” com uma decisão que “corrói ainda mais a fé dos americanos de que o sistema de justiça é justo e igual para todos”, disse o senador Michael Bennet. Medida “insensata”, comentou outro senador, Peter Welch. E Joe Walsh, republicano crítico de Trump, também se mostrou desiludido: “Ninguém está acima da lei, temos estado a gritar. Biden acabou de deixar claro que o filho Hunter está acima da lei.”