"Manter a unidade na diversidade está no ADN de Singapura”
"Não descreveria a relação entre os Estados Unidos e a China como de inimizade. Penso que é uma relação entre duas superpotências num momento muito delicado”, diz, em entrevista ao DN, TSF e Lusa, Vivian Balakrishnan, ministro dos Negócios Estrangeiros de Singapura, uma cidade-Estado que tem uma relação próxima com os americanos (até de segurança), mas cuja maioria da população é de origem chinesa. Balakrishnan está de visita a Portugal, tendo participado no Seminário Diplomático, em Lisboa, e lançado na Nova SBE de Carcavelos, juntamente com o homólogo João Gomes Cravinho, a Aliança para a Inovação Portugal-Singapura.
“A América é o último herdeiro da Revolução Industrial e da Era do Iluminismo. E no final da Segunda Guerra Mundial, a América representava cerca de 40% da riqueza mundial. Entre o final da Segunda Guerra e a queda do Muro de Berlim, a Guerra Fria, houve competição entre o chamado Mundo Livre e o Bloco Comunista. Mas com a desagregação da União Soviética, todos vimos que o comunismo, como paradigma económico, não funciona. Passámos a uma era unipolar, em que a América era a hiperpotência, na realidade a única superpotência, por longa margem. Agora estamos num momento de transição. A China, especialmente depois das reformas económicas, e ainda mais nestes 20 anos desde a entrada na OMC, tornou-se competitiva e, num certo sentido, regressou à trajetória que historicamente sempre teve nos últimos dois mil anos. Então, o momento é delicado, pois temos uma hiperpotência e uma superpotência em ascensão, que em virtude do tamanho, do engenho do seu povo, da organização da sua sociedade e economia, é capaz de competir como igual com os Estados Unidos”, acrescenta o ministro singapuriano, que, no entanto, não vê um conflito entre Washington e Pequim como algo inevitável.
Para Balakrishnan, “América e China podem chegar a um entendimento. Não têm necessariamente de concordar com tudo, isso é impossível, mas devem respeitar-se uma à outra, procurando oportunidades para colaborar. Devem também prevenir que as áreas de desentendimento não escalem e fiquem fora de controlo. Essa é a fase em que estamos agora. De competição mas não de inimizade”.
Balakrishnan sublinha que ,“se a relação entre a América e a China correr mal, se as tensões aumentarem, ou até houver conflito, acidental ou de outra natureza, teremos um mundo muito, muito difícil para Singapura, e diria também para Portugal” e, no fundo, para o mundo em geral.
O chefe da diplomacia singapuriana, no cargo desde 2015, faz questão, porém, de insistir que nada obriga a conflito e, dos seus contactos com as lideranças - tanto em Washington, como em Pequim -, entende que “nenhum dos lados procura deliberadamente a confrontação”.
Com pouco mais de cinco milhões de habitantes, Singapura é um caso de sucesso desde a independência, em 1965, quando se separou da Malásia, país de maioria étnica malaia, de religião muçulmana. O PIB é superior ao português e a cidade-Estado, localizada numa ilha que é o extremo sul da Eurásia (como sublinhou o ministro, que incluiu na agenda da visita uma ida ao Cabo da Roca, o ponto mais ocidental dessa mesma Eurásia) tem uma grande pujança como centro financeiro e comercial. Os Estados Unidos são o maior investidor tradicionalmente, mas a ascensão da economia chinesa nas últimas décadas ofereceu também grandes oportunidades de investimento e de comércio a Singapura.
Durante a palestra que deu no Seminário Diplomático, na quinta-feira, Balakrishnan admitiu que o seu país beneficiou muito da Pax Americana e, depois, também com a ascensão chinesa e, por isso, a preocupação com as novas rivalidades geopolíticas, muito sentidas no Sudeste Asiático.
Também realçou que esta é uma região com 650 milhões de pessoas, um PIB de 3,5 biliões de dólares que duplicará e até quadruplicará nas próximas duas ou três décadas, e uma população na sua maioria com menos de 30 anos, o que fará dela uma área de grande prosperidade se houver paz. Também alertou para a importância da liberdade de navegação, sobretudo para países marítimos como o seu e Portugal, e daí a preocupação com os ataques recentes dos rebeldes hutis do Iémen a navios mercantes no Mar Vermelho. Fez, nesse contexto da responsabilidade global pela liberdade dos mares, uma referência ao Porto de Sines, onde a empresa singapuriana PSA atua. Aliás, em termos de investimentos no âmbito bilateral, falou também de a EDP estar a usar Singapura como base para uma estratégia de implantação e expansão na Ásia.
A dado momento da entrevista, segurando numa pequena caravela em metal que estava numa mesinha próxima, Balakrishnan falou do passado marítimo de Portugal, de como há 500 anos o uso da tecnologia levou os navios portugueses até ao Índico e ao Pacífico, havendo múltiplos vestígios desses contactos, seja na gastronomia, seja nas línguas. Falou até de como o legado português era visível em Malaca, na Malásia, e da proximidade cultural de Portugal com Timor-Leste. Afirmando-se próximo de Xanana Gusmão, de Ramos-Horta e de outros líderes históricos timorenses, garantiu ser favorável à adesão do país lusófono à ASEAN, a associação das nações do Sudeste Asiático.
Nascido em 1961, de pai de etnia tamil e de mãe de origem chinesa, Balakrishnan é oftalmologista de profissão, apesar de ocupar cargos ministeriais desde 2004. Questionado sobre as razões de sucesso do país - onde uma maioria de origem chinesa chegada na era colonial britânica coexiste com uma minoria indiana (também vinda no tempo da Singapura britânica) e ainda uma minoria malaia, os habitantes originais da ilha - o ministro lembra a importância do pai fundador, Lee Kuan Yew, que liderou o país desde a independência, em 1965, até 1990: “O seu legado está muito presente. Absolutamente. É importante entender Singapura. Não tivemos uma guerra de independência. Ao contrário de Portugal, não temos quase mil anos de história. Este ano celebraremos 59 anos de independência. E não tivemos uma guerra da independência por que ninguém acreditava que Singapura era viável. Uma cidade-Estado, sem território em redor, sem recursos naturais, com uma população de imigrantes de diversas origens. Tornámo-nos independentes por termos sido expulsos da Malásia. E teve tudo que ver com raça, língua e religião. Assim, gerir de forma justa raça, língua e religião, manter a unidade na diversidade, ser respeitador das diferenças, está no nosso ADN.”
A isso, a liderança singapuriana acrescentou o desenvolvimento económico e um sentido de preservação geopolítica, que tem passado de primeiro-ministro para primeiro-ministro. No final deste ano está prevista a passagem de poder de Lee Hsien Loong para Lawrence Wong, de modo a preparar as eleições de 2025, em que o Partido da Ação Popular é um vencedor antecipado, pois governa desde sempre com amplíssima maioria.
Sobre este quarto líder que aí vem, o atual vice-primeiro-ministro, Balakrishnan diz : “É um colega de Governo, um político experiente, um homem bom, um homem honesto, humanista, e a sua capacidade de liderança foi demonstrada durante a pandemia de covid. O seu primeiro desafio, quando assumir o cargo, será ganhar o apoio dos cidadãos singapurianos. E continuar a fazer aquilo que sabe bem e que é o nosso desafio perene: número um, manter a unidade na diversidade; dois, manter uma avaliação constante do ambiente externo em redor de Singapura e o que importa ao país e perceber-se o que acontece no mundo de forma a tomarmos as melhores decisões; e em terceiro, continuar a desenvolver a economia num momento em que surgem novas tecnologias, a IA, a biologia sintética, as energias renováveis. Somos muito pequenos, vulneráveis, temos de manter grande sabedoria política.”