Mandetta acusa atitude de Bolsonaro de ter "impacto negativo" na pandemia

Ministro da Saúde até abril de 2020, Luiz Henrique Mandetta foi ouvido em CPI que apura responsabilidades do governo nos mais de 400 mil mortos. "Vi documento no Planalto a mandar colocar nas bulas da cloroquina que era indicada para a doença", afirmou.
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O primeiro dos quatro ministros da Saúde do governo Jair Bolsonaro disse ser "constrangedor" falar sobre a pandemia com o presidente da República. Luiz Henrique Mandetta, que saiu do cargo em abril do ano passado, foi a primeira testemunha, ouvida nesta terça-feira (dia 4), da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura a responsabilidade do governo nos mais de 400 mil mortos por decorrência de covid-19 no Brasil.

Mandetta, médico ortopedista cuja prestação no cargo no início da pandemia o tornou presidenciável em 2022, afirmou que "era muito constrangedor explicar porque o ministério estava indo por um caminho e o presidente por outro". "O que havia ali era um outro caminho, que ele decidiu, não sei se através da opinião de outras pessoas, ou por conta própria", que causava, continuou, "um mal estar".

Para o ex-ministro, Bolsonaro via-o "como o mensageiro de más notícias". "Mas se eu acreditasse naquelas teorias [de que o vírus nem chegaria ao Brasil] teríamos uma carnificina", finalizou.

Depois da demissão de Mandetta, assumiu o cargo o oncologista Nelson Teich, também ouvido ontem na CPI já depois do fecho desta edição, que se demitiria após um mês. De junho de 2020 a março de 2021, o ministério esteve sob a gestão do general paraquedista Eduardo Pazuello, alinhado a Bolsonaro e considerado o principal alvo da CPI. Desgastado, foi também trocado pelo cardiologista Marcelo Queiroga, o atual titular.

"Nós não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência. [...] Agora, a posteriori, nós vimos pararem muitas coisas e não colocarem outras no lugar, a testagem é uma delas", continuou Mandetta.

O ex-ministro também se referiu à opção de Bolsonaro pelo uso da cloroquina, medicamento cuja eficácia não é garantida cientificamente. "A cloroquina é um medicamento e, como todos os medicamentos, tem uma série de reações adversas e uma série de cuidados que tem que se ter. A automedicação pode ser muito, muito perigosa para as pessoas". Na sequência, revelou ter visto "um documento no Planalto a mandar colocar nas bulas da cloroquina que era indicada para a doença".

Confrontado por senadores próximos de Bolsonaro se a sua atuação desde o início da pandemia foi a mais adequada, Mandetta garantiu: "Todas as recomendações, as fiz. Em público, nos boletins, nos Conselhos de Ministros, diretamente ao presidente, a todos os secretários de Saúde". "Nunca tive discussão áspera [com o presidente], mas sempre coloquei as recomendações de maneira muito clara", sublinhou.

A participação de Bolsonaro em ajuntamentos, sem máscara, prejudicou o combate à doença, disse ainda Mandetta. "Sim, a atitude do presidente trouxe um impacto negativo. Você tem que ter, na pandemia, um discurso único. Esse vírus ataca a sociedade como um todo. Ele ataca o sistema de saúde a ponto de derrubá-lo".

Políticos alinhados ou na oposição ao governo foram comentando o teor do debate ao longo do dia. Guilherme Boulos, candidato à presidência em 2018 pelo PSOL, de esquerda, destacou a inclusão da covid na bula da cloroquina. "Bolsonaro queria incluir covid na bula da cloroquina mesmo sabendo que era ineficaz? Por que Teich foi demitido em menos de um mês? Quantas vacinas foram descartadas? Hoje começa a CPI que pode derrubar o cobarde genocida".

Vereador do Rio de Janeiro e segundo filho do presidente da República, Carlos Bolsonaro chamou Mandetta de mentiroso, sem o nomear. "Festival de mentiras. Circo boçal de narrativas. Se a lei valesse de verdade, um sujeito que se preza mentir descaradamente onde a lei diz que não deveria, sair preso desse local era o esperado em um país sério! Mas vivemos no Brasil onde tudo acontece ao contrário!".

PAZUELLO AUSENTE?

Esta quarta-feira, dia 5, é considerado o dia mais quente da CPI por estar prevista a audição, todo o dia, do ex-ministro Pazuello, no cargo de junho de 2020 até março deste ano. No entanto, surgiu ao início da tarde a notícia de que o general paraquedista teria pedido dispensa por ter tido contato com dois coronéis com covid.

"Então mas ele anda sem máscara em centros comerciais e não pode vir?", reagiu de imediato a senadora Eliziane Gama, do Cidadania. Entendimento parecido com a do presidente do Partido dos Trabalhadores: "Quer dizer que Pazuello pode não ir à CPI da Pandemia por suspeita de covid? E ele acredita em covid? Não estava desfilando sem máscara no shopping? Vamos providenciar o teste para ele. Se der positivo, faz interrogatório virtual. Se der negativo, ele comparece!".

A CPI, expediente que já levou à queda de um presidente no Brasil, Collor de Mello, tem 90 dias de prazo.

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