Sebastian Ioan Burduja com Ioana Bivolaru, então embaixadora romena em Lisboa, e Carlos Moedas.
Sebastian Ioan Burduja com Ioana Bivolaru, então embaixadora romena em Lisboa, e Carlos Moedas.

“Nós na Roménia sempre sentimos que o nosso lugar era na Europa, com o Ocidente” 

Europeísta convicto, o ministro romeno da Energia fala do grande impulso em termos de desenvolvimento que trouxe a adesão à UE em 2007. Sebastian Ioan Burduja, que agora também é candidato à Câmara de Bucareste, diz admirar a aposta portuguesa nas energias renováveis. 
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Ainda como ministro da Digitalização, esteve em Lisboa para o Web Summit no ano passado  e encontrou-se com o presidente da Câmara Carlos Moedas. Em Portugal, quando se fala da competitividade da economia, por vezes surge a comparação com a Roménia, que está quase agora no mesmo nível de rendimento em paridade de poder de compra. Quando olha para Portugal e para a Roménia, como descreve o impacto da UE, especialmente no seu país, mas também em Portugal? 
Sou um grande fã da UE. Penso que é uma das experiências mais bem-sucedidas na história da humanidade, porque a promessa da UE é direcionar o financiamento do desenvolvimento para países da Europa mais pobres e garantir que recuperamos e colmatamos a lacuna com o países mais ricos. Pelo menos nas grandes cidades romenas, Bucareste, mas também Cluj ou Iasi, vemos isso no dia-a-dia. Vimos a vida das pessoas mudar para melhor, depois de milhares de milhões de euros terem entrado na Roménia. Tenho a certeza que Portugal, tendo mais alguns anos que a Roménia na UE, também conseguiu crescer graças a esta ajuda. O que mais gostei em Portugal foi a aposta nas indústrias de elevado valor acrescentado. Ambos os nossos países têm uma força de trabalho muito qualificada, especialistas, pessoas que podem cumprir. Para aumentar os salários, precisamos de criar empregos que os recompensem ao nível da sua competência e experiência. E fiquei absolutamente impressionado com a própria Web Summit. Criar a maior feira de Tecnologias de Informação do mundo em Lisboa e trazer pessoas de todo o mundo para contribuir é incrível.

Em Portugal, a adesão à UE aconteceu em 1986, 12 anos depois da revolução, e foi muito importante para a consolidação da democracia. Na Roménia, passaram 18 anos desde a vossa revolução até a entrada na UE, em 2007. Foi também  importante para a democracia?
Foi de importância tremenda para o nosso povo. Sempre sentimos que o nosso lugar era na Europa, com o Ocidente. Durante muitas décadas, durante o comunismo, foram anos dolorosos porque estávamos presos atrás da Cortina de Ferro e sentíamos que não pertencíamos a esse lugar. Somos um povo latino, como os portugueses. E os nossos valores sempre estiveram orientados para o Ocidente. Só para recordar um pouco de história: em 1944, quando o país foi invadido pela União Soviética, o partido comunista na Roménia tinha cerca de 400 membros. Mas tomaram o poder e  desestruturaram todos os outros partidos políticos. Tivemos quatro décadas de um comunismo muito doloroso e depois uma transição em que a nossa maior aspiração era aderir à NATO e à UE. Toda a sociedade e os políticos trabalharam para esses objetivos. Para nós, não era apenas uma questão de desenvolvimento económico, era uma questão de moralidade, por assim dizer. 

Como é que a Roménia é hoje afetada pela guerra na Ucrânia? 
Bem, em primeiro lugar, essa incerteza é um dos maiores medos das pessoas. Dado que a guerra está tão próxima, no país vizinho, os romenos temem que possa expandir-se. Tememos que se, Deus nos livre, a Rússia assumir o controlo da Ucrânia, a Roménia possa ser a próxima, a Polónia possa ser a próxima, os Bálticos possam ser os próximos. Portanto, a guerra na Ucrânia é uma presença constante nas nossas vidas. Além disso, tivemos experiências muito práticas com a guerra, em que fragmentos de drones caíram em solo romeno. Existem aldeias romenas perto da fronteira que já foram afetadas pela guerra na Ucrânia, por assim dizer. Além disso, enfrentamos dificuldades económicas por causa da guerra. As coisas ficaram mais caras. As cadeias de abastecimento foram perturbadas. Demora muito mais para que certas mercadorias cheguem aqui. Atualmente sou ministro da Energia, por isso sei que muitos dos nossos projetos energéticos estão atrasados porque alguns dos componentes principais vieram da Ucrânia. A própria crise energética afeta-nos, pois costumávamos importar gás através da Ucrânia. Temos o nosso gás, felizmente. Mas de modo geral, as coisas ficaram mais caras. A eletricidade é mais cara.

Algo que sempre me deixa curioso sobre a Roménia é ter sido um grande produtor de petróleo, e ainda hoje está entre os três primeiros na União Europeia. Quando olham para Portugal, um país sem qualquer tipo de recursos petrolíferos, procurando usar energias renováveis, veem um exemplo a seguir? 
Sim, a 100%. Todos os dias olho para o mapa energético da Europa e podemos comparar preços. Portugal e Espanha têm sempre os preços mais baixos do continente. Têm uma política energética inteligente que protegeu o consumidor final, tanto residencial quanto comercial. Estive em Portugal com o nosso presidente e assinámos um memorando de entendimento sobre cooperação energética. Admiro muito o modelo português de  investir ambiciosamente em energia verde.

Vamos falar um pouco sobre as eleições europeias, 27 países a votos no início de junho. Como está o sentimento europeu na Roménia? Vai ser alta a participação eleitoral?
Na Roménia, fizemos coincidir as eleições europeias com as locais. E é bom e é mau. A parte boa é que provavelmente teremos uma participação nas europeias muito maior do que a média na Europa. Normalmente são as eleições com menor participação. Agora devemos ver uma melhoria significativa na participação. Ao mesmo tempo, e essa é a parte má, a agenda pública é amplamente dominada por questões locais. É difícil realmente criar um debate com os eleitores sobre a UE quando há coisas muito mais diretas relacionadas com a sua vida quotidiana, certo? A qualidade dos transportes públicos, das escolas e hospitais é muito mais tangível para a maioria dos romenos. Portanto, o debate público gira principalmente em torno de questões locais. 

Sei que se candidata a presidente da Câmara de Bucareste. Quão desafiador é ser autarca da capital? 
Acho que é o trabalho de autarca  mais difícil do país. Uma cidade grande, extremamente complexa, com desafios herdados dos tempos comunistas. Temos bairros que foram criados naquela época com uma economia diferente, que não era de mercado livre. Muitas das fábricas daquela época desapareceram, ficavam junto dos bairros, e agora  as pessoas tendem a movimentar-se muito mais dentro da cidade, o que cria um enorme problema de trânsito. Penso que somos a quarta cidade mais congestionada da Europa. E isso acontece também porque temos muito mais carros do que em 1989. Os carros eram um grande luxo naquela época. E, em segundo lugar, porque a própria infra-estrutura é, de certa forma, limitada pela forma como foi construída e desenvolvida. E constato também que na chamada Grande Bucareste, temos 29 localidades diferentes, com 29 presidentes de câmara, 29 conselhos locais, 29 regulamentos. Portanto, qualquer planeamento integrado  é difícil de projetar e implementar porque precisa reunir todos na mesma mesa. Portanto, a médio e longo prazo, precisamos de reformar esta estrutura regional e, talvez, incluir estas 29 localidades, por exemplo, num único sistema integrado de transportes de Bucareste. 

Foi ministro da Digitalização, agora é ministro da Energia. Ser autarca  é um desafio completamente diferente. O que o faz  candidatar-se? 
 Fui especialista em desenvolvimento urbano do Banco Mundial em Washington durante quatro anos. Então estudei como fazer uma cidade crescer de 2012 a 2016. E sempre fui apaixonado pelas cidades porque elas são realmente os principais motores de uma economia. Se quer fazer o seu país crescer, precisa fazer as suas cidades crescerem. Ou, dito de outra forma, todos os países que se desenvolveram também se urbanizaram. Dito isto, penso que se pode criar muito impacto visível para as pessoas no quotidiano, o que nem sempre se consegue fazer como ministro. Pode-se criar políticas importantes, promover legislação e até assinar contratos. Como ministro da Energia assinei contratos de muitos milhões de euros para projetos energéticos, desde turbinas a gás até parques solares e eólicos. Mas é difícil sentir o impacto da mesma forma que aquilo um presidente da câmara faz pelos seus cidadãos. Estou preparado para isso.

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