Bombardeamento destruiu seis edifícios em local onde se abrigava a sede subterrânea do Hezbollah.
Bombardeamento destruiu seis edifícios em local onde se abrigava a sede subterrânea do Hezbollah.IBRAHIM AMRO/AFP via Getty Images

Netanyahu discursa em ambiente hostil e ordena ataque ao líder do Hezbollah

O alvo do bombardeamento em Beirute era o líder do movimento xiita pró-iraniano, Hassan Nasrallah. Primeiro-ministro israelita leva conflito para território desconhecido, depois de negar na ONU a intenção de parar até à “vitória total” sobre Hamas e Hezbollah.
Publicado a
Atualizado a

Em novembro do ano passado, no primeiro discurso desde os ataques do Hamas, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, a propósito das ofensivas diárias, a partir do sul do Líbano, para o norte de Israel, advertia Telavive contra qualquer “agressão” ao seu país: “Seria a maior idiotice da história da vossa existência.” Depois de um discurso nas Nações Unidas em que o primeiro-ministro israelita não mencionou uma única vez a palavra “cessar-fogo”, este deu ordem para atacar a sede do movimento pró-iraniano em Beirute, tendo como alvo Nasrallah. A primeira reação ao bombardeamento, que num balanço preliminar tinha feito dois mortos e dezenas de feridos, veio do Irão.

Benjamin Netanyahu viajou para Nova Iorque com a rejeição de um plano franco-americano de trégua de 21 dias na bagagem, o que terá deixado os diplomatas norte-americanos desagradados porque terão ficado com a perceção de que Telavive estava de acordo com a iniciativa. No discurso proferido na Assembleia-Geral da ONU deixou ainda mais claro que não há lugar para o fim das hostilidades enquanto o seu Exército não alcançar os objetivos a que se propôs. De seguida, assestou mais um golpe contra o Hezbollah, cujas consequências ainda estão por aclarar. E decidiu antecipar o regresso a Israel, viajando no sabat, um sinal da gravidade da situação. 

“Não há dúvida de que este crime condenável e este comportamento imprudente representam uma grave escalada que altera as regras do jogo e que o seu autor será punido de forma adequada e disciplinada”, afirmou em comunicado a Embaixada do Irão no Líbano sobre o bombardeamento ao quartel-general do movimento xiita, e que num vídeo filmado no interior de uma casa, e partilhado nas redes sociais, é visível quatro enormes colunas de fumo. 

Segundo as forças israelitas tratou-se de um “ataque preciso contra a sede central da organização terrorista Hezbollah, que servia de epicentro ao terror do Hezbollah”. O porta-voz das forças israelitas, Daniel Hagari, disse que o imóvel foi “construído intencionalmente sob edifícios residenciais no coração do Dahieh, em Beirute, como parte da estratégia do Hezbollah de usar o povo libanês como escudo humano”.

Seguiu-se a justificação para o ataque: “Depois de quase um ano em que o Hezbollah disparou foguetes, mísseis e drones  suicidas contra civis israelitas, depois de quase um ano em que Israel avisou o mundo e lhe disse que o Hezbollah tinha de ser travado, Israel está a fazer o que todos os Estados soberanos do mundo fariam se tivessem uma organização terrorista que procura a sua destruição junto à sua fronteira, tomando as medidas necessárias para proteger o nosso povo, para que as famílias israelitas possam viver nas suas casas, em segurança.”

Para o primeiro-ministro libanês Najib Mikati, que se encontrava em Nova Iorque tal como Netanyahu, esta “nova agressão prova que o inimigo israelita está a fazer pouco de todos os esforços internacionais no sentido de um cessar-fogo”.

Além do bombardeamento no sul de Beirute, que se registou às 18.30 locais e destruiu seis edifícios, os ataques com aviões de caça prosseguiram no sul do Líbano e noutras regiões do país. Horas depois, as forças israelitas avisaram os habitantes de Beirute para saírem de imediato de Dahieh, o subúrbio dominado pelo Hezbollah, tendo para o efeito mostrado mapas dos locais. Em resposta aos ataques israelitas, o Hezbollah lançou pelo menos 65 rockets, tendo um deles ferido uma mulher em Safed, no norte de Israel. 

Na capital libanesa, os relatos eram de ansiedade e tensão. O exército libanês estabeleceu uma barreira de segurança em redor da embaixada dos Estados Unidos, país que disse não ter sido informado por Israel previamente. A porta-voz do Pentágono Sabrina Singh disse aos jornalistas que o secretário da Defesa, Lloyd Austin, teve conhecimento do ataque quando o homólogo israelita Yoav Gallant lhe telefonou e informou que o ataque estava em curso. Já o chefe da diplomacia dos EUA realçou que continua a existir uma saída. “O caminho para a diplomacia pode parecer difícil de ver neste momento, mas existe e, na nossa opinião, é necessário”, disse Antony Blinken. O secretário de Estado disse que as escolhas que os protagonistas do Médio Oriente fizerem nos próximos dias determinarão o caminho que a região tomará e terão consequências profundas nos próximos anos.

Uma agência iraniana disse pouco depois do ataque que o líder do Hezbollah não se encontrava na sede da organização e que estava “a salvo”. No entanto, em Israel, as informações eram contrárias. Os dirigentes israelitas estavam convencidos de que Nasrallah tinha sido morto, segundo noticiou o Canal 12. Teerão desvalorizou a figura de Nasrallah, ao afirmar que “a resistência tem líderes e quadros fortes e todos os líderes que forem martirizados serão substituídos”. Palavras de Ali Larijani, conselheiro do guia supremo Ali Khamenei. 

Mas Nasrallah, de 64 anos, não é uma figura qualquer. Lidera o Hezbollah há 32 anos, e com o enfraquecimento gradual dos políticos eleitos no Líbano - o país está sem presidente e o primeiro-ministro em funções gere um governo de gestão - tornou-se na maior figura política do país. Foi já sob o seu comando que Israel terminou a ocupação do Líbano, em 2000, no que foi visto como uma vitória do Hezbollah. Em 2006 , o rapto de três soldados israelitas levou a nova incursão militar no Líbano, mas o movimento xiita, apesar da destruição, não perdeu força nem influência. 

Paz é miragem

Com manifestações nas ruas e com a saída em bloco de parte significativa dos diplomatas de outros países, Benjamin Netanyahu começou por dizer na Assembleia Geral da ONU que não era sua intenção estar em Nova Iorque. “O meu país está em guerra, a lutar pela sua vida. Mas depois de ter ouvido as mentiras e calúnias lançadas contra o meu país a partir desta tribuna decidi vir aqui e esclarecer a situação”, afirmou num discurso virado para uma audiência doméstica e também para o seu maior aliado, os EUA. 

Lembrou o discurso do ano passado em que disse que era tempo de ultrapassar a “maldição da agressividade incessante do Irão e alcançar a bênção da histórica reconciliação de árabes e judeus”, o que estaria em vias de acontecer com o acordo com a Arábia Saudita não fosse dar-se “a maldição de 7 de outubro”. A partir daí “a maldição não acabou” e Israel foi obrigada a “defender-se de mais seis frentes de guerra organizadas pelo Irão”, disse. Advertiu Teerão de que Israel irá ripostar caso seja atacado e apelou para que os restantes países se juntem para impedir que o regime teocrático obtenha armas nucleares. Afirmou que quer com o Hamas quer com o Hezbollah, Israel vai “lutar até atingir a vitória total”.

Netanyahu recordou que a primeira vez que falou naquele local foi como embaixador na ONU, há 40 anos, para denunciar a proposta de expulsão de Israel daquela organização, ideia agora defendida por Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana, numa casa que diz ser “um pântano antissemita”. 

Relações tortuosas ONU-Israel

Madrinha de Israel
Em novembro de 1947, a Assembleia-Geral das Nações Unidas, então com 57 membros, aprovou o plano para dividir a Palestina, abrindo caminho à criação do Estado de Israel, com a ONU a gerir Jerusalém. Os países árabes rejeitaram o plano porque a população judaica, que na altura representava um terço dos habitantes da Palestina, passaria a ter um país em mais de metade do território.

Mediador assassinado
A guerra eclode entre o país acabado de proclamar e seis países árabes. A ONU mandata como mediador o sueco Folke Bernadotte, que consegue obter uma trégua, mas é assassinado, em setembro de 1948, por um grupo extremista israelita. Em seguida, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprova uma resolução que prevê o “direito ao regresso” dos refugiados palestinianos.

Relações azedam
Em 1967, na sequência da Guerra dos Seis Dias, e da ocupação dos territórios palestinianos da Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Ocidental, além dos Montes Golã sírios e da Península do Sinai egípcia, é aprovada uma série de resoluções que criticam Israel.

Polémica com Guterres
Ao condenar o ataque terrorista do 7 de Outubro, o secretário-geral da ONU disse que era “importante reconhecer que os ataques do Hamas não aconteceram no vácuo”, e que os palestinianos estão sujeitos a uma “ocupação sufocante”. O embaixador de Israel na ONU pediu a demissão de António Guterres. Os ataques em Gaza mataram 224 funcionários da ONU.

“Pântano antissemita” 
No discurso da Assembleia-Geral, o primeiro-ministro israelita acusa as Nações Unidas de ser um “pântano antissemita”, no qual o seu país é discriminado.

cesar.avo@dn.pt 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt