Parlamentares brasileiros têm um mês para trocar de partido
Tereza Cristina, 67 anos, anunciou a saída do Partido Social Liberal (PSL) para assinar pelo Partido Progressista (PP), onde vai militar nos próximos quatro anos. "Venho para somar, não para dividir", disse a ministra da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro, que será apresentada aos simpatizantes do partido no dia 20. Em privado, Ciro Nogueira, presidente do PP, já dava a contratação como certa, ainda antes do início da janela partidária, uma espécie de mercado de transferências de políticos no Brasil.
Essa janela abriu dia 3 e vai durar até 1 de abril, período no qual todos os cerca de 30 partidos do país podem atrair deputados com vista às eleições gerais de 2 e 30 de outubro. E os parlamentares procurarem os melhores destinos para prosseguirem as suas carreiras políticas. A regra política no Brasil lembra a janela de mercado de transferências de jogadores de futebol da FIFA no mês de janeiro - e uma e outra são, de facto, parecidas.
Aos olhos de eleitores de países onde a fidelidade partidária é mais forte, a janela parece moralmente condenável. Mas, na verdade, foi instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2015 precisamente para moralizar, impedindo que as trocas de partidos continuassem a acontecer a qualquer momento da legislatura, sem regras, nem travões, como explica ao DN Mayra Goulart, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
"A janela partidária, de dia 3 de março a 1 de abril, é o período no qual os políticos eleitos proporcionalmente, os deputados, estaduais e federais, e os vereadores, quando a eleição é municipal, podem mudar de partido sem perder os seus mandatos, de acordo com decisão do Tribunal Superior Eleitoral de 2015 que entendeu que os mandatos das eleições proporcionais pertencem aos partidos e não ao candidato".
"No fundo, a janela partidária surge para impedir que os candidatos mudem do partido pelo qual foram eleitos para outro partido qualquer, quando lhes apetecer, a meio do mandato", prossegue.
Como acrescenta Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado, "historicamente, no Brasil, os eleitores votam mais nas pessoas do que nos partidos, que perderam a identidade, como é exemplo o voto em massa em 2010 no Tiririca, que foi nele e não no Partido Liberal (PL), partido pelo qual concorreu, ou o voto em massa em 2018 no Eduardo Bolsonaro, que foi nele e não no PSL, partido pelo qual concorreu".
"Antes, os deputados, na prática, podiam mudar de partido quando bem entendessem, a janela partidária, embora se assemelhe, sim, ao que se passa no futebol, é, no fundo, uma reforma que visou regular essa balbúrdia".
"E o que costuma acontecer então nas janelas partidárias?", pergunta-se Mayra Goulart. "Os deputados migram para aqueles partidos que lhes abram espaço para lançar as suas candidaturas, por um lado, ou que lhes pareçam, por outro, ter mais viabilidade eleitoral".
"No caso concreto deste ano, preveem-se muitas alterações em virtude de Bolsonaro ter saído do PSL, ficado um tempo sem partido e depois entrado no PL - muitos deputados vão seguir para o PL, não apenas aqueles que estavam no PSL com Bolsonaro, mas outros, de outros partidos, que o apoiam", diz a politóloga.
Segundo Vieira, "nesta janela de transferências há craques que podem mudar de partido", como Tereza Cristina, "mas também alguns 'pernas de pau'", ou seja, parlamentares menos relevantes. "Acredito que os vencedores do "mercado" serão o PL, porque muitos deputados acompanham o presidente, o que fará do partido o novo representante da extrema-direita, e o PT, que, por ter boas hipóteses de eleger uma grande bancada por conta da 'onda Lula', atrairá muitos políticos de esquerda".
"O União Brasil, fusão do PSL, ex-partido de Bolsonaro, com o DEM também deve atrair deputados por estes entenderem que essa nova formação, muito grande, terá direito a um generoso fundo partidário, que é calculado a partir da representação parlamentar do partido, o que lhes pode tornar mais fácil financiar candidaturas", diz Goulart.
Já Vieira acredita que o União Brasil será derrotado. "Os derrotados serão o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), que pode perder, de um universo de 32 deputados, os 20 mais próximos a Bolsonaro, e o União Brasil, que embora comece em teoria com uma grande bancada pela fusão DEM e PSL, pode passar no final de 78 a 60 deputados".
Tereza Cristina, a primeira transferência a agitar o mercado, é um desses casos - pertencia ao PSL, hoje umas das metades da União Brasil, e vai para o PP. A razão é simples: enquanto o PSL rompeu com Bolsonaro, o PP aproximou-se. E ela quer ser candidata a vice-presidente do atual chefe de estado em outubro.
O deputado mediático Túlio Gadêlha, entretanto, está de saída do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Ciro, para o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), equiparável ao português Bloco de Esquerda, de forma a entrar na base de partidos que apoia Lula. Já o não menos mediático deputado David Miranda deve fazer o percurso inverso por preferir Ciro ao antigo presidente.
Mas a transferência mais aguardada, depois de Tereza Cristina, Gadêlha ou Miranda, é a de Eduardo Leite. Mesmo derrotado nas primárias do PSDB pelo governador de São Paulo, João Doria, o governador do Rio Grande do Sul pode continuar a manter vivo o sonho de disputar a presidência ao transferir-se para o Partido Social-Democrata (PSD).
Como defendem os cientistas políticos e demais observadores, além do movimento de deputados em direção aos partidos na órbita de Bolsonaro, também o PT, já hoje uma das maiores bancadas, com 53 parlamentares, deve atrair outros políticos, de centro e de esquerda, atentos às sondagens que dão Lula mais perto do Planalto.
Já nos partidos a que pertencem os candidatos de terceira via, como o PDT, de Ciro Gomes, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de Simone Tebet, o PSDB, de João Doria, ou o Podemos, de Sergio Moro, o objetivo é perder poucos deputados na janela. "O Podemos, de Moro, por exemplo, deve receber gente atraída pelo candidato mas também perder muita gente, repelida pelo candidato", diz Vieira, para quem "a influência do PSDB de Doria", o partido do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso e um dos pilares da redemocratização no país, "tende a quase desaparecer".
Esse receio de perder relevância, deve estimular os partidos a enveredarem por "federações partidárias", uma novidade nestas eleições que pode influir na janela partidária. Por exemplo, o PSDB, de Doria, negoceia coligações com o Cidadania e com o MDB, de Tebet, que, por sua vez, conversa também com o União Brasil.
dnot@dn.pt