Soldados e polícias tomaram o controlo da prisão de Esmeraldas no domingo, onde os reclusos mantinham guardas prisionais e funcionários sob sequestro.  EPA/FORÇAS ARMADAS DO EQUADOR
Soldados e polícias tomaram o controlo da prisão de Esmeraldas no domingo, onde os reclusos mantinham guardas prisionais e funcionários sob sequestro.  EPA/FORÇAS ARMADAS DO EQUADOR

Operação contra bandos de narcotráfico antecedeu caos no Equador

Semanas antes de o país mergulhar no caos, com motins nas prisões, líderes criminosos em fuga e o cerco a uma estação de TV, a procuradora-geral lançou uma grande operação com o objetivo de erradicar a corrupção nos mais altos níveis do governo.
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A investigação denominada Operação Metastasis levou a buscas em todo o Equador e a mais de 30 detenções. Entre os acusados estavam juízes suspeitos de conceder decisões favoráveis a líderes de gangues, agentes da polícia que teriam alterado provas e entregado armas nas prisões e o próprio ex-diretor dos serviços prisionais, acusado de dar tratamento especial a um poderoso traficante de droga. Foram implicados em conversas de texto e registos de chamadas recuperados de telemóveis pertencentes ao narcotraficante, que foi morto enquanto estava preso.

Quando a procuradora-geral, Diana Salazar, anunciou as acusações no mês passado, disse que a investigação tinha revelado a disseminação de grupos criminosos através das instituições do Equador. E também alertou para uma possível “escalada de violência” e que o poder executivo havia sido colocado em alerta.

A sua previsão cumpriu-se.

Entrevistas com especialistas em segurança e fontes dos serviços secretos revelam o que terá desencadeado a violência no Equador, que foi tão intensa que levou o presidente, Daniel Noboa, a declarar guerra aos bandos e a decretar o estado de emergência. A investigação da procuradora-geral desempenhou um papel fundamental, de acordo com as entrevistas.

“A Metastasis é onde tudo começa”, disse Mario Pazmiño, coronel reformado e ex-diretor dos serviços secretos do exército equatoriano, hoje analista independente em matéria de segurança. “As rusgas pressionaram Noboa, que assumiu o cargo em novembro e prometeu reprimir os bandos e limpar o sistema prisional, a tomar medidas concretas”, disse Pazmiño.

O presidente garantiu a realização de grandes mudanças. Embora não tenha dito publicamente quais eram, as autoridades disseram que estas incluíam a transferência de vários poderosos chefes das quadrilhas para uma instalação de segurança máxima conhecida como La Roca, em Guayaquil, uma importante cidade costeira.

No entanto, os chefes dos bandos tomaram conhecimento do plano antes que a transferência pudesse ocorrer, provavelmente através de uma fuga de informação do governo, disseram as autoridades. E no dia 7 Adolfo Macías - que comanda os Choneros e é considerado o mais poderoso líder de um grupo criminoso no Equador - desapareceu da sua cela.

Enquanto os presos entravam em confronto com os guardas nas prisões de todo o país, outro chefe de um bando, Fabricio Colón Pico, que lidera o Los Lobos, fugiu na terça-feira de uma prisão perto da cidade de Riobamba.

Especialistas afirmam que os cabecilhas quiseram evitar La Roca porque a segurança seria mais apertada e era provável que perdessem o acesso a aparelhos eletrónicos, como telemóveis. Os líderes também temiam que, se fossem alojados junto dos seus rivais em La Roca, poderiam ser mortos. “A vida de cada um deles estaria em perigo”, disse Pazmiño. “Esse foi o ponto de rutura.”

Em resposta à transferência planeada, os especialistas vincam que os chefes provavelmente ordenaram aos membros dos gangues - de dentro das prisões, que servem como centros de comando - que reagissem. E assim, na terça-feira, os equatorianos presenciaram uma violência inédita em anos anteriores - mesmo com a guerra entre bandos a agitar o país outrora pacífico. Em várias prisões, os reclusos fizeram os guardas e os funcionários reféns. Um vídeo divulgado nas redes sociais mostrava guardas a serem mantidos sob a ameaça de uma faca.

Em cidades e vilas foram raptados agentes da polícia, incendiados carros e detonados explosivos. Guayaquil foi a cidade onde se registou a maior violência, com homens armados a invadirem não só o estúdio da rede TC Televisión durante uma emissão, mas também vários hospitais, e a abrirem fogo perto de pelo menos uma escola. Segundo as autoridades, o caos causou a morte de pelo menos 11 pessoas, a maioria delas em Guayaquil, e cerca de 200 funcionários da prisão foram feitos reféns.

As revelações da procuradora-geral - e o subsequente plano de Noboa para transferir os chefes dos bandos - provocaram uma fúria desmedida. “A Operação Metastasis é como chutar um vespeiro”, disse Gustavo Flores-Macías, professor de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Cornell, especializado em América Latina.

Antes da operação, os líderes dos bandos pareciam ter atingido um estado de “equilíbrio”, disse ele, no qual sentiam que podiam gerir as suas lucrativas redes criminosas mesmo atrás das grades, com a cooperação das autoridades. “Digamos que as quadrilhas atuam sob um nível de impunidade, e digamos que elas estão bastante satisfeitas com isso”, argumenta Flores-Macías. “O que a Metastasis está a fazer é perturbar o equilíbrio existente e que lhes permite agir como habitualmente. Portanto, há uma reação neste submundo do crime que se traduz em operações bastante violentas e espetaculares.”

A violência desencadeada pelos bandos foi enfrentada pela força. Na tarde de terça-feira, Noboa tomou a medida extraordinária de declarar um conflito armado interno, lançando as Forças Armadas contra as duas dúzias de gangues do país. Nos primeiros dias após a declaração, as autoridades afirmaram que a polícia e as Forças Armadas tinham matado cinco pessoas envolvidas na violência relacionada com os bandos e haviam detido mais de 850.

Os dois chefes dos bandos, Macías e Colón, continuam a monte. Colón, que tinha sido preso uma semana antes de fugir e que Salazar acusou de conspirar para a matar, publicou um vídeo na quinta-feira no X. Vestindo uma parca e um gorro, afirmou ter fugido porque acreditava que seria morto se continuasse detido. Disse ao presidente que se entregaria se a sua segurança pudesse ser garantida. Numa entrevista radiofónica, Noboa afirmou que não lhe ofereceria tal acordo.

A procuradora-geral Diana Salazar. Fernando Sandoval / Assembleia Nacional do Equador

Salazar, a primeira procuradora-geral negra do Equador, foi nomeada em 2019. No ano seguinte, indiciou o ex-presidente Rafael Correa pela prática de corrupção, tendo recomendado uma pena de oito anos, a pena máxima, após a sua condenação.

A sua última investigação começou após a morte de Leandro Norero, um chefe de um gangue, em 2022. Norero foi o fundador dos Chone Killers e tornou-se num dos mais poderosos chefes do narcotráfico e financeiros do país, estabelecendo ligações com o cartel Jalisco Nueva Generación, no México, informou a procuradora-geral. Norero cumpria pena por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro quando foi morto num massacre na prisão. Na altura da sua morte, segundo funcionários da prisão e especialistas, ele estava a tentar unir bandos rivais num cartel. Salazar explicou que Norero subornava juízes, agentes da polícia, guardas e outros, que o ajudavam e aos seus associados com apartamentos, carros, dinheiro e prostitutas.

Entre as pessoas identificadas pelos registos do telemóvel de Norero encontra-se Pablo Ramírez, o antigo diretor dos serviços prisionais, que é acusado de dar tratamento preferencial a Norero. Ramírez negou ter tido qualquer contacto com Norero. Wilman Terán, presidente do Conselho Judicial do país e ex-magistrado do tribunal superior, também foi acusado. Terán, cujo conselho supervisiona e disciplina juízes e procuradores, negou fazer parte da vasta rede de favores de Norero. O conselho permaneceu ao seu lado, chamando à operação de Salazar uma campanha de difamação.

Na véspera da Operação Metastasis, deputados que se acredita serem simpatizantes de Correa, o antigo presidente, anunciaram um plano para investigar Salazar, alegando que ela tinha sido seletiva nos casos que perseguia. Por volta da mesma altura, Correa publicou uma mensagem na plataforma X avisando de uma operação iminente, uma mensagem que Salazar disse mais tarde ter avisado vários funcionários visados, que escaparam à captura durante as rusgas. 

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.

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