Boulos recebeu o apoio de Lula na corrida à câmara de São Paulo.
Boulos recebeu o apoio de Lula na corrida à câmara de São Paulo.Miguel SCHINCARIOL / AFP

Municipais são teste a Lula e à oposição para 2026

Estudo contabiliza 455 casos de violência política em 2024, dos quais 173 contra concorrentes às eleições municipais.
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Depois de intensa campanha, o Brasil vai hoje a votos em 5569 municípios para eleger prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. As eleições em São Paulo, a maior das metrópoles do país, com 9,3 milhões de eleitores, são as que espelham mais fielmente a política nacional e, por isso, as que mais concentram atenções de partidos, imprensa e população. Lula da Silva (PT), atual presidente, e Jair Bolsonaro (PL), o principal rosto da oposição, mesmo inelegível, apoiam os candidatos à frente nas sondagens: o triunfo de um deles pode, portanto, servir como “primária” das presidenciais de 2026.

“As municipais não podem ser consideradas as primárias das presidenciais de uma maneira geral mas nas principais cidades, sobretudo em São Paulo, são-no em parte, sim”, defende ao DN o politólogo Paulo Ramírez, da Escola Superior de Propaganda e Marketing. 

Lula, que viu em 2020 o candidato do PT em São Paulo ser copiosamente derrotado à primeira volta, desta vez está com Guilherme Boulos, do esquerdista PSOL, o segundo mais votado há quatro anos. Ao partido do presidente coube, em troca do apoio, a nomeação da candidata a vice-prefeita, a sexóloga Marta Suplicy, ex-prefeita da cidade mas malvista em setores do próprio partido por ter defendido o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Bolsonaro, por sua vez, pediu o voto em Ricardo Nunes (MDB), o atual prefeito, que herdou o cargo de Bruno Covas, o vencedor em 2020 que acabaria por morrer em 2021, vítima de cancro. E, como Lula, também pôde indicar o candidato a vice, o companheiro de partido Mello Araújo, coronel da polícia militar.

Nunes, porém, mesmo sendo conservador de direita, é visto como uma figura apagada por faixas do chamado “bolsonarismo raiz” que, aparentemente, preferia que o ex-presidente tivesse apoiado Pablo Marçal, do PRTB, um coach que soma 24% na sondagem do instituto Datafolha de 3 de outubro. Boulos lidera com 26% e Nunes tem os mesmos 24% do coach.
Marçal, um agitador na campanha, disse que caso fosse eleito mandaria prender Nunes, por envolvimento, não provado, num esquema de desvio de merendas escolares, acusou Boulos, antes de ser obrigado a desmentir-se, de ser utilizador de cocaína, sugeriu que Tabata Amaral (PDT), quarta nas sondagens, contribuiu para o suicídio do pai e trouxe à tona um caso de assédio sexual, entretanto arquivado, de José Luiz Datena (PSDB), quinto nas pesquisas. Este último ataque gerou o momento mais tenso da campanha - provocado, Datena atirou uma cadeira ao rival num debate na TV.

O atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, é apoiado por Bolsonaro.

“O candidato Nunes é mais moderado mas não quer desperdiçar o capital de votos do bolsonarismo, o que o levou a uma campanha meio bipolar, já Marçal é espalhafatoso, de ultradireita, na verdade, a inelegibilidade de Bolsonaro levou a uma fragmentação à direita”, observa Ramírez. “Esses candidatos sabem que o centro moderado, não só em São Paulo mas no Brasil em geral, é quem decide as eleições, Lula, aliás, falou ao centro na campanha e hoje governa ao centro, mas sabem também que Bolsonaro somou 50 milhões de votos em 2022 que não se podem desperdiçar...”, completa.
Rio e outros pólos

No Rio de Janeiro, o atual prefeito Eduardo Paes (PSD) tem a reeleição próxima, segundo as sondagens, ultrapassando, em parte delas, os 50% já na primeira volta. Paes, que já foi prefeito de 2009 a 2016 e voltou ao cargo em 2020, tem o apoio de dez partidos, entre os quais o PT, de Lula.

O principal opositor, na casa dos 20 a 25 pontos nas últimas sondagens, é o deputado federal Alexandre Ramagem, do PL, de Bolsonaro, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (o equivalente ao SIS).

Nas demais 101 cidades acima de 200 mil habitantes, as únicas em que, por lei, está prevista segunda volta caso nenhum candidato supere os 50%, o PL, partido que abriga Bolsonaro, é competitivo em 18 e o PT, de Lula, em 11, de acordo com levantamento do site Poder360, com base em sondagens locais.

São, entretanto, os partidos de centro-direita que devem, como em 2020, ganhar mais prefeituras no país. União Brasil, PSD, MDB e PP, do chamado “centrão”, grupo de formações que em troca de cargos e fatias do orçamento apoia todos os governos - incluindo o de Bolsonaro e o de Lula - estão ao lado do PL, no top-5 dos partidos com mais líderes de sondagens.

Geringonças desse tipo, aliás, são muito comuns no Brasil: o PT, de Lula, e o PL, onde milita Bolsonaro, concorrem juntos em 85 cidades. Em 12, o candidato a prefeito é do PL, apoiado pelo PT, em três é do PT, apoiado pelo PL, e em 70 é de outro partido, apoiado por ambos, como em São Luís, capital do Maranhão, onde Duarte Junior, do PSB, conseguiu reunir 12 formações numa coligação, entre as quais PT e PL.

“Muito maior do que as nossas diferenças é a nossa vontade de resolver os reais problemas de São Luís”, disse o candidato na convenção que o ratificou, citado pela revista Veja. Na plateia estava André Fufuca (PP), apoiante fervoroso de Bolsonaro nas últimas eleições mas ministro do Desporto de Lula desde setembro de 2023. 

“As alianças PT-PL não são de estranhar, enquanto Lula tem uma trajetória, de facto, identificada com o PT desde a sua origem, Bolsonaro passou por muitos partidos e o bolsonarismo não é um movimento conotado com um só, aliás, o PL, onde ele milita, é do [presidente partidário] Valdemar Costa Neto, cujo interesse maior nestas eleições é ganhar prefeituras”, diz ao DN a politóloga Mayra Goulart, da UFRJ.

“Nas megalópoles, como Rio e São Paulo, há a presença de um discurso nacional, mais polarizado entre Lula e Bolsonaro, mas nas cidades menores, não. Há portanto uma certa desvinculação dos pleitos municipais do pleito nacional, a preferência do eleitorado nas municipais é por lideranças, trajetórias e discursos locais”.

A proximidade com o eleitor é tanta que muitos candidatos concorrem com as alcunhas, algumas com o colorido típico do Brasil, pelas quais são conhecidos. Como por exemplo, 100 Mizéria, Casca de Bala, Orlando Cannabis, George o Gordinho da Favela, Keila Acaba Não Mundão, Aonde É, A negona que cuida de nós, Tom Tico Mico, Seu Amigo Mimica, Alaide obrigada de nada, Capitão América de Paula, Alemão du Gás TchêTchêTcheeee, Leninha Delicinha, Rosinaldo Já Morreu, Receba na Caixa dos Peitos, Bora Bill, Madonna, Piscou Não Viu, Pinto Louco, Soneca Paredão, Gato Velho e muitas outras.

15 CANDIDATOS FORAM ASSASSINADOS

Estudo contabiliza 455 casos de violência política em 2024, dos quais 173 contra concorrentes às eleições municipais.

Marcelo Oliveira, prefeito de João Dias, município com cerca de 2600 habitantes no interior do Rio Grande do Norte, foi morto num atentado a tiros no dia 29 de agosto que vitimou também o seu pai. A polícia, que já prendeu quatro homens, três deles ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa do Brasil, recusa-se para já a confirmar aquilo que se comenta nas ruas da cidade - que foi a vice-prefeita Damária Jácome, cujas ligações familiares ao PCC já lhe valeram condenação por extorsão, a mandante do crime.    

Enquanto Damária está foragida, Fatinha do Marcelo, mulher de Marcelo, assume a candidatura e Jessê Oliveira, irmão de Marcelo, a prefeitura. Dez pessoas com armas ilegais também foram detidas por, segundo a polícia, pretenderem vingar a morte do prefeito. O sufrágio, por decisão da justiça, mantém-se hoje.

E o caso de João Dias é apenas mais um: segundo dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, houve 455 casos de violência contra lideranças políticas no Brasil em 2024, dos quais 173 contra candidatos formais às eleições de 2024. E, entre eles, 15 homicídios.

Além de Marcelo Oliveira, também Thiago Costa, pré-candidato a prefeito de Guarujá, São Paulo, foi assassinado a tiros num evento de confraternização no bairro de Vicente de Carvalho, a poucos metros do local onde Edgar dos Reis, pré-candidato a vereador da cidade, acabaria executado por atiradores não identificados.

Lukas Machado, candidato à prefeitura de Itatinga, em São Paulo, foi encontrado morto por familiares sem sinais de violência mas vestígios de drogas que levaram à detenção de um homem. E Joãozinho Fernandes, candidato a vereador no município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, foi assassinado a tiro.

Em governador Lindenberg, no Espírito Santo, ocorreu o assassinato do candidato à reeleição Leomar Cazotti, durante evento político. Já o corpo de Luís Barbosa, candidato a vereador em Santo André, arredores de São Paulo, foi encontrado dentro de um carro, com as mãos e o pescoço amarrados por uma corda, com sinais de estrangulamento, a 24 de setembro.

Entretanto, há 61 candidatos com mandatos de prisão em aberto, nalguns casos por violação de menores, de tráfico de droga e em três situações por homicídio.

Ou seja, Lamarão, na Bahia, Paudalho, em Pernambuco, e Varzelândia, em Minas Gerais, podem ter hoje três suspeitos de assassinato eleitos: Djalma da Laranjeira, alvo de prisão preventiva por um homicídio ocorrido em São Paulo em 2016, que, diz o advogado do candidato, o seu cliente desconhecia; Jobson Melo, alvo de prisão desde 3 de setembro numa investigação por homicídio em que ele alega ter agido em legítima defesa: e Nelson Guará, alvo de pedido de prisão expedido em 1997 e renovado em 2024 por um homicídio após discussão num bar.

O candidato Celmar Mucke, por sua vez, já foi mesmo condenado a nove anos de prisão por violação de vulnerável mas concorre a vereador de Tupanci do Sul, no Rio Grande do Sul.

NÚMEROS

156 000 000
Eleitores aptos a votar nos 5569 municípios de todos os 26 estados do país

463 000
Candidatos a prefeitos, vice-prefeitos e vereadores Brasil afora

103
Cidades com mais de 200 mil habitantes, únicas em que pode haver segunda volta; nas demais, o mais votado à primeira, ganha mesmo com menos de 50%

9 300 000
Eleitores de São Paulo, a maior cidade e aquela onde a política nacional mais se reflete

26% e 24%
Percentagem de votos atribuídos a Boulos, o candidato de Lula, e a Nunes, apoiado por Bolsonaro, nas eleições em São Paulo

53%
Eduardo Paes, candidato à reeleição no Rio de Janeiro, aparece com números a rondar a maioria absoluta logo à primeira volta

85
Cidades em que PT, de Lula, e PL, de Bolsonaro, apoiam a mesma candidatura

173
Os casos de violência contra candidatos, segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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