O ministro das Finanças e do hospital Simão Mendes de Bissau
João Fadiá recebe as equipas de jornalistas portugueses no seu gabinete das Finanças, edifício situado em frente do Ministério da Justiça, dois ministérios que não migraram para o Palácio do Governo de Bissau, a construção chinesa que foi alvo de ataque no dia 1 de fevereiro, durante uma reunião do Conselho de Ministros em que participavam o presidente Umaro Sissoco Embaló, e o primeiro-ministro, Nuno Nabiam. Apresenta o secretário de Estado do Tesouro, Ilídio Vieira Té: "É o dono disto tudo", graceja. Tem boas notícias para comentar. A segunda avaliação ao programa de monitorização do Fundo Monetário Internacional é positiva, abrindo as portas a um programa financeiro. "Tudo é prioritário, mas neste momento temos uma atenção especial para o setor social. No orçamento de 2022 os setores da educação e da saúde vão consumir 24% de todos os recursos", diz este antigo alto quadro bancário que pela terceira vez ocupa o cargo de ministro das Finanças. "Desta vez fui ministro à força, nem sequer tinha fato vestido para ir à cerimónia de tomada de posse", conta, entre risos. Mas a realidade é que ficou e empenhou-se em deixar uma herança para os guineenses além do livro de memórias que publicou em outubro, Espelho de uma vida.
É à saúde, e mais em específico ao hospital Simão Mendes - o único nacional e universitário do país - que o ministro mais se dedicou. Está a ser investido o equivalente a 1,5 milhões de euros para dar outras condições a um hospital que estava ao abandono. Por exemplo, nos próximos dias o conjunto de edifícios vai passar a estar ligado por asfalto, deixando o pó na estação seca e a lama na estação das chuvas para o passado. Foi este compromisso que Fadiá levou aos diretores do hospital na visita efetuada na sexta-feira, e que o DN acompanhou.
"A primeira parte da nossa intervenção foi criar condições para melhorar o atendimento das populações", disse. Por exemplo, no serviço de urgências, que recebe uma média diária de 182 utentes, foi criado o chamado armário de medicamentos, onde estes passaram a ser distribuídos gratuitamente sob prescrição. Antes, era comum os familiares dos pacientes terem de ir comprar toda a sorte de produtos às farmácias, inclusive soro, isto para quem podia. "Salvou muita gente. São dados imensuráveis", diz o diretor do hospital, Sílvio Coelho. Também as cirurgias passaram a ser gratuitas. "Houve uma pessoa que morreu porque não tinha dinheiro para pagar a taxa para ser operado à apendicite. Não foi tratado e morreu quatro dias depois. Isso é desumano", comenta o homem que passou a ser conhecido como "o ministro do hospital".
Para Fadiá, de 65 anos, a recuperação do hospital é "uma oportunidade de gerir o que é de todos, não só ao nível da saúde, mas também da educação, que são fundamentais para se viver em condições em sociedade". A Faculdade de Medicina Raúl Diaz Arguelles (em memória de um combatente cubano que, tal como Simão Mendes, lutaram contra o regime colonial português) faz parte desse esforço, embora neste caso a escola seja tutelada em conjunto com a embaixada de Cuba. Além dos professores e médicos cubanos, há também uma delegação de médicos nigerianos em permanência. A estes juntam-se equipas médicas de Portugal, sobretudo da associação Saúde Sabe Tene.
"A pandemia veio mostrar quanto a saúde é importante, mas para ser técnico de saúde é preciso educação. Em 2017, quando o presidente recebeu a missão do FMI, disse "sou pela produção, quero apostar no arroz", ao que o técnico respondeu que é a parte social que segura o crescimento. Tenho isto sempre presente. A contribuição da população tem de ser utilizada em seu benefício e não há melhor que o setor da saúde", considera. Aponta para um edifício e diz: "Era impressionante o estado de abandono do hospital. Em quase ano e meio entre 8% e 10% da população beneficiou de assistência médica gratuita, o que é inédito na Guiné-Bissau", diz enquanto chegamos à parte traseira do hospital. Ouvem-se os abutres, que não longe depenicam na lixeira do descampado entre os edifícios hospitalares e uma mesquita, que está a ser murada. Para quem visita o hospital pela primeira vez causa impacto ver as aves necrófagas, mas perante a debilidade do serviço de recolha de lixo no país não deixa de ser uma solução natural, complementada pelas queimadas e pelas cabras que por ali vagueiam.
Guiada pelo diretor do hospital Sílvio Coelho e pelo diretor clínico Waldir Djaló, a equipa do DN vê como a ONG espanhola AIDA gere os stocks dos medicamentos num armazém novo, ou o bloco operatório da maternidade a realizar uma cesariana, após quase três anos sem funcionar. Antes de ser recuperado, em caso de necessidade, as parturientes tinham de seguir para o bloco operatório geral por um caminho de terra.
A reabilitação passou (e ainda está a passar) pela pintura dos edifícios, pela construção de uma morgue e a reabilitação do departamento de anatomia patológica, e a construção de um centro de manutenção de equipamentos. A empresa do minhoto Manuel Mesquita foi contratada em agosto de 2021 para fazer manutenção de todos os equipamentos hospitalares. "Foi impressionante ver que havia um mar de equipamento considerado inútil por pequenas avarias", comenta Mesquita. A empresa conseguiu recuperar a maioria. E, tão ou mais importante, deu formação aos utilizadores. "Havia equipamentos encaixotados que ninguém sabia utilizar."
A empresa ATB encomendou uma fábrica de oxigénio produzida em Vila do Conde. "Temos uma fábrica que produz 16 garrafas por dia, o que vem agora produz 106", diz o ministro, segundo o qual a dita está no porto de Leixões pronta a embarcar.
A cozinha foi reabilitada e agora é uma empresa que assegura o fornecimento de três refeições por dia aos doentes. "É um alívio enorme para nós", comenta o diretor do hospital. "Cada família trazia comida e a direção está a lutar contra o costume guineense porque também contribuem para sujar e infetar. Nos serviços de urgência há 10 doentes e vê-se nos corredores 50 acompanhantes", diz Fadiá.
A aposta não é só nas infraestruturas. O comité de gestão do hospital instituiu que os médicos em "serviço de vela", o banco na gíria em Portugal, passam a receber cem euros por noite, quando antes recebiam 800 francos, ou 1,20 euros.
cesar.avo@dn.pt
O DN viajou a convite do governo da Guiné-Bissau.