"Na UE estamos mais unidos do que nunca em todas as decisões que tomamos"
Ao fim de quase um ano de conflito, a União Europeia reforça o apoio a Kiev. Na sede da Comissão Europeia, Daniel Stano, porta-voz responsável pelas sanções, e Peter Stano, porta-voz responsável pelos negócios estrangeiros e políticas de segurança da UE, falam ao DN sobre o trabalho que tem sido desenvolvido, olhando para o futuro.
Como funciona o processo de sancionar um Estado estrangeiro?
Daniel Ferrie (DF): Quando se fala em sanções, fala-se em sancionar, por exemplo, indivíduos, entidades, empresas ou diferentes tipos de medidas comerciais: proibições de importação e exportação, meios de financiamento, ou até a retirada de bancos do sistema SWIFT. Há todo um leque de situações que se enquadram na palavra "sanção". Primeiro, analisamos todos os dados que temos ao dispor como dados comerciais que possam especificar os tipos de bens que podemos, potencialmente, visar e que prejudiquem os militares russos, por exemplo, de uma forma que não nos prejudique em demasia. É necessário ter isso em consideração. Depois, claro, a proposta é enviada para os Estados-membros, porque o acordo tem de ser unânime, então é preciso garantir que aquilo em que se está a pensar é aceite por todos os Estados-membros. Uma vez dado esse passo, fazemos uma proposta legal, que os Estados-membros depois discutem. Como vimos ao longo do último ano com os nove pacotes diferentes de sanções à Russia, há medidas que são aprovadas mais rapidamente do que outras. Tirando uma ocasião em que demorou um mês, normalmente ao fim de uns dias ou de umas semanas, os Estados-membros aceitam. Assim que aceitam aplicar as sanções, as medidas passam a constar na lei, e cabe depois aos Estados-membros seguir e implementá-las imediatamente.
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Como podem os cidadãos comuns saber exatamente quem está a ser sancionado? Onde podem ver a lista de medidas que estão a ser aplicadas?
DF: O processo é totalmente transparente. Não falamos de potenciais sanções antes de serem adotadas, claro, porque isso daria vantagem aos nossos alvos e permitir-lhes-ia contrariar isso. Por isso, de antemão, o processo é totalmente confidencial. Mas, quando entra em lei, é totalmente transparente, está disponível online. É publicado naquilo a que chamamos o jornal oficial e assim os Estados-membros podem seguir imediatamente para que quaisquer autoridades relevantes possam fazer o trabalho que lhes compete.
Sabemos que a diplomacia tem um papel preponderante na mediação de conflitos. O que é feito, exatamente, num contexto de guerra como a que vivemos na Europa?
Peter Stano (PS): O apoio diplomático é apenas uma de cinco partes em que estamos a ajudar a Ucrânia. Como se sabe, a União Europeia está a prestar apoio político, financeiro, humanitário e militar. O apoio diplomático enquadra-se na ajuda política. Isso significa que estamos a reunir países parceiros em todo o mundo em apoio à Ucrânia para condenar a agressão russa, para tentar isolar a Rússia internacionalmente. Ao mesmo tempo, continuamos a manter o contacto com a Rússia, porque apesar das sanções continuamos a ter canais de comunicação abertos para lhes transmitir mensagens, relembrando-os da instabilidade e daquilo que estão a fazer e das consequências dos seus atos, de como estão a violar a lei internacional, na esperança de que um dia se apercebam de que o que estão a fazer é totalmente inaceitável e que têm de parar. Este é portanto o papel da diplomacia: discute-se e interage-se com quem é parte do problema, tentando solucionar esse problema, ao mesmo tempo que se apoiam as vítimas, mobilizando o leque mais vasto de apoio para ajudar o país. Queremos isolar totalmente a Rússia na comunidade internacional, ao mesmo tempo que pressionamos os seus parceiros para que convençam Moscovo a parar a guerra. Com "todos os parceiros internacionais" refiro-me aos países membros do Conselho de Segurança da ONU, como a China, mas também países no grupo do G20 e todos os outros Estados com quem a Rússia costuma ter um contacto regular, para que saibam e se apercebam também do quão perigoso é para eles o comportamento do Kremlin, porque apesar dos negócios e das boas ligações com a Rússia, se o regime de Putin destruir o sistema de regras internacionais que também protege estes países, eles próprios podem não estar seguros. O perigo não é da parte da Rússia mas sim de outros países que se sintam encorajados a usar força militar massiva para alcançar os seus objetivos que, na realidade, vão contra o direito internacional, a soberania e a integridade territorial.
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"Queremos isolar totalmente a Rússia na comunidade internacional, ao mesmo tempo que pressionamos os seus parceiros para que convençam Rússia a parar a guerra."
No que diz respeito à guerra na Ucrânia, a União Europeia tem falado, praticamente, a uma só voz. Não houve, pelo menos publicamente, nenhum episódio de divergências relevantes. Não querendo fazer futurologia, pergunto: acredita que será sempre assim até ao final do conflito?
PS: Bem, não conseguimos prever o futuro, mas fazemos tudo quanto é possível para que esse futuro seja aceitável para nós. A UE tem reagido de maneira forte e com uma união sem precedentes perante a agressão ilegal da Rússia contra a Ucrânia. Mantivemos esta união ao longo de praticamente um ano de conflito. Estamos mais unidos do que nunca nas decisões que tomamos e em tudo aquilo que fazemos. E não estamos a reduzir o apoio, mas sim a aumentá-lo. Esta ajuda é decidida de forma unânime entre os Estados-membros, porque todos percebem que aquilo que está em jogo não é só a independência, a soberania e os valores da Ucrânia, que Putin quer destruir. O que está em jogo são os valores e princípios nos quais a União Europeia está assente e também a nossa própria segurança, porque se permitirmos que estas violações descaradas do direito internacional passem impunes, isso vai encorajar outros bandidos na comunidade internacional a fazer o mesmo. Estaremos então num estado de ameaça ou de guerra permanente.
Perante o envio de mais equipamento militar, vimos recentemente alguma resistência de Estados-membros com um papel importante na UE, como a Alemanha. Isto afeta de alguma forma, por um lado, a solidariedade europeia e, por outro, a imagem da União? Qual a sua opinião?
PS: Não necessariamente. A solidariedade é um princípio básico da condição de membro da União Europeia, é algo presente no nosso ADN como algo sobre a qual o projeto europeu assenta. Estaremos por isso a prestar apoio aos nossos membros e também aos países candidatos, como a Ucrânia. A imagem da UE é uma questão diferente. Em países terceiros há por vezes a impressão - alimentada também pela propaganda russa - de que a União Europeia tem duas formas diferentes de abordar, por exemplo, a questão das migrações, na forma como os migrantes do sul foram tratados e na forma como foram acolhidos os refugiados ucranianos. Claro que há desafios. Temos de os ultrapassar porque esta agressão foi acompanhada - não desde o primeiro dia da invasão, mas muito antes - por uma guerra de informação contra a União Europeia. A Rússia está a liderar campanhas de desinformação contra nós pelo menos desde 2014. A intenção é minar a UE a partir de dentro. Querem confundir a opinião pública, destruir a confiança nas autoridades nacionais e na ideia europeia. Por isso temos de contrariar esses esforços. Reconhecemos que as campanhas de interferência estrangeira e de desinformação constituem uma ameaça híbrida, e delineámos uma estratégia para lidar com isso. Chama-se Bússola Estratégica, que nada mais é do que a doutrina política e militar de autodefesa da UE, por assim dizer. Dentro da Bússola Estratégica, a UE, pela primeira vez na história, definiu de facto as ameaças e desafios estratégicos que enfrentamos e também os meios que estamos a utilizar para os enfrentar. Portanto, estamos equipados, temos muito trabalho a fazer, mas o bom é que o fazemos juntos, em uníssono, em consenso dos 27 Estados-membros, com base na solidariedade connosco e com os nossos parceiros e é isto que nos define. É isto que torna a UE tão especial.
O DN viajou a convite da Representação da Comissão Europeia em Portugal.
rui.godinho@dn.pt
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