O deputado com antepassados reis guerreiros que sonha com uma Angola mais unida e justa
Manuel Armando da Costa Ekuikui conta que está registado no Bailundo, terra dos antepassados reis guerreiros, mas que nasceu em 1991 na Jamba, território que durante uma boa parte da guerra civil angolana foi o bastião da UNITA. “Eu sou filho de dois guerrilheiros. Benjamim Ekuikui e Filomena Paula da Costa. E por força das circunstâncias nasci na Jamba. Se me perguntarem de onde sou, digo que sou de três regiões de Angola: deixei o meu cordão umbilical na Jamba, sou do Bailundo, Huambo, por força do meu pai, e sou do Kuito, Bié, da aldeia de Etalamangolo, por ser a terra da minha mãe”, explica o deputado da UNITA, partido histórico que é a maior força da oposição ao governo do MPLA. A conversa é num café do CCB, numa passagem de Nelito Ekuikui - é esse o nome que usa na política - para uma conferência em Lisboa sobre a realidade de Angola.
A maior das ex-colónias portuguesas em África comemora este ano meio século de independência e a UNITA, sublinha Ekuikui, “como é natural, vai celebrar. A UNITA é signatária dos acordos que em 1975 deram a independência a Angola. Portanto, parte do que é hoje Angola é fruto da luta da UNITA. E orgulhamo-nos da independência alcançada. Da independência política alcançada. Vamos celebrar porque nos diz respeito também. Queremos uma celebração capaz de mandar uma mensagem para Angola no seu todo. Que precisamos, depois de 50 anos, de estar unidos. Para lutarmos pela liberdade intelectual das pessoas, porque é esta que gera a independência económica e essa ainda está muito aquém do que deveria ser”.
Nas eleições de 2022, o MPLA, que governa desde a independência, voltou a ganhar, com João Lourenço a ser confirmado como presidente da república. Mas a UNITA melhorou muito a votação e causou a surpresa ao ser o partido mais votado em Luanda. Ekuikui, líder da JURA, a Juventude da UNITA, é visto como um dos grandes obreiros desse triunfo emblemático na capital. “Ganhámos porque conseguimos construir uma relação com a população. E como construímos essa confiança? Através de uma convivência muito de proximidade, e também ajudando a dar respostas aos problemas sociais das populações de Luanda. Por exemplo, quando surgiu a Covid havia muita miséria e o Secretariado Provincial de Luanda desenvolveu um programa de ajuda social. Até levámos água potável para bairros que não tinham acesso”, conta o deputado.
Ekuikui cresceu no tempo da guerra, e nos últimos anos de luta da UNITA no mato, até em 2002 Jonas Savimbi ter sido morto, enfrentou situações terríveis, como a perda da mãe e de três irmãos. Depois, já com a paz assinada, foi viver para Luanda, onde estudou até se formar em Direito pela Universidade Gregório Semedo. “Tenho a cédula. Se não fosse pela atividade política, poderia exercer advocacia”, diz este angolano que se assume adepto do FC Porto.
Na UNITA, foi na época da liderança de Isaías Samakuva que Ekuikui começou a afirmar-se. Depois, prosseguiu a ascensão já com Adalberto da Costa Júnior como presidente do partido. É deputado desde 2017. Sobre o fundador, Savimbi, sublinha que “é uma referência para a UNITA, mas também para todos os angolanos. Para mim, o dr. Savimbi é um exemplo de coerência, dedicação e amor à pátria. E uma fonte de inspiração para todo o político que queira desenvolver o seu país. Era um nacionalista, era um patriota e era, sobretudo, um combatente da liberdade”.
Ekuikui é, tal como Savimbi, um ovimbundo, o maior grupo étnico de Angola. Cresceu a falar tanto o umbundo como o português, que considera a grande língua de comunicação entre os angolanos, que são muito diversos etnicamente. O apelido familiar, motivo de grande orgulho, é o de uma linhagem de reis guerreiros que lutaram contra a colonização portuguesa no planalto central de Angola. Ekuikui significa, explica o deputado, algo como “figuras de grande dimensão que aparecem de século em século”.
Hoje com 34 anos (“celebrei há dias, aqui em Lisboa”), Ekuikui tinha 26 quando entrou pela primeira vez no parlamento. É uma voz conhecida pela crítica constante à governação do MPLA, o que confirma quando denuncia nesta conversa em Lisboa haver “uma miséria gritante em Angola”. Católico, pai de três crianças, relembra que o país “é abençoado por Deus”, com “muitas riquezas, seja o petróleo ou os diamantes”, e que “com uma liderança visionária, capaz de colocar todo o povo a trabalhar, Angola seria das maiores referências de África, estaria equiparada à África do Sul”. E, acrescenta: “o Estado angolano tem de combater a corrupção independentemente de quem a pratica, porque senão o país não se desenvolve. A corrupção está a ceifar mais vidas do que a guerra”.
Ekuikui foi convidado no ano passado para um programa americano destinado a líderes emergentes. Foram três semanas em sítios tão distintos como Washington e Nova Orleães a debater o tema da democracia e da transparência. Pouco depois, Joe Biden, ainda presidente dos Estados Unidos, fez uma visita histórica a Angola. Sem saber como vai Donald Trump atuar em África, confia que a política externa americana para Angola, marcada por investimentos, vai manter-se, e sublinha, com base na recente experiência nos Estados Unidos que o país “devia aprender com aquilo que as grandes potências fazem bem, nomeadamente valorizar cada cêntimo dos contribuintes. É importante para reduzir as desigualdades, que são muitas em Angola”.