Lula assombra Bolsonaro e os candidatos de centro

Os presidenciáveis Ciro, Doria e Huck já sentem a asfixia eleitoral que resulta da surpreendente entrada na corrida presidencial de 2022 do antigo presidente. No Palácio do Planalto, a avaliação é de que Haddad seria mais fácil de bater

A possibilidade de Lula da Silva concorrer às eleições presidenciais de 2022 causou uma tempestade política no Brasil, com trovões a ressoar do Palácio do Alvorada, a residência oficial do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília, ao Nordeste, a sede de campanha de Ciro Gomes, passando por São Paulo, onde governa João Doria, e pelo Rio de Janeiro, onde mora Luciano Huck. Entretanto, onde uns viam uma intempérie, outros, nomeadamente o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, observavam um arco-íris de esperança.

Pelo meio, os cientistas políticos e outros observadores dividiram-se na análise: que a notícia da recuperação dos direitos políticos de Lula, presidente do Brasil de 2003 a 2010, é péssima para os pré-candidatos do centro-esquerda (Ciro Gomes) à centro-direita (Doria ou Huck), não há dúvida; e para Bolsonaro, será tão negativa assim?

"O espantalho predileto do eleitorado conservador do Brasil, pelo menos aquele que levou Jair Bolsonaro à presidência em 2018, está de volta ao campo da política: Luiz Inácio Lula da Silva", escreveu o analista Igor Gielow, no jornal Folha de S. Paulo. "Acossado por acusações que chegam a promoção de genocídio, enfrentando um levante de governadores com apoio ainda ensaiado no Congresso, o presidente irá se fiar no bom e velho antipetismo que o ajudou a chegar ao Palácio do Planalto", conclui.

Há, no entanto, opiniões distintas, como a da colunista do portal UOL e autora do livro "Tormenta", sobre os bastidores do governo Bolsonaro. "A notícia de que a "jararaca" [numa alusão à forma como o próprio Lula se definiu no dia em que detido para interrogatório pela primeira vez] poderia estar de volta ao páreo trouxe um clima soturno ao Palácio (...) Lá, a avaliação até ontem era de que o PT iria de Fernando Haddad -e que Haddad não iria muito longe. Os olhos dos assessores presidenciais estavam voltados para o nome que poderia unir o centro, captando forças da direita e da esquerda para fazer frente a Bolsonaro. Mas com Lula no radar tudo muda de figura."

No PT, por ora, o momento é de cautelosa comemoração. "A decisão não apagará a dor e a injustiça contra Lula, que ficou preso por 580 dias e não pôde disputar as eleições de 2018, mas que o importante é restabelecer os direitos políticos dele", resumiu Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, horas depois de Edson Fachin, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), ter decidido anular as condenações do antigo presidente no âmbito da Operação Lava Jato por considerar os tribunais de Curitiba incompetentes para o julgar.

"Eleição de 2022? O momento é de comemorar, não de falar da próxima eleição", concluiu Hoffmann.

"Comemorar a justiça"

Para Fernando Haddad, que concorreu em 2018 no lugar de Lula, então impossibilitado, e já fora nomeado pelo próprio antigo sindicalista como candidato em 2022 se as condições de inelegibilidade se mantivessem, "a justiça tem de ser comemorada". "Todas as vezes que falei do assunto [eleições de 2022] fiz a ressalva sobre a precedência de Lula, que sempre apoiei, a candidatura dele é uma decorrência natural", observou o candidato derrotado na segunda volta de há três anos.

Bolsonaro, por sua vez, atacou Fachin. "Ele sempre teve uma forte ligação ao PT, então não nos causou estranheza", disse em conversa com apoiantes à entrada do Palácio do Alvorada, onde reside. "As bandalheiras que esse governo fez, até podemos passar por cima do sítio em Atibaia e do apartamento, mas há desvios dentro do BNDES [bando de desenvolvimento estatal] na casa dos triliões de reais com obras fora do Brasil", acusou.

Noutro ponto da capital do país, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que "há muita espuma nesse chope ainda", ou seja, que ainda vai correr muita água por baixo da ponte. "Tem muita gente fazendo análise prospetiva por mera extrapolação de tendência, não se faz análise prospetiva assim. Tem que esperar todas as consequências, decorrências, tem ainda muita coisa para rolar, não se pode dizer assim, "ah, isso vai ser assim, assado, o presidente Bolsonaro não vai concorrer, o presidente Lula vai concorrer". Então temos que aguardar", opinou o general.

Entre os tais candidatos do centro - centro-esquerda e, sobretudo, centro-direita - cujas esperanças eleitorais, segundo a maioria, podem ter ficado asfixiadas, as reações foram semelhantes.

Bolsonaro não poupou críticas ao juiz Edson Fachin: "Ele sempre teve uma forte ligação ao PT então não nos causou estranheza".

Para Ciro Gomes, do PDT, de centro-esquerda, terceiro mais votado em 2018, "foi corrigida uma grande injustiça" com a decisão de Fachin. "Uma injustiça que eu denunciei ao longo desses anos todos, portanto, o processo é nulo e o Lula tem devolvidos os seus direitos políticos, isso eu acho bom para o Brasil, agora, a política vai dizer amanhã se é disso que o Brasil precisa, e eu acho muito improvável que a sociedade brasileira queira repetir aquela confrontação odienta, sectária, radicalizada que marcou a divisão da nação brasileira em 2018."

"Bolsonaristas radicais propagam a ideia de que ser contrário ao presidente é ser favorável a Lula, e vice-versa. A polarização favorece os extremistas, que destroem o país. O Brasil é muito maior do que Lula e Bolsonaro", escreveu, por sua vez, João Doria, o governador de São Paulo que em 2018 pediu o voto "BolsoDoria" (em Bolsonaro para a presidência e nele para o governo do estado mais rico do país) mas que ao longo dos últimos meses se tornou rival do ex-aliado por causa do combate à pandemia.

E para Luciano Huck, apresentador da TV Globo ainda sem partido mas a dar sinais claros de candidatura, "no Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto". "Na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça. É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é fato: figurinha repetida [cromo repetido] não completa álbum [caderneta]", continuou, aludindo a Lula.

Outras figuras empenhadas em encontrar uma terceira via entre o regresso de um governo de esquerda, de Lula, e mais quatro anos de extrema-direita, com Bolsonaro, alertaram contra o que chamam de "polarização".

Uma terceira via

"Com dois bandidos extremistas na disputa em 2022, o que fazer? Alguns dizem "escolher o menos pior, como em 2018". Pois eu digo: Não! Vamos trabalhar pela terceira via que possa restaurar a sanidade do país, defender a democracia e povo e não seus bolsos e suas famílias de criminosos", defendeu Joice Hasselmann, deputada do PSL, que de bolsonarista fanática passou a antibolsonarista ferrenha.

Kim Kataguiri, do DEM, um dos líderes do movimento que clamou nas ruas pela queda de Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, está entre os que acham que o retorno de Lula favorece Bolsonaro. "A única hipótese de Bolsonaro em 2022 é Lula e a única hipótese de Lula é Bolsonaro. Um só tem hipóteses de vencer se for para a segunda volta com alguém de rejeição semelhante. Brasil segue afundando em qualquer um dos cenários".

Em paralelo, a guerra jurídica prossegue: depois do juiz Fachin ter considerado que, ao declarar Curitiba incompetente para julgar Lula, ficaria esvaziada a ação da defesa do antigo presidente sobre suposta parcialidade de Sérgio Moro, outro membro do STF, Gilmar Mendes, decidiu colocar essa ação em discussão. Uma discussão que decorria à hora do fecho desta edição.

Perguntas e respostas

O que o juiz Edson Fachin decidiu e porque decidiu agora?

Decidiu anular as condenações de Lula na Lava-Jato em Curitiba (casos do apartamento tríplex e da quinta em Atibaia) por não envolverem diretamente a estatal Petrobras, foco daquela investigação, e reencaminhá-las para um novo juiz, em Brasília, escolhido por sorteio. Embora a defesa do antigo presidente defendesse esse entendimento já há cinco anos, o juiz ateve-se a uma ação apresentada só dia 3 de novembro do ano passado.

Lula foi inocentado?

Não, uma vez que Fachin não decidiu sobre o mérito dos processos mas apenas sobre a incompetência da sede (Curitiba) onde eles foram julgados.

Lula pode então candidatar-se e é favorito em 2022?

Como ele estava inelegível em virtude das condenações agora anuladas e não há tempo, até outubro de 2022, de ser novamente condenado em primeira e segunda instâncias e de perder os direitos políticos, pode candidatar-se. Segundo sondagem do instituto IPEC na véspera da decisão, 50% dos ouvidos disseram votar em Lula e 38% afirmaram preferir Bolsonaro.

Quem é Fachin?

Foi nomeado para o STF por Dilma Rousseff, em 2015, o que levou Jair Bolsonaro a acusa-lo nas últimas horas de "ligação forte ao PT". Na prática, no entanto, tem decidido sempre em sintonia com a Lava-Jato. A decisão de segunda-feira, aliás, é vista como mais um sinal dessa sintonia porque, ao tomá-la, considerou haver "perda de objeto" de uma outra ação da defesa de Lula a acusar Moro de parcialidade.

Mas o que decidiu, entretanto, Gilmar Mendes?

Que os cinco juízes da chamada Segunda Turma do STF devem, ao contrário do que interpretou Fachin, julgar essa suposta parcialidade de Moro. Caso Moro seja considerado parcial, além disso significar uma derrota pesada para o ex-juiz e uma vitória para Lula, todas as provas obtidas na Lava Jato ficam comprometidas.

E quem é Gilmar Mendes?

Nomeado em 2002 para o STF por Fernando Henrique Cardoso, nos últimos anos tem sido a voz mais crítica, dentro da suprema corte, dos métodos da Lava-Jato.

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