Papa Francisco recebido em Díli com vivas e cânticos dos timorenses
ANDREW KUTAN / AFP

Papa Francisco recebido em Díli com vivas e cânticos dos timorenses

Milhares de fiéis saudaram o Papa que, após a saída do aeroporto, desfilou num carro aberto pelas ruas da capital de Timor-Leste.
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O Papa Francisco entrou esta segunda-feira na cidade de Díli sorridente, saudando e benzendo os milhares de fiéis que quase tocaram o veículo branco de caixa aberta que transporta o chefe de Estado do Vaticano.

"Está ali o Francisco", gritou uma criança que se lançou para a Avenida Presidente Nicolau Lobato, ao mesmo tempo que passava o chefe de Estado do Vaticano.

Os cânticos e orações que se ouviram nas últimas horas transformaram-se numa enorme ovação por parte dos populares, muitos membros da igreja católica de Timor-Leste, assim como dos inúmeros grupos que vestiam os trajes tradicionais dos vários municípios do país. 

Durante as últimas cinco horas milhares de fiéis foram-se juntando no único acesso ao aeroporto Internacional Presidente Nicolau Lobato, esperando o Papa junto à estrada com bandeiras do Vaticano e da República Democrática de Timor Leste. 

"É muita emoção para mim e para Timor-Leste, viva o Papa Francisco, viva Timor-Leste", disse à Lusa uma mulher de Liquiçá (oeste de Díli) que estava na primeira fila da receção popular.

Devido ao número crescente na estrada junto à rotunda do aeroporto, as forças de segurança enviaram para o local mais elementos da polícia e das Falintil - Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).

Apesar do elevado número de pessoas, a entrada do Papa na cidade decorreu sem incidentes.

Francisco entrou na capital timorense às 15:15 (07:15 em Lisboa) e após a passagem de mais de trinta veículos e um autocarro de transporte de passageiros que faziam parte da comitiva.

O avião que transportou o Papa Francisco aterrou hoje no aeroporto internacional de Díli, capital de Timor-Leste, às 14:20 locais (06:20 de Lisboa), para uma visita de três dias, que termina na quarta-feira.

O Papa iniciou em 3 de setembro uma viagem pela região na Indonésia, onde permaneceu até sexta-feira, tendo seguido depois para a Papua Nova Guiné.

A estada em Díli tem início com uma cerimónia de boas-vindas no Palácio Presidencial e um encontro com autoridades, corpo diplomático e sociedade civil, onde fará o seu primeiro discurso em território timorense.

O ponto alto da visita de Francisco a Timor-Leste, onde 98% da população é católica, vai ser uma missa, a realizar na terça-feira em Tasi Tolu, a cerca de 10 quilómetros a oeste da capital, com a presença de milhares de timorenses.

Vítimas de abusos sexuais na Oceânia pedem indemnização ao Papa

Os sobreviventes de abusos sexuais perpetrados no seio da Igreja Católica na Oceânia pediram esta segunda-feira numa carta aberta ao Papa Francisco, uma compensação pelo "sofrimento" causado por estes crimes.

"Além das desculpas públicas da sua parte e da parte de alguns bispos de todo o mundo, ainda não houve reparação para as vítimas, nem sequer desculpas pessoais", lê-se na carta enviada hoje pela Rede de Sobreviventes de Abuso Sacerdotal (SNAP), na Nova Zelândia.

"Eles e as suas famílias continuam a sofrer", afirmam na carta, na qual pedem ao Papa Francisco que ordene às suas dioceses e ao Vaticano que compensem as vítimas e as suas famílias para tornar "a sua Igreja mais justa e as suas palavras mais credíveis do que o simples pedido de desculpas".

O SNAP recordou na carta que a Igreja Católica permitiu durante décadas que muitos pedófilos fossem transferidos da Nova Zelândia, Austrália e Grã-Bretanha para países pobres e vulneráveis da região.

Em países como Timor-Leste, Papua Nova Guiné, Fiji, Kiribati e Samoa, estes padres, irmãos e missionários "continuaram a abusar de crianças indefesas e inocentes", como foi demonstrado em documentos judiciais, investigações estatais e queixas jornalísticas, segundo o SNAP.

O abuso sexual dentro da Igreja Católica não foi amplamente documentado na Oceânia, com exceção da Austrália e da Nova Zelândia, onde foram realizadas extensas investigações e os seus governos ou instituições religiosas ordenaram ou estão em processo de indemnização de milhares de vítimas.

A investigação oficial sobre os abusos sexuais nas instituições australianas, juntamente com as denúncias jornalísticas, menciona ou documenta as transferências de padres pedófilos para locais remotos na Papua Nova Guiné e nas Ilhas Salomão, embora não haja uma contagem oficial destes crimes.

Além disso, a Conferência dos Bispos da Papua Nova Guiné e das Ilhas Salomão tem trabalhado desde a década de 1990 na implementação de políticas para abordar o abuso sexual dentro da Igreja Católica, mas ainda não existem números oficiais nem as vítimas foram indemnizadas.

Em Timor-Leste, a visita do Papa está a ser ensombrada pelo escândalo em torno do bispo e co-laureado do Prémio Nobel da Paz de 1996, Carlos Felipe Ximenes Belo, que perpetrou alegados abusos sexuais contra menores há quatro décadas.

Francisco exorta timorenses à construção do Estado e a apostarem na Educação

O Papa Francisco exortou os timorenses a prosseguirem a construção e consolidação do Estado para servirem os timorenses e a apostarem na educação dos jovens, que representam a maioria da população do país.

"Exorto-vos a prosseguirem com renovada confiança na sábia construção e consolidação das instituições" da República, para que "estejam completamente aptas a servir o povo de Timor-Leste" e para que os "cidadãos se sintam efetivamente representados", afirmou Francisco, na primeira declaração pública em Díli, na Presidência timorense.

"Que a fé que vos iluminou e susteve no passado continue a inspirar o vosso presente e o vosso futuro. 'Que a vossa fé seja a vossa cultura', isto é, que inspire critérios, projetos e escolhas segundo o Evangelho", disse o Papa, referindo-se ao tema da sua visita ao país e a lembrar que agora Timor-Leste tem um "novo horizonte, com céu limpo, mas com novos desafios a enfrentar e novos problemas a resolver".

No "meio de tantas questões atuais", Francisco destacou o fenómeno da "emigração, que é sempre indicador de uma valorização insuficiente ou inadequada dos recursos, bem como da dificuldade de oferecer a todos um emprego que produza lucro equitativo e garanta às famílias um rendimento que corresponda às suas necessidades básicas".

O Sumo Pontífice falou também da pobreza e da necessidade de uma "ação de longo alcance, envolvendo distintas responsabilidades e múltiplas forças civis, religiosas e sociais, para remediar e oferecer alternativas viáveis à emigração".

"Penso naquelas que podem ser consideradas as chagas sociais, como o excessivo consumo de álcool entre jovens e a formação de bandos que, munidos dos seus conhecimentos de artes marciais, em vez de os utilizarem ao serviço dos indefesos, utilizam-nos como ocasião para mostrar o poder efémero e nocivo da violência", afirmou.

As autoridades timorenses suspenderam desde o ano passado a prática de artes marciais, associada ao aumento da violência no país.

"Não esqueçamos também muitas crianças e adolescentes feridos na sua dignidade: todos somos chamados a agir de forma responsável para evitar qualquer tipo e garantir que as nossas crianças cresçam tranquilamente", disse.

"Para a solução destes problemas, bem como para uma melhorada gestão dos recursos naturais do país é indispensável preparar adequadamente, com uma formação apropriada, aqueles que serão chamados para a classe dirigente do país num futuro não muito distante", salientou o Papa.

Apesar dos problemas, Francisco pediu aos timorenses para serem confiantes e a manterem um "olhar cheio de esperança em relação ao futuro".

O Papa destacou que 65% dos 1,3 milhões de timorenses têm menos de 30 anos e que o "primeiro campo a investir é na educação, na família e na escola".

"Uma educação que coloque as crianças e os jovens no centro e promova a sua dignidade", disse, sublinhando que o entusiasmo dos mais novos, juntamente com a sabedoria dos mais velhos, forma uma "combinação providencial de conhecimento".

No discurso, aplaudido de pé pelas pessoas que assistiam à cerimónia, o Papa recordou também os "anos de calvário" dos timorenses e a forma como souberam reerguer-se, louvando o "esforço assíduo para alcançarem uma plena reconciliação" com a Indonésia, país que ocupou Timor-Leste durante 24 anos.

Ramos-Horta afirma que visita acontece em "momento crucial" para "futuro coletivo"

O Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, afirmou que a visita do Papa Francisco ao país acontece num "momento crucial" para o "futuro coletivo" e que traz uma "mensagem de paz" e de "reconciliação".

"A visita de Sua Santidade acontece num momento crucial para o nosso futuro coletivo, não apenas no nosso país, mas também a nível global. Traz uma mensagem de paz, reconciliação, fraternidade humana e esperança, tão necessária num mundo cada vez mais conturbado em que a frieza dos corações substituiu o diálogo e a paz", afirmou o chefe de Estado timorense.

José Ramos-Horta discursava na Presidência timorense, onde o Papa Francisco realizou o primeiro ato oficial da sua visita, numa cerimónia que contou com a presença das autoridades, membros da igreja, sociedade civil e corpo diplomático.

"Que a mensagem de Sua Santidade toque os corações dos homens, especialmente daqueles líderes mundiais e regionais, com grandes responsabilidades para a nossa segurança", disse o também prémio Nobel da Paz.

José Ramos-Horta lamentou as vítimas dos conflitos armados, nomeadamente na Ucrânia, Palestina, Sudão, Iémen, Síria, República Democrática do Congo, Myanmar e na península coreana, que são quem mais sofre sobre com a "desarmonia global".

No discurso, o Presidente timorense destacou que a "histórica" visita de Francisco ocorre num ano "particularmente significativo" para os timorenses e Timor-Leste.

"Assinalamos várias importantes efemérides que marcam a trajetória de Timor-Leste", disse, recordando que este ano se celebraram os 25 anos da realização do referendo, que permitiu a restauração da independência, e que para a semana se assinala os 25 anos da aprovação da Interfet pelo Conselho de Segurança da ONU.

José Ramos-Horta recordou também os 50 anos de 25 de abril de 1974, uma "revolução humanista que franqueou as portas para a paz e a democracia em Portugal e em todos os territórios coloniais portugueses", e lembrou que no próximo 12 de outubro se assinalam 35 anos sobre a primeira visita de um Papa ao país.

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