Lula vira à esquerda em reforma governamental
Lula da Silva escolheu na última segunda-feira, dia 10, Gleisi Hoffmann, até à véspera presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) e vista no Brasil como uma política muito à esquerda, para conduzir a sempre espinhosa pasta das Relações Institucionais com o, maioritariamente de direita, Congresso Nacional. O antecessor, Alexandre Padilha, também do PT, ruma para o ministério da Saúde, substituindo a independente Nísia Trindade. Dessa forma, o presidente da República afasta o governo do centro?
“Um governo com notória dificuldade na relação com o Congresso; que perdeu a confiança do mercado financeiro; e que assiste à queda acentuada de sua aprovação popular precisa mudar e o mais natural seria caminhar para o centro porque o Congresso está à direita do governo”, começa por dizer o economista Joel Pinheiro da Fonseca, comentador o canal GloboNews.
“Ao tirar Gleisi da presidência do PT e trazê-la para as Relações Institucionais, que negoceia com Congresso, estados e municípios, Lula dá a resposta contrária: caminha para longe do centro, para quem achava que já havia PT demais e frente ampla de menos neste novo governo Lula, as mudanças de ontem respondem: o governo acaba de ficar ainda mais petista porque Gleisi defende as bandeiras históricas do PT, desenvolvimentismo sem equilíbrio orçamental na economia, regime ao estilo bolivariano como ideal na política”, conclui.
Celso Rocha de Barros, autor do livro “PT, uma História”, discorda. “Nada indica que Gleisi tenha virado ministra porque Lula quer levar o governo para a esquerda”, escreve em artigo no jornal Folha de S. Paulo. Para o sociólogo, questões internas do PT justificam a entrada da ex-presidente do PT no executivo.
“Ela virou ministra para facilitar a vida da tendência moderada do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB) na eleição do novo presidente do PT. A CNB quer eleger Edinho Silva, ex-prefeito de Araraquara, como seu sucessor, é muito difícil que Edinho não se eleja, mas a disputa por cargos importantes na nova direção está acirrada. Lula espera que os aliados de Gleisi tornem a vida de Edinho mais fácil agora com ela como ministra”.
Apesar do apoio de Lula público a Edinho para a sucessão de Gleisi nas eleições do PT, outras correntes defendem os nomes do senador Humberto Costa, presidente interino, e dos deputados José Guimarães e Rui Falcão para a presidência da formação.
Na tomada de posse, Gleisi desviou-se do carimbo de radical. “Chego para somar foi essa missão que recebi e pretendo cumprir num governo de ampla coligação. Dialogando com as forças políticas do Congresso e as expressões da sociedade, as suas organizações e movimentos”, prometeu.
Uma das principais preocupações em torno do governo (e dos mercados) com a nomeação de Gleisi foi a relação com Fernando Haddad, ministro das Finanças. A nova titular das Relações Institucionais aprovou em dezembro de 2023, enquanto presidente do PT, uma resolução que chamava a proposta de contenção de gastos do ministro de “austericídio orçamental”.
Na posse, mudou de discurso. “Estarei aqui para ajudar a consolidar as pautas económicas que você conduz e que estão colocando o Brasil de volta na rota do emprego e do crescimento”, disse, dirigindo-se a Haddad, no centro da plateia.
“Mulher bonita”
Dias depois, foi a vez do próprio Lula sossegar os ânimos. “Eu quero mudar, restabelecer a relação com o Congresso, por isso eu coloquei essa mulher bonita para ministra das Relações Institucionais, eu não quero mais ter distância de vocês”, afirmou.
A declaração gerou críticas e aumentou o rol de gafes de Lula em discursos de improviso na chefia do seu terceiro governo. “É uma declaração machista e preconceituosa ao embutir a ideia de que uma mulher, por ser bonita, desempenharia melhor um papel de articulação política com o Congresso, de ampla maioria masculina, e excluir também as capacidades políticas e profissionais da ministra”, opinou Ana Flor, colunista do portal G1.
Com a chegada de Gleisi, o PT tem, ainda assim, menos da metade dos ministérios: 16 em 39. No total, num país onde as “geringonças” são comuns devido à fragmentação partidária e à ideologia elástica dos partidos de centro, 11 formações de direita, de centro e de esquerda estão representada.
As “geringonças” levaram, por exemplo, o Partido Liberal (PL), que hoje abriga Jair Bolsonaro, para os dois primeiros governos de Lula e os dois da sucessora Dilma Rousseff. José Alencar, vice-presidente de Lula de 2003 a 2010, militou no partido. E, por falar em vice-presidentes, o MDB, partido de Michel Temer, o vice que puxou o tapete a Dilma no processo de impeachment, está hoje de volta à coligação de Lula com três ministérios.
O governo Lula da Silva, entretanto, entrou na segunda metade do mandato rejeitado pela maioria dos brasileiros, de acordo com sondagens divulgadas em janeiro. O instituto PoderData revelou que 51% dos eleitores desaprovam a gestão, contra 42% que a dizem aprovar. Na pesquisa da Quaest, revelada dois dias antes, as respostas negativas chegaram a 49% e as positivas ficaram-se pelos 47%.