Ursula von der Leyen fez há poucos dias o seu segundo discurso do estado da União, um elencar dos principais compromissos políticos da presidente da Comissão Europeia para os próximos anos. Foi um discurso "motivacional", "pela alma da Europa", traduzido no acrónimo do novo programa europeu, dedicado aos jovens trabalhadores, sublinha Paulo Sande, especialista em assuntos europeus. "Um bom discurso", mas uma "espécie de compromisso dos compromissos", que "tenta encontrar uma solução para inúmeras questões que são complicadas e que só se resolvem com cedências, com compromissos"..O que diz a mensagem de Von der Leyen em concreto a Portugal? Para Paulo Sande, o país deve "tirar ilações das várias dimensões do discurso", nomeadamente da "ideia, que fica muito reforçada, dos dois eixos fundamentais da recuperação": "Isso é muito importante porque Portugal tem que ser capaz de transformar isso num investimento e em resultados: o digital, por um lado, e o ambiente, as alterações climáticas, por outro.".Um segundo eixo é o do acento posto pela presidente da Comissão Europeia no combate às desigualdades": a "ideia de que a Europa, para crescer, tem que ser solidária interessa a Portugal, como interessa muito aos países do Sul, pois esse é um grande teste" aos valores europeus. É neste eixo que Paulo Sande entronca o Plano de Recuperação e Resiliência, um instrumento vital para perseguir esse objetivo: "Esperemos que Portugal não fique para o fim.".Margarida Marques, antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus e atual eurodeputada socialista, faz questão de frisar que o "debate sobre o estado da União não é um ritual, é um compromisso político". "Gostei dos compromissos políticos assumidos pela presidente da Comissão Europeia: o reforço do papel da União no mundo, a coesão, a união para a saúde, a economia verde e inovadora, a justiça fiscal, a igualdade de género, a orientação para os jovens, designadamente com a criação do Ano Europeu de Juventude em 2022. Agora, há que aguardar as iniciativas políticas e legislativas da Comissão que assegurem o respeito por estes compromissos políticos. O compromisso é importante, mas não chega.".Para Margarida Marques, de um ponto de vista nacional, "podemos olhar de uma perspetiva positiva" para o discurso de Ursula von der Leyen: "Não são questões especificamente orientadas para Portugal, mas Portugal tem interesse no reforço da política de coesão, na criação de emprego, na revisão das regras de governação económica - são políticas que têm um impacto enorme em Portugal." Outro pilar particularmente importante para o contexto nacional, defende Margarida Marques, passa pelo foco na orientação das políticas europeias para os mais jovens..Uma das notas mais salientes do discurso do estado da União, proferido na quarta-feira perante o Parlamento Europeu, foi a necessidade de a Europa apostar na dimensão da defesa. "É tempo de a Europa avançar para o nível seguinte", defendeu a líder da Comissão Europeia, antiga ministra da Defesa alemã..Paulo Sande sublinha que o foco neste tema não é uma novidade no discurso de Ursula von der Leyen, mas acrescenta que a dirigente europeia deu agora um passo mais à frente. Faz uma análise "que é interessante, não se limita a dizer que é necessária uma união europeia da defesa" - isso "já se disse muitas vezes, há já algum tempo que a própria Comissão diz que é preciso votar por maioria e não por unanimidade as matérias da defesa". Ou seja, "de alguma forma, ela já punha as condições para que fosse possível à Europa ter essa capacidade".."Onde ela vai um bocadinho mais longe", precisa Paulo Sande, é ao "dizer que o que nos falta não são recursos, capacidade, o que falta é vontade política. Fala na Cimeira Europeia de Defesa, que vai ter lugar durante a presidência francesa, e também não é por acaso, é interessante até que ponto isto não é coordenado com o presidente francês"..Também este é um capítulo com interesse para Portugal. "O que é que temos a ganhar numa união europeia da defesa? Para já, ela está intimamente ligada à política externa, e a política externa sem defesa... Não vale a pena a Europa querer ser relevante no mundo se não tiver, reconhecida pelos outros, capacidade em termos de segurança, não é possível", sublinha Sande. "Portugal tem muito interesse nisso, continua a ter interesses específicos em regiões do mundo onde temos uma tradição, laços fortes, os CPLP sobretudo. É importante que Portugal faça parte dessa primeira linha. Como é importante que faça parte da primeira linha, por exemplo, do desenvolvimento de uma capacidade competitiva europeia, que é um discurso que vem de trás, e do qual Portugal não se pode excluir"..António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, tem uma perspetiva diferente sobre o caminho defendido por Ursula von der Leyen para a defesa, sublinhando que Portugal deve ter muita cautela em relação a qualquer estratégia que possa resultar num enfraquecimento da NATO..O antigo embaixador português junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte sublinha que "não existe, por enquanto, nenhuma defesa europeia, existe uma política de defesa. E existe o pilar europeu da NATO, que não é apenas a União Europeia, inclui também o Reino Unido".."Criar uma defesa europeia que possa um dia substituir a NATO só faz sentido se conseguir oferecer a Portugal a mesma capacidade de segurança e dissuasão que oferece neste momento a Aliança Atlântica", sublinha Martins da Cruz, que, no entanto, se mostra cético com este cenário: "Ainda na presidência Obama os países aliados comprometeram-se a despender 2% do seu PIB na defesa, mas quase nenhum país da União Europeia lá chega. Estar neste momento a duplicar os meios significa que vamos gastar mais dinheiro na criação de meios militares europeus quando ainda nem sequer gastámos aquilo que deveríamos gastar na NATO". "A não ser que os meios militares sejam os mesmos", acrescenta, "mas isso é o pilar europeu da NATO"..Neste contexto, o antigo ministro e embaixador junto da NATO adverte: "Já se percebeu que quanto mais avançar a defesa europeia, menor é o interesse dos Estados Unidos no Atlântico Norte e na Europa. E isso é a pior situação para Portugal como país atlântico.".susete.francisco@dn.pt
Ursula von der Leyen fez há poucos dias o seu segundo discurso do estado da União, um elencar dos principais compromissos políticos da presidente da Comissão Europeia para os próximos anos. Foi um discurso "motivacional", "pela alma da Europa", traduzido no acrónimo do novo programa europeu, dedicado aos jovens trabalhadores, sublinha Paulo Sande, especialista em assuntos europeus. "Um bom discurso", mas uma "espécie de compromisso dos compromissos", que "tenta encontrar uma solução para inúmeras questões que são complicadas e que só se resolvem com cedências, com compromissos"..O que diz a mensagem de Von der Leyen em concreto a Portugal? Para Paulo Sande, o país deve "tirar ilações das várias dimensões do discurso", nomeadamente da "ideia, que fica muito reforçada, dos dois eixos fundamentais da recuperação": "Isso é muito importante porque Portugal tem que ser capaz de transformar isso num investimento e em resultados: o digital, por um lado, e o ambiente, as alterações climáticas, por outro.".Um segundo eixo é o do acento posto pela presidente da Comissão Europeia no combate às desigualdades": a "ideia de que a Europa, para crescer, tem que ser solidária interessa a Portugal, como interessa muito aos países do Sul, pois esse é um grande teste" aos valores europeus. É neste eixo que Paulo Sande entronca o Plano de Recuperação e Resiliência, um instrumento vital para perseguir esse objetivo: "Esperemos que Portugal não fique para o fim.".Margarida Marques, antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus e atual eurodeputada socialista, faz questão de frisar que o "debate sobre o estado da União não é um ritual, é um compromisso político". "Gostei dos compromissos políticos assumidos pela presidente da Comissão Europeia: o reforço do papel da União no mundo, a coesão, a união para a saúde, a economia verde e inovadora, a justiça fiscal, a igualdade de género, a orientação para os jovens, designadamente com a criação do Ano Europeu de Juventude em 2022. Agora, há que aguardar as iniciativas políticas e legislativas da Comissão que assegurem o respeito por estes compromissos políticos. O compromisso é importante, mas não chega.".Para Margarida Marques, de um ponto de vista nacional, "podemos olhar de uma perspetiva positiva" para o discurso de Ursula von der Leyen: "Não são questões especificamente orientadas para Portugal, mas Portugal tem interesse no reforço da política de coesão, na criação de emprego, na revisão das regras de governação económica - são políticas que têm um impacto enorme em Portugal." Outro pilar particularmente importante para o contexto nacional, defende Margarida Marques, passa pelo foco na orientação das políticas europeias para os mais jovens..Uma das notas mais salientes do discurso do estado da União, proferido na quarta-feira perante o Parlamento Europeu, foi a necessidade de a Europa apostar na dimensão da defesa. "É tempo de a Europa avançar para o nível seguinte", defendeu a líder da Comissão Europeia, antiga ministra da Defesa alemã..Paulo Sande sublinha que o foco neste tema não é uma novidade no discurso de Ursula von der Leyen, mas acrescenta que a dirigente europeia deu agora um passo mais à frente. Faz uma análise "que é interessante, não se limita a dizer que é necessária uma união europeia da defesa" - isso "já se disse muitas vezes, há já algum tempo que a própria Comissão diz que é preciso votar por maioria e não por unanimidade as matérias da defesa". Ou seja, "de alguma forma, ela já punha as condições para que fosse possível à Europa ter essa capacidade".."Onde ela vai um bocadinho mais longe", precisa Paulo Sande, é ao "dizer que o que nos falta não são recursos, capacidade, o que falta é vontade política. Fala na Cimeira Europeia de Defesa, que vai ter lugar durante a presidência francesa, e também não é por acaso, é interessante até que ponto isto não é coordenado com o presidente francês"..Também este é um capítulo com interesse para Portugal. "O que é que temos a ganhar numa união europeia da defesa? Para já, ela está intimamente ligada à política externa, e a política externa sem defesa... Não vale a pena a Europa querer ser relevante no mundo se não tiver, reconhecida pelos outros, capacidade em termos de segurança, não é possível", sublinha Sande. "Portugal tem muito interesse nisso, continua a ter interesses específicos em regiões do mundo onde temos uma tradição, laços fortes, os CPLP sobretudo. É importante que Portugal faça parte dessa primeira linha. Como é importante que faça parte da primeira linha, por exemplo, do desenvolvimento de uma capacidade competitiva europeia, que é um discurso que vem de trás, e do qual Portugal não se pode excluir"..António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, tem uma perspetiva diferente sobre o caminho defendido por Ursula von der Leyen para a defesa, sublinhando que Portugal deve ter muita cautela em relação a qualquer estratégia que possa resultar num enfraquecimento da NATO..O antigo embaixador português junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte sublinha que "não existe, por enquanto, nenhuma defesa europeia, existe uma política de defesa. E existe o pilar europeu da NATO, que não é apenas a União Europeia, inclui também o Reino Unido".."Criar uma defesa europeia que possa um dia substituir a NATO só faz sentido se conseguir oferecer a Portugal a mesma capacidade de segurança e dissuasão que oferece neste momento a Aliança Atlântica", sublinha Martins da Cruz, que, no entanto, se mostra cético com este cenário: "Ainda na presidência Obama os países aliados comprometeram-se a despender 2% do seu PIB na defesa, mas quase nenhum país da União Europeia lá chega. Estar neste momento a duplicar os meios significa que vamos gastar mais dinheiro na criação de meios militares europeus quando ainda nem sequer gastámos aquilo que deveríamos gastar na NATO". "A não ser que os meios militares sejam os mesmos", acrescenta, "mas isso é o pilar europeu da NATO"..Neste contexto, o antigo ministro e embaixador junto da NATO adverte: "Já se percebeu que quanto mais avançar a defesa europeia, menor é o interesse dos Estados Unidos no Atlântico Norte e na Europa. E isso é a pior situação para Portugal como país atlântico.".susete.francisco@dn.pt