O Qatar, apesar do seu papel de mediador, não hesita em acusar Israel de “genocídio” na Faixa de Gaza e de criticar as suas ações no Líbano. A Jordânia tem denunciado as “atrocidades sem precedentes” dos israelitas no enclave palestiniano e reiterado o seu apoio aos libaneses. E a Arábia Saudita avisou para as “perigosas consequências” das últimas ações do governo de Benjamin Netanyahu contra o país dos cedros. Mas, quando o Irão ataca Israel, nenhum destes países árabes se coloca do lado de Teerão. Até porque diz o ditado: “o inimigo do meu inimigo, meu amigo é” e nenhum deles - sunitas - lamentaria o fim do regime iraniano - xiita..O Qatar e a Arábia Saudita são dois países que pertencem ao Conselho de Cooperação do Golfo e que terão, num encontro com oficiais iranianos em Doha, reiterado a sua “neutralidade” no conflito entre Israel e Irão, segundo a Reuters. Em causa está o receio de que possam ser arrastados para o conflito, especialmente se os israelitas resolverem responder ao ataque iraniano de terça-feira atingindo as infraestruturas petrolíferas de Teerão. .“Os países do Golfo acham que é pouco provável que o Irão ataque as suas infraestruturas, mas os iranianos estão a dar dicas de que isso pode acontecer através de fontes não oficiais. É uma ferramenta que os iranianos têm contra a economia norte-americana e global”, disse o comentador saudita Ali Shihabi à agência de notícias. Em 2019, um ataque dos Houthis (parte do “eixo da resistência” liderado pelo Irão) à refinaria saudita de Abqaiq afetou 5% do fornecimento de petróleo global. Esta quinta-feira, a mera referência do presidente dos EUA, Joe Biden, de que estaria a “discutir” com Israel os ataques às infraestruturas petrolíferas iranianas fez disparar o preço do petróleo..Teerão deixou entretanto o aviso através de uma mensagem da sua representação nas Nações Unidas: “Se algum país der assistência ao agressor, será igualmente visto como um cúmplice e um alvo legítimo. Aconselhamos os países a absterem-se de se envolverem no conflito entre o regime israelita e o Irão e a distanciarem-se da luta.”.Um recado que não é só para os EUA. A Jordânia abateu vários mísseis iranianos que tinham como alvo Israel no ataque de terça-feira, tal como já tinha feito no primeiro ataque em abril - a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos também terão partilhado informação secreta sobre os planos de Teerão e muitos países da região têm bases ou sistemas de defesa antiaérea ocidentais e podem ter um papel indireto. Os jordanos alegam que estavam a proteger a sua soberania e que agiam em autodefesa. “A Jordânia não será campo de batalha de ninguém”, defendeu o chefe da diplomacia, Ayman Safadi..A Jordânia tem relações diplomáticas com Israel desde 1994 e, além disso, é um dos principais aliados dos EUA na região. Mas é também a casa de muitos refugiados palestinianos, razão pela qual muitos jordanos não veem com bons olhos a interferência de Amã contra o ataque de Teerão. A necessidade de encontrar um equilíbrio entre aquilo que querem as ruas e o que convém à liderança política é um problema que afeta vários países da região. .Em relação a Israel, o chefe da diplomacia jordano reiterou à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas que os países árabes estariam dispostos “de forma inequívoca” a “garantir a segurança de Israel” se este acabar com a ocupação e permitir a criação de um Estado palestiniano. Desde 2020, Israel tem vindo a assinar os chamados Acordos de Abraão, com o apoio dos EUA, que implicam a normalização das relações com vários países árabes, incluindo os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain. Esperava-se que o próximo acordo pudesse ser assinado com a Arábia Saudita, mas a guerra em Gaza foi um balde de água fria. .O entendimento ainda não foi possível entre sauditas e israelitas, mas no ano passado avançou o reatar das relações entre os primeiros e os iranianos, com a mediação da China. O acordo foi uma forma de reduzir a tensão, que o conflito na região poderá reacender apesar dos esforços de ambos em contrário. “Planeamos fechar o livro do desacordo com o Irão para sempre e desenvolver relações entre nós como dois amigos”, disse ontem o chefe da diplomacia saudita, príncipe Faisal bin Farhan, após reunir com o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian..Se o conflito entre Israel e o Irão se intensificar, os países árabes e do Golfo poderão ver-se forçados a escolher. Uma escolha entre os israelitas (que contam com o apoio inabalável dos EUA), que se torna difícil com a continuação da guerra em Gaza e o aumento do número de mortos palestinianos. “Um Estado palestiniano é um pré-requisito para a paz, e não o seu subproduto”, escreveu Bin Farhan num artigo de opinião no Financial Times na quarta-feira. Ou entre os iranianos, que até agora apostaram no “eixo da resistência” para desestabilizar a região - do Hamas em Gaza ao Hezbollah no Líbano, passando pelos Houthis no Iémen e os rebeldes xiitas no Iraque..Para além de tudo, a região também está divida por questões religiosas. De um lado as monarquias do Golfo de maioria sunita e do outro o Irão, visto como líder da corrente xiita do Islão - uma divisão que remonta há 1400 anos e à decisão sobre quem deveria suceder ao profeta Maomé, mas que só se tornou violenta já no século XX com uma luta pela supremacia política e religiosa. Países com uma mistura de sunitas e xiitas - Iraque, Síria ou Líbano - tornaram-se nos campos de batalha perfeitos..susana.f.salvador@dn.pt