Residência oficial da embaixadora Levine em Lisboa exibe, de vários artistas americanos, obras que pertencem ao Departamento de Estado, e uma das que mais se destaca é aquela em que África toma o lugar da América do Sul.
Residência oficial da embaixadora Levine em Lisboa exibe, de vários artistas americanos, obras que pertencem ao Departamento de Estado, e uma das que mais se destaca é aquela em que África toma o lugar da América do Sul.PAULO SPRANGER/ GLOBAL IMAGENS

“O meu primeiro concerto em Nova Iorque foi os Earth, Wind and Fire em 1975. Mudou a minha vida”

Desde que o presidente Ford o formalizou em 1976, fevereiro nos EUA é o “Mês da História Negra”. Com a chegada de Randi Charno Levine a Lisboa, estendeu-se a Portugal a celebração, através do espetáculo L’USAfonia, que este ano acontece no dia 27. Ao DN, a embaixadora conta a sua relação com a cultura afro-americana.
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Recorda-se na sua infância da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos? 
Sim. Embora eu fosse uma criança nos anos 60, todos nos Estados Unidos conheciam o movimento dos direitos civis e a importância dos apelos por uma mudança institucional.

Onde vivia em criança era uma América multiétnica? Convivia com negros?
O meu pai era farmacêutico e tinha um negócio em Greenpoint, Brooklyn - um bairro muito diversificado da classe trabalhadora que, na altura, era principalmente hispânico e polaco.  Mas nós vivíamos num bairro muito homogéneo em Long Island. Penso que esta é uma das razões pelas quais, à medida que fui crescendo, procurei comunidades com diversidade.

O primeiro contacto forte com a cultura afro-americana foi através da música?
Não, uma vez que o negócio do meu pai era em Brooklyn - que é conhecido por ser um dos locais mais diversificados dos Estados Unidos e do mundo - tive muita exposição à cultura afro-americana. No início da adolescência, descobri o R&B. E, no que diz respeito à música, estou absoluta e orgulhosamente ainda presa aos anos 70!

Tem ídolos de juventude entre os grandes músicos negros?
Earth, Wind and Fire, Marvin Gaye, Barry White, os O’Jays - estes talentos mudaram a forma como eu via e sentia a música. O meu primeiro concerto em Nova Iorque foi os Earth, Wind and Fire em 1975. Mudou a minha vida.  E em 2019 tive a honra de os conhecer e fiz com que fizessem parte da National Portrait Gallery em Washington DC. Creio que venderam mais discos de R&B em todo o mundo do que qualquer outro grupo.

Alguma música que lhe diga mais? Uma que lhe traga memórias especiais?
Eu adoro o Gospel. Tanto o som e a mensagem ressoam fortemente em mim. Apesar de ser judia e de a maioria dos temas serem cristãos, considero-o emotivo e inspirador. Tantos grandes cantores começaram no Gospel - Aretha, Whitney e Jennifer Hudson. A minha canção gospel favorita de sempre é de um grupo pouco conhecido chamado Jasper Street Company - Praisin’ His Name. Desafio-vos a ouvir esta canção e a não dançarem!!!

Tem alguma explicação para a fortíssima tradição musical da comunidade afro-americana?
Cada etnia e cultura tende a ter a sua própria música e identidade, e fico encantada com o facto de o mundo digital estar a dar a mais pessoas, a nível internacional, uma exposição cada vez maior à vasta variedade de música de toda uma série de culturas.  Nas décadas de 60 e 70, havia muita música fantástica para dançar, de músicos negros extraordinários, mas a par disso havia também mensagens novas e importantes sobre as lutas da comunidade negra e a necessidade de mudança. Isto refletia a política da época, tanto as alegrias como os desafios, e teve repercussões em todo o mundo.

Música, desporto, cinema. Hoje são as áreas em que tradicionalmente os negros americanos se distinguem. Também cada vez mais nos negócios. Barack Obama ou Kamala Harris, o antigo presidente e a atual vice-presidente, são figuras inspiradoras para os jovens da comunidade? Exemplos de que não há hoje nada impossível de atingir em nenhuma área?
Hoje em dia, não há nenhuma área do mundo dos negócios, do mundo académico, da indústria, da política, do entretenimento, etc., em que os americanos negros não estejam representados. No entanto, tal como acontece com muitos grupos minoritários, continua a haver uma luta pela paridade e pela liderança. A promoção da diversidade é um objetivo da nossa Embaixada e da comunidade em geral. Estamos a fazer este trabalho não só em Portugal, mas também a trabalhar constantemente para melhorar o nosso próprio país.  É por isso que celebrar e defender a diversidade continua a ser importante.

Qual a importância do Black History Month?
Desde a década de 1920, que pequenas cidades dos Estados Unidos organizam festivais para celebrar as contribuições dos americanos negros para a história e a cultura.  Como diz Joe Biden, “a história dos negros é a história americana”. A pressão para o reconhecimento das contribuições dos negros para a história americana tornou-se parte do movimento dos direitos civis e, finalmente, em 1976, o presidente dos EUA, Gerald Ford, através de uma Proclamação Presidencial, formalizou uma celebração nacional com a duração de um mês, em fevereiro, como o “Mês da História Negra”. Mas, para além do “Mês da História Negra”, os Estados Unidos celebram uma série de dias e meses que honram a diversidade do nosso país. Por exemplo, temos o mês dos indígenas americanos em novembro, o mês dedicado a pessoas com deficiência em julho, e o mês da herança hispânica em setembro.  Esta é uma forma de homenagear as diferentes pessoas que compõem os Estados Unidos e dá-nos a oportunidade de reconhecer os contributos, as lutas e as conquistas de vários grupos raciais e étnicos ao longo da história. Ao destacar a rica tapeçaria de culturas que compõem a sociedade americana, o assinalamento destes meses ajuda a combater a ignorância, o preconceito e a discriminação, promovendo simultaneamente a unidade e o respeito entre indivíduos de todas as origens.

Ficou surpreendido com a presença africana em Lisboa?
Não, de todo.  Portugal é conhecido por ter uma vibrante diáspora africana e uma população afro-descendente que contribui, sem dúvida, para a riqueza cultural do país.

Gosta da mistura de sons e ritmos que pode encontrar em Portugal? 
No que diz respeito à música, tive o prazer de conhecer e ouvir músicos notáveis em salas de espetáculo por todo o país e apreciar o talento e as nuances das diferentes influências - angolana, moçambicana, cabo-verdiana entre outras. A música é como a arte - conta uma história pessoal do artista, do seu passado e da sua história. Adoro a diversidade da cena musical aqui - é muito mais do que apenas Fado e espero continuar a experienciar tudo.

Qual foi o primeiro músico em Portugal que a surpreendeu?
Bem, eu sei que devo ser diplomata, mas quando a adorável Carminho veio tratar do visto para viajar para a América, para um concerto, concordou em cantar comigo a música Estrela no átrio de entrada da nossa Embaixada!  Ela é também a primeira a falar da importância da diáspora africana na música portuguesa. Adoro o Dino D’Santiago, o Sam the Kid, e a Selma Uamusse tem uma voz fantástica, que me toca o coração. Estes artistas não só entretêm como trabalham incansavelmente para apoiar e elevar as suas comunidades e colegas. Utilizam a sua plataforma para o bem social - compreendem que o sucesso é uma dádiva que deve ser partilhada.

Como surgiu esta ideia do L’USAfonia?
Pensámos que o L’USAfonia seria uma excelente oportunidade para realçar as histórias comuns das nossas comunidades afro-descendentes americanas e portuguesas - histórias que partilham as lutas da escravatura e dos direitos humanos, combatendo o racismo e o preconceito. Assim, para honrar as influências africanas tanto em Portugal como nos EUA, porque não convidar músicos luso-africanos para cantar música americana que ajudou a promover estas mensagens e que serviu de playlist mundial para a justiça social - jazz, gospel, R&B, hip hop. O meu amigo e extraordinariamente talentoso Ricardo Lopes aceitou juntar-se à equipa. Ele tem feito carreira a integrar música internacional e influências musicais e a trazê-las para Lisboa. Tive o prazer de assistir às suas fantásticas Living Room Sessions, que contaram com a participação de muitos destes artistas que vão estar no palco do L’USAfonia. Também tivemos a sorte de ter colaboradores fantásticos como a Selma Uamusse, o DJ Johnny Leandro e o Dino D’Santiago, que nos ajudaram a atrair os incríveis talentos para o concerto do ano passado e para o deste ano, a 27 de fevereiro.  Eles farão as suas próprias interpretações da icónica música americana dos anos 60 e 70. Este ano, estamos especialmente entusiasmados por contar com o apoio e a parceria do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e do magnífico Teatro São Luiz.  Após o sucesso do ano passado, estamos muito orgulhosos pelo facto de o L’USAfonia ser apresentado pelo Departamento de Estado dos EUA como parte da sua Iniciativa de Diplomacia Musical Global, que o secretário de Estado Antony Blinken anunciou em setembro como uma nova forma de unir os povos de todo o mundo com o poder da música americana.  O concerto é de acesso gratuito ao público. E a Bantumen transmitirá o espetáculo em direto para o tornar acessível a um público ainda mais vasto!

O que vamos poder ouvir dia 27?
Todos os anos, o Black History Month tem um tema - no ano passado, o tema foi a resistência. Este ano é “Afro-americanos e as Artes”. Estamos entusiasmados por celebrar a música negra americana dos anos 60 e 70 - um dos períodos mais importantes e significativos para os artistas afro-americanos. Estamos muito orgulhosos e gratos pelo facto de fantásticos e talentosos artistas lusófonos estarem dispostos a trazer as suas próprias influências e interpretações para esta tradicional música americana - e eles vêm de todos os PALOP:  Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Brasil e, claro, Portugal! Estejam atentos às nossas redes sociais, bem como às da Câmara Municipal de Lisboa e do Teatro São Luiz, para acompanharem todas as novidades. Cada pessoa pode levantar dois bilhetes, no dia 27 de setembro, a partir das 15h00, na bilheteira do Teatro São Luiz. Convido todos a virem celebrar o Black History Month connosco!

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