Papa pede fim da "espiral de violência" diante de um milhão de fiéis em Kinshasa

Francisco esteve reunido com vítimas das "atrocidades cruéis" do conflito no leste da RD Congo. Amanhã segue para o Sudão do Sul.

O Papa Francisco apelou ontem a "romper a espiral de violência" e a "desmantelar os enredos do ódio" numa missa para mais de um milhão de pessoas no aeroporto de Kinshasa - a segunda maior do seu pontificado, apenas superada por uma que celebrou nas Filipinas, em 2015. No segundo dia da viagem apostólica à República Democrática do Congo, foi em lingala, uma das quatro línguas oficiais do país, que o líder da Igreja Católica começou por pedir paz e fraternidade: "Bondeko, boboto". Mais tarde, ouviu as vítimas da violência no leste do país, que devido precisamente à guerra, não pôde visitar.

"Irmãos, irmãs, somos chamados a ser missionários de paz, e isto nos encherá de paz. Trata-se de uma opção: é dar espaço a todos no coração, é acreditar que as diferenças étnicas, regionais, sociais, religiosas e culturais vêm em segundo lugar e não são obstáculo; que os outros são irmãos e irmãs, membros da mesma comunidade humana; que cada um é destinatário da paz trazida ao mundo por Jesus", disse Francisco na homilia, onde falou das "feridas" do povo e do país, que "ardem, continuamente infetadas pelo ódio e a violência".

O Papa, que discursou em italiano (as palavras foram traduzidas para francês), apelou a depor as armas e a abraçar a misericórdia, enumerando as três fontes que servem para alimentar a paz: o perdão, a comunidade e a missão. "A paz esteja convosco: deixemos que ressoem no coração, em silêncio, estas palavras de nosso Senhor. Ouçamo-las dirigidas a nós e escolhamos ser testemunhas de perdão, protagonistas na comunidade, pessoas em missão de paz no mundo", referiu.

Mais de um milhão de fiéis foram até ao aeroporto de Kinshasa para assistir à missa, segundo os organizadores, tendo sido declarado feriado no país. Estima-se que cerca de 40% dos cem milhões de habitantes da República Democrática do Congo, uma antiga colónia belga, sejam católicos - é o país com mais católicos em África. Muitos dos que estiveram presentes na missa logo de manhã, tinham começado a chegar ainda na noite anterior. "Como o nosso país tem muitos problemas, é reconciliação que procuramos e o Papa irá dar uma mensagem para que os países à nossa volta nos deixem em paz", disse um dos presentes à AFP, ainda antes do nascer do dia.

À tarde, o Papa ouviu as vítimas da violência que alastra no leste do país, onde mais de uma centena de grupos armados estão ativos. Os planos iniciais da viagem, marcada para julho do ano passado, mas adiada devido aos problemas de saúde de Francisco, incluíam uma passagem por Goma. O Papa não viajou até à região, mas esteve com as vítimas em Kinshasa, condenando as "atrocidades cruéis, que desonram a Humanidade" e apontando o dedo à "exploração sangrenta e ilegal da riqueza" do país.

Francisco ouviu um jovem de 16 anos contar como viu o pai ser esquartejado e a mãe raptada e outra vítima dizer que foi mantida como escrava sexual durante três meses e obrigada a comer a carne dos homens mortos. O Papa mostrou-se chocado com a violência "desumana" e disse-lhes: "as vossas lágrimas são as minhas lágrimas".

Hoje, no seu terceiro dia em Kinshasa, Francisco tem marcado um encontro com jovens e catequistas no Estádio dos Mártires, um encontro-oração com sacerdotes, diáconos e outros religiosos na Catedral de Nossa Senhora do Congo e outro com jesuítas. Amanhã, após as despedidas, segue com uma nova mensagem de paz para o Sudão do Sul.

susana.f.salvador@dn.pt

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