Marrocos e Espanha assinalam "nova etapa" nas relações, apesar de Mohammed VI não receber Sánchez

Primeiro-ministro espanhol levou 12 ministros a Rabat, nenhum deles da ala mais à esquerda do governo que não concordou com mudança política em relação ao Saara Ocidental.

Imigração, segurança ou economia são os temas na agenda da Reunião de Alto Nível entre Marrocos e Espanha, a primeira que se celebra desde 2015 e que abre a porta a uma "nova etapa" nas relações entre os dois países - após anos de crises diplomáticas marcadas pela questão do Saara Ocidental. Mas a visita a Rabat do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, fica marcada pela ausência de um encontro oficial com o rei marroquino, Mohammed VI, tendo ambos falado só por telefone.

Na agenda da visita, que termina hoje, nunca esteve oficialmente um encontro entre os dois líderes, mas deixava-se em aberto que este pudesse ocorrer. Contudo, segundo a EFE, o rei marroquino não está em Marrocos, tendo no telefonema convidado o primeiro-ministro a regressar a Rabat para uma visita oficial. Sánchez, que já tinha sido recebido por Mohammed VI em abril do ano passado, após o fim da crise diplomática entre os dois países, aceitou o convite.

No telefonema, que terá durado 30 minutos, os dois líderes acordaram "continuar a impulsionar a relação entre os dois países" e concordaram que a Reunião de Alto Nível "será um êxito, contribuindo assim para consolidar a nova etapa das relações", segundo o comunicado do Governo espanhol.

Ainda assim, a oposição espanhola considerou humilhante o facto de o monarca não receber o primeiro-ministro. "Não há maior humilhação do que ceder tudo diante de Marrocos, ir com meio Governo dar satisfações, retratar-te diante do Parlamento Europeu, e que o rei não te receba e te conformes que te atenda o telefone", escreveu no Twitter o vice-secretário geral do Partido Popular, Esteban González Pons. O governo retirou importância ao caso, lembrando que a reunião é entre governos - Sánchez foi recebido, logo no aeroporto, pelo homólogo marroquino, Aziz Akhannouch.

Origem da crise

As relações entre Espanha e Marrocos deterioraram-se por causa do Saara Ocidental. Espanha, que continua a ser considerada a potência administrativa da antiga colónia que abandonou em 1975, defendeu durante muito tempo que o controlo de Marrocos sobre o território era uma ocupação e que a realização de um referendo patrocinado pela ONU deveria ser a forma de decidir a descolonização.

Mas desde que, em dezembro de 2020, o então presidente norte-americano Donald Trump reconheceu a soberania marroquina sobre o Saara Ocidental, que Rabat tem mantido uma política mais agressiva em relação ao tema. As Reuniões de Alto Nível com Espanha, que era suposto serem anuais desde a assinatura do tratado de amizade em 1993, foram canceladas nos últimos anos.

O problema agravou-se quando, em abril de 2021, o líder da Frente Polisário (que defende a independência do território) e da República Árabe Sarauí Democrática, Brahim Ghali, foi hospitalizado em Espanha com covid-19, sob nome falso. Quando a situação foi revelada, o governo espanhol alegou que o fez por "razões humanitárias".

Mas, para Rabat, o mal estava feito. Marrocos respondeu em maio com a entrada massiva de imigrantes ilegais em Ceuta e Melilla - cerca de oito mil em dois dias -, sem que as suas forças de segurança tivessem feito algo para o evitar.

A relação entre Espanha e Marrocos só melhorou depois de Sánchez, em março do ano passado, enviar uma carta ao rei marroquino, em que considerava a proposta de autonomia apresentada por Rabat em 2007 como a base "mais série, credível e realista" para resolver o conflito no Saara Ocidental. Na prática, o primeiro-ministro espanhol reverteu a política espanhola em relação ao território, o que não agradou dentro da própria coligação de governo - razão pela qual Sánchez viajou ontem para Rabat com 12 ministros, mas nenhum deles da Unidas Podemos.

O primeiro-ministro marroquino reconheceu que as relações bilaterais estão hoje numa nova fase "graças ao apoio" de Sánchez "ao plano de autonomia" para o Saara Ocidental. "A Espanha teve a coragem de adotar uma visão histórica e realista, que aqui valorizamos", afirmou numa intervenção durante o fórum empresarial, que antecedeu a Reunião de Alto Nível.

Acordos

Um dos objetivos de Espanha nesta reunião é a reativação das rotas de expulsão dos migrantes que entram irregularmente no país - apesar de o número dos ilegais que chegam ter caído 25%, os marroquinos ainda eram 42% dos que entraram ilegalmente em 2022. O governo espanhol quer também reforçar a troca de informação em questões de segurança, nomeadamente terrorismo ou crime organizado. A reunião surge depois de um jovem marroquino de 25 anos, em situação irregular, ter morto um sacristão em Algeciras, no que as autoridades consideram um atentado terrorista. Um ataque que Marrocos condenou.

Em matéria económica, Espanha é o principal sócio económico de Marrocos, sendo um dos temas importantes a passagem de mercadorias pelas fronteiras terrestres de Ceuta e Melilla. O executivo espanhol já disse que quer antecipar a abertura das alfândegas comerciais dos dois enclaves, mas não deu uma data exata.

susana.f.salvador@dn.pt

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