Ainda não tinha passado um mês do atentado do Hamas de 7 de outubro de 2023, que fez 1200 mortos em Israel, quando as autoridades da Faixa de Gaza (controladas pelo grupo terrorista) anunciavam a 6 de novembro a morte das primeiras dez mil pessoas na guerra no enclave palestiniano. Esta terça-feira (29 de julho), 662 dias depois do início dos bombardeamentos (a que se somou a incursão terrestre a partir de 27 de outubro), o número de mortos ultrapassou os 60 mil. Foi preciso apenas um mês para chegar aos dez mil mortos e pouco mais de mês e meio para chegar aos 20 mil, a 20 de dezembro - pelo meio, houve o primeiro cessar-fogo, que durou apenas sete dias no final de novembro. Dois meses depois, a 29 de fevereiro de 2024, as autoridades de Gaza falavam em 30 mil mortos, e só seis meses depois (a 27 de agosto) se chegava aos 40 mil. Quase sete meses depois, a 23 de março de 2025, dias após terem terminado os quase dois meses de um novo cessar-fogo, o número de mortos atingia os 50 mil. Mas a queda gradual do ritmo de mortalidade inverteu-se, tendo sido precisos apenas quatro meses para ultrapassar a barreira dos 60 mil. A situação de fome extrema, a desnutrição e as mortes nas filas para conseguir ajuda humanitária a contribuir para este balanço, além da própria guerra.Os números das autoridades de saúde do enclave, controladas pelo Hamas, que aponta ainda para mais de 145 mil feridos, são contestados por Israel. Desde logo porque não diferenciam entre civis e militantes do grupo terrorista ou outros grupos armados. Além disso, Israel também acusa o Hamas de inflacionar o número de mulheres e crianças na lista, como forma de propaganda. As autoridades de saúde palestinianas alegam que mais de metade dos mortos pertencem a estes dois grupos. Os israelitas também contestam os números - que costumam ser usados pelas Nações Unidas e pelos media internacionais com a citação da fonte - porque já houve ocasiões em que milhares de nomes desapareceram das listas oficiais. Em causa estará uma situação de “manipulação deliberada”. Entre outubro de 2024 e março de 2025, houve três mil nomes que desapareceram das listas. As autoridades de Gaza falam numa “revisão” e num processo de “verificação”, alegando que isso faz com que as listas sejam mais credíveis. Inicialmente os mortos eram contados pelos corpos nos hospitais, com os médicos a introduzir os dados num sistema centralizado centrado no de Al-Shifa (com uma cópia de segurança no de Al-Rantissi). Mas, explicou a BBC numa reportagem, essa tarefa tornou-se mais difícil com os ataques israelitas aos hospitais. Desde o início de 2024, os familiares dos mortos podem preencher um formulário online, para informar sobre mortes ou desaparecimentos. Terão sido alguns destes que terão sido retirados na última verificação. Sendo que poderá haver milhares de corpos sob os escombros. Há estudos independentes que dizem até que o balanço das autoridades de Saúde de Gaza é demasiado baixo. Um estudo da Universidade de Londres concluiu que mais de 80 mil palestinianos terão morrido entre 7 de outubro de 2025 e 5 de janeiro deste ano, ou seja, cerca de 40% mais do que os números oficiais das autoridades de Gaza. A grande maioria (75.200) tiveram uma morte violenta, em resultado da guerra, com os outros 8540 a serem considerados mortes “indiretas” da guerra (morreram de fome ou doença devido à falta de acesso a cuidados médicos por causa das limitações impostas por Israel). A situação de fome agravou-se nas últimas semanas, com a diretora-executiva do Programa Alimentar Mundial, Cindy McCain, a dizer que é necessário “alagar Gaza com ajuda humanitária em larga escala, imediatamente e sem obstrução” para impedir que milhares morram à fome. Segundo um relatório de um organismo das Nações Unidas, a população da Faixa de Gaza precisa de 62 mil toneladas de comida por mês para cobrir as necessidades básicas e os dados israelitas mostram que não houve entrada de comida nos meses de março e abril, que apenas 19.900 toneladas entraram em maio e 37.800 em junho.Ainda assim, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, acusa o Hamas de “fabricar” as imagens de crianças esfomeadas - que lhe têm custado cada vez mais apoio internacional. As Forças de Defesa de Israel revelaram que uma das fotos que apareceu em muitas capas de jornais internacionais era afinal de uma criança que sofre de paralisia cerebral, acusando os media de cortarem a imagem do irmão que está saudável - mostrando que nenhum deles passa fome. Outra foto muito usada é de uma criança com fibrose quística, que está em Itália desde 12 de junho a receber tratamento, tendo sido autorizada a sair de Gaza.Apesar de admitir que a situação é “difícil” para quem vive no enclave palestiniano, o primeiro-ministro israelita disse que “o Hamas beneficia de tentativas de alimentar a perceção de uma crise humana”. E que, para isso, “têm divulgado números não verificados aos meios de comunicação social [fala-se em 147 mortes diretamente atribuídas à desnutrição ou à fome], ao mesmo tempo que circulam imagens cuidadosamente encenadas ou manipuladas”, disse.Por causa da pressão internacional, Netanyahu anunciou no fim de semana “pausas táticas” nos combates em algumas zonas da Faixa de Gaza para permitir a distribuição de ajuda humanitária - com a entrada de mais camiões todos os dias. Imagens de satélite do dia 26 mostraram milhares de deslocados palestinianos, espalhados ao longo de dois quilómetros, a rodear 15 camiões que entraram pelo sul de Gaza. O número de países a enviar ajuda pelos ares também aumentou, apesar do custo, das limitações (um avião carrega menos do que um camião) e das dificuldades desse sistema. A Faixa de Gaza não é só letal para os palestinianos. Desde o início da guerra a 7 de outubro, e especialmente desde o início da ofensiva terrestre, já morreram 459 israelitas na Faixa de Gaza e junto à fronteira do enclave. A grande maioria são soldados, mas o número inclui também dois agentes da polícia e três contratistas civis do Ministério da Defesa, segundo o site The Times of Israel.