Após o funeral do papa Francisco, as atenções da Igreja Católica viram-se para o conclave que vai escolher o seu sucessor. Mas até sair fumo branco da chaminé da Capela Sistina, a anunciar que mais de dois terços dos cardeais eleitores votaram no mesmo nome, ainda há um longo caminho a percorrer. E uma dúvida: será que os cardeais vão escolher um sucessor que seguirá a visão mais liberal de Francisco ou apostar num conservador, validando o velho ditado italiano que diz que “a um papa gordo, segue-se um magro”?Atualmente há 252 cardeais, mas só 135 deles são eleitores (todos os que ainda não fizeram 80 anos). O espanhol Antonio Cañizares Llovera e o croata Vinlo Puljic já anunciaram que, por motivos de saúde, não vão participar no conclave. Para eleger o papa é necessária uma maioria de dois terços - neste caso 89 votos. Dos 133 eleitores presentes, 108 foram criados por Francisco (81%) nos dez consistórios ao longo do seu pontificado (o último em dezembro, quando foi nomeado o cardeal mais jovem, de 45 anos). À partida isso podia significar que o papa argentino tinha conseguido moldar o conclave à sua imagem, garantindo a eleição de um sucessor que irá dar continuidade ao seu legado. Mas os especialistas avisam que isso pode não ser assim - basta lembrar que foram os 67 cardeais nomeados pelo conservador Bento XVI e os 48 ainda por João Paulo II que, em 2013, elegeram Francisco.Além disso, na sua decisão de ter uma igreja mais global, mais semelhante aos próprios fiéis que são cada vez menos europeus, Francisco nomeou muitos cardeais das “periferias”. Em 2013, quando o argentino Jorge Bergoglio se tornou no primeiro papa latino-americano, 51% dos eleitores eram europeus. Agora, representam 38% (entre eles os quatro portugueses). Há ainda 20% da Ásia e Oceânia, 16% da América Central e do Sul, 14% da África e 12% da América do Norte. Há 25 países que estão representados pela primeira vez, como Timor-Leste ou Cabo Verde..José Ornelas: "Eu não faço totoloto com os cardeais e o papa que vai vir”. A Europa já não é hegemónica, mas também não é possível eleger um novo líder da Igreja Católica sem ter em conta a visão europeia. E entre todos os cardeais criados por Francisco, nem todos partilham as suas ideias. O congolês Ambongo Besungu, por exemplo, criticou o decreto papal de 2023 que permitia dar a bênção a casais do mesmo sexo, negociando com o Vaticano para que o continente africano ficasse excluído. É um dos que se fala para possível papa africano. No final, o conclave pode simplesmente decidir que Francisco foi demasiado longe e que é preciso recentrar a Igreja - por vezes os cardeais focam-se no que acham que correu mal no anterior pontificado e optam por escolher alguém que possa colmatar esse problema, terminando por escolher alguém não da continuidade, mas uma surpresa. .Funeral de Francisco: solene, simples e com um "milagre" . Um grupo de desconhecidosApesar de ter nomeado 108 dos cardeais eleitores, Francisco não fomentou ocasiões para todos se poderem conhecer (especialmente os vindos das “periferias”, mais focados nas necessidades das suas próprias igrejas do que na política da Santa Sé). Só cerca de 20% trabalham na Curia Romana, isto é, na administração do Vaticano, podendo o núcleo duro alargar-se a responsáveis de dioceses mais próximas e com um acesso mais fácil a Roma. Antes do conclave, todos os cardeais ficam alojados na Casa de Santa Marta (onde Francisco viveu durante o seu pontificado), sendo esta uma oportunidade de se conhecerem informalmente. Não existe uma “campanha eleitoral” entre os cardeais - outro ditado italiano até diz que “quem entra papa, sai cardeal” - pelo que na hora de escolher um nome os eleitores podem acabar por virar-se para os mais falados. Entre os papabili (como são conhecidos os favoritos) está o italiano Pietro Parolin, com mais de três décadas de experiência na diplomacia do Vaticano e visto como potencial candidato de consenso. Outro de quem se fala é o filipino Luis Antonio Tagle, na calha para ser o primeiro papa asiático, sendo que entre os liberais também se equaciona o italiano Matteo Zuppi. Do lado dos conservadores destaca-se o húngaro Peter Erdo, havendo quem ainda aposte no guineense Robert Sarah (apesar dos seus 79 anos e de já ter sido um papabili no último conclave) ou no ganês Peter Turkson.As “congregações gerais”, reuniões de todos os cardeais (não só os eleitores) que estão no Vaticano e que antecedem o conclave, podem ser uma oportunidade de fazer campanha sem o fazer. A intervenção de Bergoglio numa delas, antes do conclave de 2013, chamou a atenção dos outros cardeais eleitores para o seu nome. Estas “congregações gerais” já começaram, estando mais de uma centena de cardeais no Vaticano. É numa delas que se decidirá a data do conclave. As regras ditam que a eleição do novo papa deve começar, o mais tardar, 20 dias após a morte (ou resignação) do anterior. Mas pode ser antecipado se todos os cardeais eleitores já estiverem no Vaticano. Este será o maior enclave da era moderna, com 133 eleitores, sendo que supostamente o limite deviam ser os 120. Só 27 já têm experiência - há ainda cinco criados por João Paulo II, que participaram já em dois conclaves, e 22 do tempo de Bento XVI. Todos serão fechados na Capela Sistina para votar - a palavra conclave significa literalmente “com chave” -, sendo os trabalhos totalmente secretos. Segundo as regras estabelecidas por João Paulo II, quem violar o secretismo será excomungado. No primeiro dia do conclave haverá uma única votação. A partir daí, haverá quatro por dia, duas de manhã e duas à tarde, até ser encontrado o sucessor de Francisco. Ao final de três dias, se um ainda não tiver sido eleito, haverá uma pausa de um dia para oração, seguindo-se mais uma ronda de votações. Eventualmente, ao final de 12 dias, só os dois cardeais mais votados vão a votos até que um consiga os dois terços necessários. A cada votação, se não houver um vencedor, os papéis em que os cardeais votaram são queimados e sairá fumo negro da chaminé. Caso haja uma maioria de dois terços, químicos especiais são acrescentados na hora de queimar os boletins de voto e sairá fumo branco. Francisco foi eleito ao final do segundo dia, à quinta votação. Bento XVI tinha sido eleito à quarta, em 2005. .Francisco deixou duas cartas a excluir cardeal Becciu do conclave