O embaixador Serge Wauthier com a equipa da embaixada: Camilia Ajjoura, Diane Detollenaere, Nadia Benini, Salomé Charat e Adélia Tavares.
O embaixador Serge Wauthier com a equipa da embaixada: Camilia Ajjoura, Diane Detollenaere, Nadia Benini, Salomé Charat e Adélia Tavares.Leonardo Negrão / Global Imagens

“Para a Bélgica, o campo de batalha histórico da Europa, o principal dividendo da União é a garantia da paz”

País fundador em 1957, a Bélgica assumiu no dia 1 de janeiro a presidência do Conselho da União Europeia. Serge Wauthier, o embaixador em Portugal, falou ao DN sobre as prioridades e os desafios para os próximos meses. E sublinha que o espírito europeísta continua muito forte no seu país.
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Quais são as prioridades da presidência belga da União Europeia, que acontece este semestre?
A Bélgica definiu três eixos : “proteger, fortalecer e preparar”. Proteger, porque o cidadão europeu está preocupado, neste contexto geral atual, e a UE deve responder “presente”, por exemplo abordando questões de defesa ou de saúde pública, mas também de proteção dos nossos direitos e liberdades fundamentais. Reforçar, porque é essencial que a nossa economia, cada vez mais verde, permaneça competitiva. E preparar-se, porque a União precisa de reformar para enfrentar desafios como o alargamento. Estes três eixos estão divididos em seis clusters, que abordam questões prioritárias como o Estado de direito, o aprofundamento do mercado interno e a competitividade (são esperados dois relatórios importantes, o relatório Draghi e o relatório Letta), a finalização do Green Deal, a revisão da legislação farmacêutica, a revisão do Código das Fronteiras Schengen e o apoio à Ucrânia, claro... Mas uma presidência é acima de tudo o elo de uma cadeia, e nós somos o último elo da cadeia desta legislatura. Cabe-nos, portanto, tentar concluir o maior número possível de processos legislativos em curso, na sequência da excelente presidência espanhola. Mas também preparar-nos para o que vem a seguir, com a adoção da agenda estratégica 2024-2029.

Ter a UE também capital em Bruxelas, e tendo em conta as experiências passadas, ajuda ao sucesso das presidências belgas ou por vezes até complica um pouco?
A meu ver, é uma vantagem: estamos em ligação direta com o que se passa na rotunda Schuman, o contacto direto é materialmente mais fácil. Inclusive fora da UE: uma figura política que visita Bruxelas pode facilmente combinar as instituições europeias e a “presidência belga”. Mas, fundamentalmente, o desafio é o mesmo para qualquer presidência; a experiência ensinou-nos que qualquer presidência representa uma enorme responsabilidade para o país que a lidera, e o sucesso das negociações nunca está garantido até à decisão final. A Europa é um tecido complexo, constantemente reelaborado e que exige a constante formação de compromissos. É aqui, sem dúvida, que reside o trunfo da Presidência belga: a vida política da Bélgica baseia-se na procura de compromisso. Este é o nosso ADN: nos nossos governos de coligação, tudo é objeto de negociações intragovernamentais... exatamente como nas instituições europeias.

O espírito europeísta continua forte entre os belgas, afinal estamos a falar de um dos seis países fundadores da então CEE em 1957?
O espírito europeu continua muito forte no país. Para a Bélgica, o campo de batalha histórico da Europa, o principal dividendo da União é a garantia da paz. Não nos podemos esquecer deste elemento. Durante a geração dos meus avós, a nossa pequena aldeia foi ocupada duas vezes, durante a geração dos meus pais, apenas uma vez, e nunca durante a minha vida: a cooperação amigável substituiu o confronto armado. A pax europeana representa praticamente 80 anos de ausência de conflito entre os Estados-membros. Um tesouro inestimável! Além disso, para um pequeno país aberto como a Bélgica, é uma oportunidade para enfrentarmos juntos desafios que são geridos de forma mais eficaz numa escala maior, como vimos com a covid. Para a história… esta é a 13.ª presidência do Conselho pela Bélgica, que assumiu a primeira presidência europeia. A razão? O nome do país começa com B, e a sequência foi determinada por… ordem alfabética.

Pequeno país, como vê a Bélgica o debate para que na UE o processo de decisão possa vir a ser por maioria e não por consenso?
A Bélgica é a favor do alargamento da votação por maioria qualificada, de modo a evitar o risco de bloqueios. Isto poderia ser possível com mecanismos que permitissem aos Estados opostos a uma decisão fazer valer interesses vitais; é neste difícil compromisso que teremos de avançar. Nota-se, no entanto, que é sobretudo o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que lidera o exercício em torno da reforma da União Europeia. A Bélgica irá apoiá-lo nesta tarefa. Se me permitem uma observação contextual: para os países “pequenos”, a UE permite-lhes participar na tomada de decisões - certamente de acordo com o seu peso relativo - mas é essencialmente a existência da União que lhes permite fazer parte dos debates e das decisões que têm implicações diretas para eles e para os seus habitantes... isto, em vez de terem de se adaptar apenas aos caminhos escolhidos pelos grandes países. Nomeadamente, no domínio monetário, com o euro. Isto também é a Europa!

Existe alguma área em que Bélgica e Portugal cooperem mais estreitamente a nível europeu?
Os nossos dois países estão geralmente muito próximos nas suas posições europeias; gostaria, no entanto, de realçar, em termos de relações externas da União, o facto de a Bélgica e de Portugal salientarem constantemente na agenda europeia a atenção prestada às nossas relações com o continente africano. Logicamente, esta é uma das prioridades da atual presidência. Neste contexto, a voz de Portugal, com a sua experiência africana e a tradição como “construtor de pontes” internacional, será de grande importância.

Os belgas vão a votos em junho, não só para eleger os seus representantes no Parlamento Europeu mas também para escolher o governo. Os temas europeus costumam estar presentes na luta política belga?
Na verdade, os eleitores belgas elegerão os seus deputados regionais, nacionais e europeus; tradicionalmente, as questões europeias são pouco debatidas na campanha. Tal como dificilmente são debatidas fora da campanha : por um lado, a União Europeia é óbvia e, por outro lado, as posições da Bélgica nas cimeiras internacionais (e particularmente da União) são objeto de consulta interna prévia, onde as sensibilidades das diferentes famílias políticas que participam no governo estão representadas. Por esta razão, as posições belgas nos círculos europeus refletem automaticamente um amplo consenso político, para além do profundo compromisso europeu do país. Aliás, é isso que encontramos no programa da presidência belga. E, voltando às eleições do próximo mês de junho, recentemente, as eleições europeias coincidiram com eleições a outros níveis de poder (regional, nacional), onde há, por definição, um consenso significativamente menor entre as famílias políticas; logicamente são estes temas mais controversos que prevalecem no debate eleitoral. Na Bélgica, a faixa etária entre os 16 e os 18 anos terá a oportunidade de votar nas eleições europeias pela primeira vez; espero que muitos deles o façam. A questão europeia é de importância crucial, especialmente para eles, porque a Europa já desempenha um papel capital nas suas vidas e é decisiva para o seu futuro. Votar é escolher… mas também é agir!

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