Majid Tafreshi: “O respeito pelo direito internacional, pela paz e pela segurança são símbolos do Irão”
O ministro das Informações Ismail Khatib disse ter obtido milhares de páginas de informações sobre o programa nuclear de Israel. Quão importantes são esses documentos?
Como ele disse, são muito valiosos. Se Israel não fosse uma ameaça para a comunidade internacional, para o Médio Oriente e também para o Irão, então esta informação não seria muito importante. Mas quando existe uma ameaça e ela vai violar a paz e a segurança na região e no mundo, então definitivamente este tipo de informação deve ser valioso.
O que pode dizer mais sobre o caso?
Indica o quanto os iranianos são poderosos em proteger o seu próprio país. Esta informação não é para atacar nenhum país, é para proteger o nosso. Veja o que eles fizeram contra a paz e a segurança no nosso país. Assassinaram os nossos convidados [Ismail Haniyeh, líder do Hamas]. Às vezes, eles têm atividades terroristas no Irão. Aqueles que gostariam de ser nossos vizinhos devem ter um padrão mínimo de humanidade e boa governação.
Um relatório da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) conclui que o programa nuclear do Irão está a enriquecer urânio a 60%, um pequeno passo técnico em relação ao nível de armas, e em quantidades suficientes para fabricar várias. Para produzir energia, basta enriquecer urânio a 3,67%. Qual é o objetivo de enriquecer a esse nível?
O enriquecimento é uma questão de necessidade. Temos diferentes tipos de uso da energia pacífica nas nossas indústrias. O importante é que a AIEA não deve ser refém nas mãos de alguns países. Os estatutos desta instituição são chamadas de Átomos para a Paz. Os Átomos para a Paz não limitam [o enriquecimento de urânio] a 50% ou 60%. Somos membros do Tratado de Não Proliferação (TNP). Israel não é. Nós estamos comprometidos. É muito ridículo que aqueles que são membros do TNP sejam punidos por países não membros. Acredito que o que precisamos é, tal como a América do Sul, sermos capazes de ter uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente e, depois disso, sermos capazes de ter um mundo livre de armas nucleares. É importante que o TNP mude para uma ideia talvez nova: o desarmamento deve ter prioridade sobre a proliferação. Precisamos de um instrumento geral, abrangente e completo para criar confiança, com o objetivo de combater qualquer tipo de destruição em massa. O Irão continuará os seus esforços para uma resolução pacífica da questão nuclear. O que é muito importante é que não se pode obrigar um país a ignorar o seu direito. Se aceitarmos o pedido ilegal de não fazermos mais enriquecimento, isso significa que aceitámos a opinião [de que o Irão é um perigo] como legítima e que há o direito de estar preocupado e ansioso connosco. Não é verdade, não atacámos nenhum país nos últimos 250 anos, exceto em posição de defesa. A nossa terra foi ocupada por Saddam [Hussein], que recebeu apoio financeiro e logístico de muitos países ocidentais e de alguns países árabes. O que aconteceu? Defendemos a nossa terra sem usar armas químicas, mas fomos alvo dessas armas químicas doadas por países ocidentais, incluindo países europeus. O Irão é um país responsável com base na nossa cultura, religião e civilização. Todas estas questões já foram respondidas nos últimos 30 anos, e depois vemos que alguns países e, no topo da lista, os Estados Unidos, precisam de algum desafio e alguma instabilidade para justificar a presença na região. Penso que o mesmo se passa com a NATO e a Europa. Acho que a resolução regional, com base no Artigo 52 da Carta das Nações Unidas, é a melhor. Veja o Irão e o Iraque. O Iraque atacou o Irão, mas agora temos a melhor relação com o Iraque. Não temos outra escolha, entende? O Irão ou o Iraque são como a Espanha e Portugal. Mesmo que haja alguma disputa territorial, é preciso reconhecer-se mutuamente. É por isso que acredito que agora o Irão e a nossa região do Golfo Pérsico estão num momento muito bom para ter mais cooperação com a UE. Estamos a sofrer muito com os intervenientes externos.
O conselho de governadores da AIEA está reunido até sexta-feira. O Irão poderá ser censurado por incumprir as obrigações com os inspetores, correndo o país o risco de enfrentar ainda mais sanções. O Irão poderá virar as costas à AIEA?
Talvez sejamos os primeiros da lista [de cooperação]. Quando não se quer qualquer cooperação, pode-se fechar as fronteiras. Mas os inspetores estão no Irão milhares de horas, talvez. E continuam. O diretor da AIEA e aqueles que acreditam ser membros genuínos do conselho de governadores devem trabalhar com base nas realidades e no poder da lógica. O Irão coopera. Mas se eles virem qualquer potencial contra o Irão, isso terá uma reação relevante. O Irão, agora após o JCPOA [acordo nuclear assinado em 2015 e do qual se retirou os EUA e mais tarde o Irão], vê que preocupação teve Trump com a UE, com a China, com a Rússia? Disse unilateralmente que iria sair. O que aconteceu? Nada. O Irão continuou a sua cooperação com a AIEA. E a AIEA tem aqui uma posição muito importante agora. Deve defender os seus valores. Caso contrário, entrará em colapso. Esta instituição é muito importante. Não deve permitir que alguns países que violam os valores dos direitos humanos punam ou pressionem ilegalmente um lado. A AIEA deve manter-se firme. E especialmente o diretor-geral Rafael Grossi, que talvez esteja à procura de bons empregos no futuro, deve ser a favor da lógica e a favor do direito internacional e respeitar cada Estado-membro, incluindo o Irão.
“[Os EUA] sabem que não há ameaça. Mas precisam de obter mais leite da nossa região. Esse leite devia alimentar os povos do Golfo Pérsico e do Médio Oriente. Precisamos de desenvolver um modelo da UE na região do Golfo Pérsico.”
O Irão e os EUA alcançaram o que era impensável há um ano ao realizar conversações diretas. Após cinco rondas, pouco se sabe além do facto de que os EUA querem acabar com o enriquecimento de urânio do Irão. Estamos num beco sem saída?
Não creio, porque, como lhe disse, o enriquecimento de urânio não é de todo importante. Porque muitas dezenas de países estão a fazê-lo neste momento em todo o mundo. Porque é que o Irão não poderia ter o seu próprio enriquecimento e vendê-lo? Porque é que não poderíamos entrar no mercado de venda de urânio? Estes são os níveis de democracia e a autenticidade de um determinado país. O Irão pode fazer qualquer coisa nesta indústria. Mas quando não queremos, porque não está no nosso dicionário, não é útil, tal como as armas químicas não foram úteis durante oito anos de guerra imposta. Tal como atacar as cidades, as áreas urbanas [do Iraque] não foi útil, por isso não o fizemos. Estes são os símbolos do Irão, o respeito pelo direito internacional, pela paz e pela segurança.
O Irão está interessado no levantamento das sanções. Sem ser a questão do enriquecimento do urânio, o que pode o seu país oferecer em troca aos EUA?
Essa é uma decisão que cabe aos norte-americanos. Eles já sabem a resposta. Sabem que não há ameaça. Mas precisam de obter mais leite da nossa região e isso não é bom. Esse leite deveria alimentar os nossos povos na região do Golfo Pérsico e no Médio Oriente. Não precisamos de estar uns contra os outros. Somos o Irão, com 3000 anos de civilização, com um grande coração para todos. Precisamos, com base na Carta das Nações Unidas, de maximizar a cooperação com os países vizinhos e desenvolvermos um modelo da UE na região do Golfo Pérsico.
Donald Trump sugeriu que o presidente russo se juntasse à discussão com o Irão com o objetivo de impedir Teerão de obter armas nucleares. Acha que isso é um sinal positivo?
O Irão não precisa de ninguém para se envolver. Porque, como eu disse, se decidirmos fazer alguma coisa, faremos. Se decidirmos que não é a nossa política, não faremos. O que é importante? Concentrarmo-nos, como lhe disse, numa zona livre de armas nucleares é muito melhor. Temos uma resolução sobre uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente na Assembleia Geral da AIEA há duas décadas.
Os EUA não apresentaram nada para oferecer ao Irão até agora?
O que oferecem é aumentar mais as sanções e incluir mais pessoas nas sanções. É muito mau. Eles não têm lógica.
“Desejo que Portugal, com base no soft power, seja capaz de desempenhar um papel mais importante na resolução de disputas internacionais. Há mais hipóteses para Portugal em comparação com outros porque é mais genuíno e neutro.”
Mantém alguma esperança com estas negociações?
Esta é uma oportunidade muito boa para os Estados Unidos a agarrarem. Caso contrário, eles já experimentaram que a pressão contra o Irão tem um efeito negativo. Os iranianos têm 10 vezes mais do que toda a história dos Estados Unidos. Somos muito corajosos em defender os nossos valores. Queremos dizer: somos um país genuíno com o nível máximo de respeito pelo direito internacional, respeito pela humanidade. E devemos ser reconhecidos. O acesso à informação, o enriquecimento, os reatores, tudo isto o Irão já tem e deve ser reconhecido como um país nuclear capaz, mas um país que não quer seguir esse comportamento [de obter armas nucleares]. Se ignorarmos essa realidade, o resultado não será correto. É preciso reconhecer que o Irão é um país capaz em todos os campos e deve ser respeitado como outros no conselho de governadores da AIEA. De qualquer forma, desejo que Portugal, com base neste soft power, seja capaz de desempenhar um papel mais importante na resolução de disputas internacionais. Penso que poderia ser um centro para negociações mundiais. Se alguém tiver um problema, Portugal pode dizer: o nosso centro está aberto. A Zelensky, a Putin, ao Irão e aos EUA, e a outros. E podia cobrir parte do seu orçamento através dos órgãos de negociação, em vez de comprar tanques ou aviões. Acho que há mais hipóteses para Portugal em comparação com outros porque Portugal é mais genuíno e neutro. E é por isso que António Guterres está lá [secretário-geral da ONU], porque ele é principalmente de Portugal. Porque esta reputação precisa de ser reforçada.
Um relatório recente confirma a venda de tecnologia iraniana aos russos, por 2 mil milhões de dólares, a qual permite ataques diários à Ucrânia com centenas de drones. Como pode o Irão afirmar-se defensor dos palestinianos e, ao mesmo tempo, permitir que a sua tecnologia mate inocentes na Ucrânia?
Seguimos Portugal e a UE na Assembleia Geral. O nosso voto sobre a Ucrânia é o mesmo que o vosso. Nunca, jamais reconhecemos os territórios ocupados. Isso é um bom indício. O Irão nunca apoiou nenhum ataque porque já sofremos antes. Já sofremos com a guerra imposta pelo Iraque. Sabemos quão doloroso é. O Irão já se ofereceu para ser mediador. Mas é muito negativo que estejam a exagerar algo. Um país como a Rússia, que testou a bomba atómica, agora precisa do Irão. Exagerar o Irão aqui não resolve o problema da Ucrânia. Eles [ucranianos] e a UE precisam de compreender por que aconteceu tal catástrofe. Por que é preciso uma NATO maior? Acho que devem entrar em detalhes e resolver. Acredito que a questão entre a Rússia e a Ucrânia é parte da questão entre a Rússia e a UE, bem como entre a Rússia e a NATO, tudo isso deve ser resolvido de forma profunda. O Irão nunca apoia qualquer ataque contra civis. Nem na Ucrânia, nem em qualquer parte do mundo. Não estamos felizes com ninguém a matar na Ucrânia. A Ucrânia é um bom país, é um país importante. Gostaríamos que, o mais rápido possível, este país voltasse à sua posição normal e fosse uma parte importante da Europa e cooperasse connosco. É por isso que acredito que a história da Rússia e da Ucrânia não deve se concentrar no Irão.
Concorda que a Ucrânia tem o direito de fazer os seus próprios acordos de defesa?
A Ucrânia é um estado soberano. Por que não? A Ucrânia pode negociar com quem quiser, como os outros. Mas às vezes precisamos ser realistas. Creio, como advogado de direito internacional, que precisamos de analisar a questão no seu enquadramento. Penso que uma NATO maior, após o colapso da URSS, não é necessária. Quem são os principais membros da NATO? Quantos membros há na NATO e quantos são europeus? A política europeia de vizinhança por vezes não é a mesma que a da NATO. Porquê? Porque dois países não são europeus e a política externa resume-se às suas questões de defesa. A Europa não é uma ameaça para ninguém, é boa para o investimento. Por que razão devemos recorrer à militarização?