O terror de um homem gay no Afeganistão: "Estou a tentar sobreviver"
Ahmed, nome fictício, dado pela CNN, é o homem que encheu o WhatsApp desta cadeia de televisão e de ativistas dos direitos humanos sobre a sua luta pela sobrevivência num Afeganistão agora liderada pelos Talibã. Aos 32 anos, Ahmed experimentou o terror e o medo. Os dias tornaram-se meses, até que chegou a esperança: uma rota de fuga.
O seu maior medo era que os Talibãs lhe traçassem um destino mortal, como em 1998 já tinham dado ao seu pai: "Eles vão decapitar-me ou matar-me de outra forma brutal", menciona nas mensagens que há mais de um mês, do local onde se encontra escondido com o seu irmão mais velho, envia para ativistas de direitos humanos de todo o mundo, para amigos, amigos de amigos e para vários órgãos de comunicação social.
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A mensagem de Ahmed, que dizia: "Estou a tentar sobreviver", chegou à cadeia de televisão norte-americana CNN, que investigou a sua identidade e história e hoje publica um texto sobre a sua luta pela sobrevivência. Foi esta cadeia que lhe deu o nome de Ahmed, por segurança, para proteger a sua identidade, e que agora conta ao mundo a sua história, porque apesar do terror e do medo que sente, este homem gay, de 32 anos, o afegão nunca desistiu, até que um dia alguém lhe ligou a dizer que havia uma "rota de fuga". A esperança valeu a pena.
Segundo conta a CNN, Ahmed é um homem gay convertido ao cristianismo e membro da minoria étnica Hazara - precisamente um dos grupos perseguido pelos Talibã. Desde que estes assumiram o poder no país em agosto, que Ahmed passou a viver escondido num porão em Cabul com o irmão mais novo. Os dias passaram a ser feitos só com a oração, leitura e apenas com duas aventuras. Uma era a de sair uma vez por dia para comer, a outra a ligação ao mundo real através dos telemóveis, do WhatsApp. Era assim que comunicava. Foi assim que pediu ajuda, enviando mensagens para ativistas, amigos, amigos de amigos e para órgãos de comunicação social. A todos disse o mesmo: "O meu maior medo é o destino mortal. Eles vão-nos decapitar ou matar de outra forma brutal. São mestres nisso", disso ao jornalista da CNN que ele com ele comunica por WhatsApp desde agosto.
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Ao longo das conversas, Ahmed contou que os dias no porão se transformaram em semanas de medo e de isolamento, confessando mesmo que, às vezes, se sentiu tão desesperado que chegou a pensar em suicídio.
Mas, agora, e a salvo, já pode contar como tudo começou e o medo que sentiu assim que percebeu, no início de agosto, que os Talibã iriam assumir o poder no país. Um medo que o fez fugir de imediato da cidade onde vivia, Mazar-i-Sharif, no noroeste do Afeganistão, com o irmão mais novo, de 26 anos, a 12 de agosto, para não ser denunciado por algum vizinho aos Talibã. Viajaram de autocarro até Cabul, onde viveram escondidos.
Ahmed e o irmão fazem parte dos dez a 12 mil cristãos daquele país e que praticam a sua fé em secretismo, já que abandonar o Islão é punível com a morte, de acordo com a interpretação feita pelos Talibã da lei islâmica.
Em julho, um juiz talibã deixou claro qual seria o seu destino ao afirmar publicamente que apenas existiam duas punições para a homossexualidade: ou apedrejamento ou ser esmagado sobre um muro derrubado.
O irmão de Ahmed não é gay, mas é Hazara. Portanto, um e outro sabiam bem o que os esperava se os apanhassem. Ahmed conta que quando saíam à rua tinham de se disfarçar, porque a minoria Hazara tem características específicas do leste asiático que os distingue dos restantes afegãos, pele mais clara e olhos com formato distinto. E usavam sempre roupas tradicionais, um turbante, máscara cirúrgica e óculos escuros.
O medo de Ahmed e do irmão era real. Já o tinham sentido na pele, quando o pai foi morto pelos Talibã, em 1998, durante um massacre na cidade onde viviam, tinha ele nove anos e o irmão de três. E assim que o caos se instalou com a chegada dos Talibã ao poder, este medo fez ressurgir memórias dolorosas, mas não deixou dúvidas. Tinham de fugir. Foi o que fizeram. Ahmed e o irmão perderam a mãe há oito anos, sentiam-se órfãos no mundo e, por isso, quando um dia do final de setembro recebem um telefonema de um ativista a dizer que havia lugar num voo para os fazer seguir para o Paquistão, não hesitaram.
Sentiram um misto de êxtase e de medo. À medida que o dia da partida se aproximava ficavam mais obcecados com a forma como poderiam passar nos postos de controlo dos Talibã sem que fossem reconhecidos como Hazaras. No dia D, vestiram os seus mantos tradicionais e foram para o aeroporto. Hoje estão em Islamabade "cautelosamente otimistas".