O ato de desaparecimento de Puigdemont no dia da eleição de Illa
Após sete anos no exílio na Bélgica, para onde fugiu para evitar a justiça espanhola depois do referendo independentista de 2017, o ex-presidente do Governo catalão Carles Puigdemont voltou esta quinta-feira à Catalunha apesar de ainda ser alvo de um mandado de captura por peculato. Mas esteve em público menos de 15 minutos e desapareceu, conseguindo evitar a detenção.
Puigdemont chegou ao passeio Lluís Companys, em Barcelona, ao lado do secretário-geral do Junts per Catalunya, Jordi Turull, e do líder do Parlamento catalão, Josep Rull, entre outros, quando faltavam três minutos para as 9h00 (menos uma hora em Lisboa). Levado até ao palco junto ao Arco de Triunfo, falou para os cerca de 3500 apoiantes que o esperavam. Durante seis minutos.
“Não sei quando nos veremos novamente, amigos, mas, aconteça o que acontecer, que quando nos voltarmos a ver possamos gritar juntos novamente e bem alto o grito com o qual terminarei agora o meu discurso: viva a Catalunha livre”, lançou. Antes tinha dito que voltava para dizer “ainda estamos aqui”, alegando que os políticos catalães não têm o “direito a renunciar” à autodeterminação, já que é o povo da Catalunha que tem o direito de “decidir livremente o seu futuro”. E tinha atacado o Supremo Tribunal e os juízes que acusa de perseguição - “num país onde as leis de amnistia não amnistiam, existe um problema de natureza democrática” -, o Partido Popular e o Vox.
Logo que terminou o discurso, Puigdemont foi levado pelo advogado e saiu pela parte de trás do palco. Quando se esperava que voltasse a ficar rodeado dos deputados do Junts que iam em direção ao Parlamento catalão para assistir à sessão de investidura do socialista Salvador Illa, simplesmente desapareceu.
Apesar das câmaras de televisão que estavam preparadas para o seguir e do contingente da polícia que o esperava para impedir que entrasse no edifício, o ex-presidente da Generalitat optou por não cumprir a promessa de assistir à investidura. Em vez disso, entrou num carro branco e foi para parte incerta - o alegado proprietário do veículo, um agente dos Mossos d’Esquadra (a polícia catalã) foi detido. Um segundo mosso foi também preso por alegadamente ajudar à fuga.
No Parlamento catalão, a sessão de investidura começou, como esperado, às 10h00 (9h00 em Lisboa). E, apesar das tentativas do Junts para a suspender já durante a tarde, alegando que tinha sido emitido um mandado de detenção contra Turull (que afinal não terá existido), o debate decorreu sem problemas.
No seu discurso, Illa começou por defender a aplicação “ágil, rápida e sem subterfúgios” da Lei de Amnistia e apelando à “restauração plena da totalidade dos direitos políticos de todos os cidadãos da Catalunha”. O socialista disse ainda que quer “unir” os catalães, prometendo focar-se em pôr as políticas públicas ao serviço dos cidadãos. Puigdemont não estava, mas marcou o debate - quando era a sua altura de votar, o Junts aplaudiu.
No final, Illa foi eleito, com os esperados 68 votos a favor, após o acordo com a Esquerda Republicana da Catalunha e o Comuns Sumar, 66 votos contra e uma abstenção (a de Puigdemont). Quando tomar posse, no prazo máximo de cinco dias, o socialista porá fim a 14 anos de governos independentistas. “Governarei para todos tendo em conta a pluralidade da Catalunha”, disse.
Quem falhou?
Enquanto no Parlamento decorria o debate, pela Catalunha seguia a procura pelo ex-líder catalão. Os Mossos d’Esquadra teriam decidido deter Puigdemont quando tentasse entrar no Parlamento, não na praça onde decorreu o ato de apoio para evitar que os ânimos se exaltassem. Mas ele não chegou lá.
Quando a polícia catalã se apercebeu que ele tinha desaparecido e não planeava ir à investidura, como tinha dito que queria fazer, foi lançada a Operação Jaula, que fechou as saídas de Barcelona. Sem efeito.
Além das críticas à atuação dos Mossos d’Esquadra, acusados de deixar que o ex-presidente discursasse e fugisse, houve também críticas ao Governo de Pedro Sánchez - igualmente acusado de cumplicidade. “Uma humilhação insuportável. Mais outra. É doloroso assistir em direto a este delírio de que Sánchez é o máximo responsável. É imperdoável prejudicar a imagem de Espanha assim”, escreveu no X o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo.
susana.f.salvador@dn.pt