Negociações no Qatar para libertar todas as mulheres e crianças

Chefias das secretas de Israel e dos EUA reunidos com os mediadores do Qatar para prolongar a pausa, que de outra forma termina esta quarta-feira, de forma a extrair os restantes reféns, à exceção dos homens e militares. Multiplicidade de grupos armados com sequestrados dificulta processo.
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A capital do Qatar, país que ao mesmo tempo patrocina o Hamas e hospeda uma base militar norte-americana, é agora o centro das negociações para a extensão da trégua, que termina esta quarta-feira se nada se acordar em contrário. Israel está interessado em extrair nesta fase a totalidade de mulheres civis e de menores, embora o objetivo seja resgatar a totalidade de reféns, pelo que em Doha está o chefe dos serviços secretos israelitas, bem como o diretor da CIA, para negociarem como se vão desenrolar as próximas horas. Com as dez reféns israelitas libertadas nesta terça-feira totalizam 60 (ou 61 se se contar com o homem israelo-russo libertado à parte do acordo de trégua) num total de 93 que os serviços israelitas creem estar sequestradas, além de homens, mulheres militares e estrangeiros.

As negociações para a libertação de mais reféns estão a decorrer no Qatar. Depois de uma delegação catariana ter estado em Telavive nos dias anteriores, foi a vez de David Barnea, chefe da Mossad, se dirigir para o pequeno estado do Golfo Pérsico.

O seu homólogo dos Estados Unidos, William Burns, também seguiu para Doha. Ex-embaixador dos EUA na Jordânia, o diretor da CIA esteve de visita à região no início do mês para tratar das conversações sobre a libertação dos reféns. Burns tem a confiança do presidente Biden e também o respeito de Barnea e de muitas individualidades no Médio Oriente, garante um funcionário da Casa Branca ao The Washington Post.

Se chegará para prolongar a pausa na guerra, saber-se-á nas próximas horas. As conversações, a decorrer com os mediadores do Qatar, têm por objetivo assegurar a libertação dos reféns referentes aos dois dias adicionais da trégua e alargar a trégua temporária por mais dias, a fim de garantir a libertação de todas as mulheres e crianças detidas pelos grupos terroristas em Gaza.

Uma das dificuldades poderá estar no paradeiro dos cativos. Em declarações ao Financial Times publicadas no domingo, o primeiro-ministro (e chefe da diplomacia) do Qatar, xeque Mohammed bin Abdulrahman al-Thani, dizia que o Hamas reconhecia desconhecer a localização de cerca de 40 mulheres e menores. Segundo a BBC, além do Hamas, a Jihad Islâmica da Palestina e mais dois grupos, a Brigadas Mujahideen e as Brigadas al-Nasser Salah al-Din alegam ter feréns em seu poder.

Ao analista chefe da equipa que estuda o fenómeno salafista e jihadista do Critical Threats Project, Brian Carter não custa acreditar que o Hamas ignore o paradeiro desses reféns, disse ao Business Insider. Também a esta publicação, Hans-Jakob Schindler, diretor da ONG Counter Extremism Project, destaca as camadas de complexidade que o facto de não ser o Hamas a ter em cativeiro todos os reféns. Em consequência, não poderá "simplesmente ordenar a entrega desses reféns", o que o obriga a "negociações internas palestinianas" para recuperar reféns de outros grupos. Esta é a situação de reféns mais complexa que já vi, não só pelo número de reféns, mas também pelo número de grupos que têm reféns, e esses grupos não respondem ao Hamas", comentou Schindler.

Há dias, o Wall Street Journal noticiara que a Jihad Islâmica exigia a libertação de todos os prisioneiros palestinianos antes de libertar os seus reféns. Uma pretensão que caiu nesta terça-feira, uma vez que o seu braço armado, as Brigadas al-Quds, anunciou a entrega de "um certo número de civis detidos".

Um segundo objetivo das negociações é o de discutir a possibilidade de um acordo que possa incluir os reféns que não foram abrangidos pelo atual acordo, incluindo homens e possivelmente soldados. "A prioridade atual é a libertação dos reféns civis, das mulheres e das crianças. Depois virá a vez dos militares", disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Qatar, Majed Al-Ansari numa conferência de imprensa.

Com vários reféns de nacionalidade norte-americana ainda em cativeiro, Washington tem pressionado para que a trégua perdure, e não apenas por mais um ou dois dias. "Vamos continuar a trabalhar para uma extensão", disse John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. " Sem dúvida, é isso que queremos. Queremos que todos os reféns saiam e esta é a melhor maneira de os tirar de lá", disse, enquanto realçou o papel "fundamental para intermediar o acordo" de Joe Biden.

Além do diretor da CIA, também o chefe da diplomacia regressa ao Médio Oriente. Antony Blinken vai estar mais uma vez em Israel e na Cisjordânia antes de participar na cimeira sobre o clima COP28, no Dubai. Além da questão da libertação dos sequestrados, Blinken vai abordar a continuação da assistência humanitária e a proteção dos civis no território palestiniano, anteviu uma fonte da Secretaria de Estado. Este ou outro funcionário dos EUA, em declarações sob anonimato aos jornalistas, disse que "é extremamente importante" que a ofensiva que Israel prevê começar no sul de Gaza após a pausa deve "ser feita de uma forma que não seja projetada para produzir deslocamento significativo de pessoas".

O dia ficou ainda marcado pela violação da trégua após uma troca de tiros no norte do enclave em que vários soldados israelitas ficaram feridos. Além disso, o exército israelita identificou três dos seus soldados levados para a Faixa de Gaza pelo Hamas que morreram em 7 de outubro.

Os ataques terroristas de 7 de outubro não se deveram apenas aos combatentes do braço armado do Hamas, as Brigadas al-Qassam. Um total de oito bandos armados alegou ter participado na invasão ao território israelita, e três dos quais afirmam manter reféns. Uma investigação da BBC conclui terem sido seis os grupos armados no ataque.

Brigadas al-Quds

É o braço armado da Jihad Islâmica da Palestina, a segunda maior milícia palestiniana e que tem estado envolvida em inúmeros atentados e guerras contra Israel, a última das quais no verão de 2022, altura em que o Hamas não interveio. Como o nome indica, é um movimento islamista como o Hamas. A sua presença na Cisjordânia tem crescido, em especial em Nablus e Jenin, neste último em conjunto com outros grupos armados sob o nome genérico de Batalhão Jenin.

Brigadas de Ali Abu Mustafa

É o mais antigo dos grupos, criado em 1967, então sob o nome Brigada da Águia Vermelha, e rebatizado em 2001 em homenagem a um dos líderes da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), organização secularista e de extrema-esquerda.

Forças al-Qasim

Em 1969 deu-se uma cisão na FPLP e foi criada a Frente Democrática para a Libertação da Palestina, de tendência maoista, e com ela o grupo armado Brigadas da Resistência Nacional, também conhecido como Forças Omar al-Qasim.

Brigadas dos Mártires de al-Aqsa

Nasceu na segunda intifada, no início dos anos 2000, como uma associação de vários grupos armados com ligações à Fatah, embora nunca tenha sido oficialmente reconhecido pelo movimento de Yasser Arafat. Da Cisjordânia infiltrou-se na Faixa de Gaza, onde não tem problemas em cooperar com os grupos islamistas.

Brigadas Mujahideen

Respondem ao Movimento Mujahideen Palestiniano. Alegam ter reféns, tal como as Brigadas al-Quds e as Brigadas al-Nasser Salah al-Din (que a BBC não identificou como tendo participado no 7 de outubro).

cesar.avo@dn.pt

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