O líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Abdullah Öcalan, a cumprir pena de prisão perpétua desde 1999, apelou esta quinta-feira ao grupo que deponha as armas e se dissolva. Caso os militantes que defendem uma maior autonomia dos curdos aceitem o desafio, este será o fim de mais de 40 anos de guerra com a Turquia. Uma vitória para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que terá impacto para lá das suas fronteiras. “Convoquem o vosso Congresso e tomem uma decisão. Todos os grupos devem depor as armas e o PKK deve dissolver-se”, escreveu Öcalan numa mensagem lida por deputados do Partido Liberdade e Democracia (DEM, pró-curdo), que o visitaram na prisão de Imrali, numa ilha ao largo de Istambul. O septuagenário (terá 74 ou 75 anos), condenado inicialmente à morte por traição, apelou a uma nova “época de paz” e a uma “sociedade democrática”.O apelo de Öcalan surge depois de o parceiro de coligação de Erdogan, Devlet Bahçeli, líder do Partido Ação Nacionalista (extrema-direita), ter sugerido que o fundador do PKK poderia sair em liberdade condicional se o seu grupo renunciasse à violência e se dissolvesse. “Neste clima criado pelo apelo feito por Bahçeli, a vontade demonstrada pelo presidente e as abordagens positivas de outros partidos político, apelo a depor as armas e assumo a responsabilidade histórica deste chamamento”, indicou.O PKK, de ideologia marxista-leninista, foi criado em 1978, insurgindo-se a partir de 1984 contra a Turquia, com o objetivo de criar um Estado independentista curdo no sudeste do país. Mais de 40 mil pessoas morreram na guerra, a grande maioria militantes, mas o grupo foi também responsável por vários atentados, sendo considerado “terrorista” por Ancara, os EUA e a União Europeia. Ao longo dos anos, o PKK moderou a sua posição, pondo de lado as ideias separatistas a favor de uma maior autonomia. Öcalan justificou o apelo à dissolução dizendo que a identidade curda já não é negada na Turquia, mas pediu mais. “O respeito pelas identidades, a livre expressão, a auto-organização democrática de cada segmento da sociedade com base nas suas próprias estruturas socioeconómicas e políticas, só são possíveis através da existência de uma sociedade democrática e de um espaço político”, disse na sua carta.Erdogan não reagiu de imediato ao apelo de Öcalan, mas o vice-líder do seu Partido de Justiça e Desenvolvimento (AKP), Efkan Ala, disse que a Turquia ficará “livre das amarras” se o PKK se dissolver. Entre 2013 e 2015 já tinha havido uma tentativa de negociar a paz, sem sucesso.Erdogan considerou no passado que o conflito era “um dos últimos grandes obstáculos a bloquear o objetivo de uma grande e poderosa Turquia” e poderá beneficiar também politicamente. Além disso, o desenvolvimento poderá chegar finalmente ao sudeste do país. Mas os efeitos podem sentir-se também noutros países. O PKK tem a sua base na região do Curdistão, no norte do Iraque, com o presidente do governo regional, Nechirvan Barzani, a congratular-se com a mensagem de Öcalan. E está presente também na Síria, que está em plena transformação após a queda do regime de Bashar al-Assad. Mazloum Abdi, líder das Forças Democráticas da Síria (FDS) que ainda combatem os turcos ou grupos apoiados por Ancara nas zonas fronteiriças, falou numa declaração “histórica”, mas disse que nada tem a ver com o seu país. As Unidades de Proteção Popular (YPG), que pertencem às FDS e são aliadas dos EUA, podem contudo aceitar desmobilizar e facilitar a integração no novo governo sírio.