Tiros e explosões foram ouvidos ao longo do dia no centro de Goma, a capital da província de Kivu do Norte, na fronteira da República Democrática do Congo (RDC) com o Ruanda. Apesar das ordens para a população se manter dentro de portas, milhares fugiram da cidade e dos seus arredores, onde metade da população vivia em campos de refugiados. Segundo dados recolhidos nos hospitais pela AFP, os combates entre as forças governamentais, de um lado, e o Movimento Março 23 (M23) e soldados ruandeses, do outro, resultaram em pelo menos 17 mortos e 367 feridos, tendo o M23 reclamado a tomada de Goma. Com o avanço imparável dos rebeldes em direção à cidade com dois milhões de habitantes, no sábado morreram 13 militares dos 14 mil da missão de paz das Nações Unidas, e a ministra congolesa dos Negócios Estrangeiros, Thèrese Kayiwamba, equiparou o apoio do Ruanda ao M23 a “uma declaração de guerra”. .400 000Novos deslocados internos nas províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul desde o início do ano. Em meados de 2024, a ONU contabilizava 7,3 milhões de deslocados no leste do país..Vários analistas alertam para o perigo de o conflito se expandir entre Kinshasa e Kigali. No domingo, o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se de emergência, tendo condenado o “desrespeito descarado” da soberania e da integridade territorial congolesas por parte de “forças externas” que entraram na RDC. O secretário-geral, António Guterres, apelou para as forças ruandesas deixarem de apoiar o M23, e condenou a ação dos rebeldes. As organizações Comunidade da África Oriental e o Conselho de Paz da União Africana têm reuniões marcadas para as próximas horas para debater o tema. Já o francês Emmanuel Macron falou ao telefone com os seus homólogos, o congolês Félix Tshisekedi e o ruandês Paul Kagame, tendo pedido o “fim imediato da ofensiva do M23 e das forças ruandesas e a sua retirada do território congolês”. O líder ruandês -- que cancelou um encontro em dezembro com Tshisekedi sob os auspícios do angolano João Lourenço -- queria que os congoleses dialogassem diretamente com o M23, enquanto Kinshasa alega que o grupo armado, que terá até 6500 membros, só existe devido ao apoio do Ruanda..100Grupos armados no leste da RDC, entre os quais o M23, patrocinado pelo Ruanda, e as Forças Democráticas Aliadas, associadas ao Estado Islâmico. . Em 2012, o M23 tinha tomado Goma, mas então a pressão internacional terá funcionado. O grupo armado, composto por tutsis que abandonaram o exército congolês, alegando discriminação, manteve-se dormente até ao regresso à luta armada em 2022. Nas localidades sob o seu controlo, o M23 substitui os chefes tradicionais por militares e aplica um autogoverno, com especial ênfase no controlo dos recursos naturais. O leste da República Democrática do Congo (então ainda Zaire) absorveu dois milhões de refugiados hutus na ressaca do genocídio daquele grupo étnico aos tutsis, em 1994. Há dias, Donald Trump dizia que a guerra na Ucrânia é a maior carnificina desde a Segunda Guerra Mundial. Na realidade, o conflito mais mortífero foi a segunda guerra do Congo (entre 1998 e 2003), com mais de 5 milhões de vítimas. Desde 1996 que a paz passou a ser uma abstração naquela região, minada por mais de 100 milícias e pela corrida armada à exploração dos recursos naturais: além de extrair mais de dois terços do cobalto mundial, possui reservas de cobre, lítio, estanho, tântalo, coltan, ouro e diamantes, avaliadas em 24 biliões de dólares, segundo o Departamento do Comércio dos EUA. Muita riqueza para um dos cinco países mais pobres do mundo. As minas oficiais são controladas na maioria por empresas chinesas.