Lula ainda não tomou posse e esquerda já busca sucessor

Ao anunciar que não pretende recandidatar-se por causa da idade, o presidente eleito abriu discussão com quatro anos de antecedência. Haddad, Alckmin ou Tebet na calha. E não só.
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"Em 2026, eu vou estar com 81 anos, eu não vou ser um presidente a pensar em reeleição", disse Lula da Silva na campanha eleitoral deste ano. A frase funcionou como tiro de partida, com quatro anos de antecedência, para a corrida à sucessão ao presidente eleito na noite de 30 de outubro com 50,9% votos, contra 49,1% de Jair Bolsonaro. Os nomes naturais são os do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, do candidato derrotado à presidência em 2018, Fernando Haddad, e da terceira mais votada em outubro, Simone Tebet. Mas há mais.

Alckmin tem a seu favor o próprio cargo: o "vice", por tradição, é um candidato à sucessão em democracias, como a norte-americana, na qual a brasileira se inspira - John Adams, o primeiro vice-presidente dos Estados Unidos, tornou-se o segundo presidente do país, sucedendo a George Washington, e a prática foi se mantendo por quase 300 anos, com o vice George H. Bush a substituir Ronald Reagan, Al Gore a candidatar-se (e perder) após secundar Bill Clinton, ou o ex-vice Joe Biden, a suceder, com quatro anos de intervalo, a Barack Obama.

No Brasil, porém, os vices só chegaram ao poder pós-redemocratização de 1985 depois de eventos dramáticos - ascensão de José Sarney após morte de Tancredo Neves, e de Itamar Franco e Michel Temer na sequência dos impeachments de Collor de Mello e Dilma Rousseff.

Alckmin tem ainda a seu favor o protagonismo - Lula prometeu que ele será muito mais um "segundo presidente" do que um "vice decorativo" , a experiência - já foi candidato presidencial duas vezes e governou o poderoso estado de São Paulo por 12 anos, e o centrismo - mesmo filiado hoje ao esquerdista PSB, viveu a carreira política anterior toda no PSDB, de centro-direita.
"O PT não tem um nome óbvio para 2026 e, pela primeira vez, pode ser obrigado a apoiar uma grande coligação de centro e centro-esquerda", disse ao DN o cientista político Vinícius Rodrigues Vieira.

"Até porque, salvo o bolsonarismo boçal e o bolsonarismo branco que apoiam Bolsonaro independentemente de tudo, os bolsonarismos do boi, da bala e da bíblia não se ajoelham necessariamente a Bolsonaro, uniram-se a ele em nome meramente de um sentimento anti-PT e anti-Lula. Caso o sucessor do presidente eleito não seja Lula e não seja do PT, o boi, a bala e a bíblia tenderão a aderir com mais facilidade", completou.

Mas, para desilusão de Alckmin, o PT não deve desistir facilmente da possibilidade de indicar o sucessor de Lula. Nesse caso, o nome de Fernando Haddad, já no passado ungido pelo próprio fundador do partido como seu herdeiro político natural, emerge. Bacharel em direito, mestre em economia, doutor em filosofia, ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Haddad é considerado um dos quadros mais capacitados da esquerda. O seu currículo pode aumentar se se confirmar a nomeação nos próximos dias para o ministério da Fazenda (ex-Economia), a pasta, como de costume, sob a maioria dos holofotes.

Contra ele, a ideia de que é melhor ministro do que candidato - perdeu, em sequência, a prefeitura de São Paulo, em 2016, para João Doria, a presidência, em 2018, para Bolsonaro, e o governo paulista, em 2022, para Tarcísio de Freitas.

"Mas Haddad, mesmo sendo derrotado na disputa pelo governo de São Paulo, saiu como vencedor ao ajudar o projeto principal do PT, que era devolver Lula ao Planalto. Caso o ex-presidente ganhe, seu pupilo certamente ocupará um ministério de destaque - e preencherá de vez o posto, desde sempre vago, de sucessor natural de Lula", escreveu Daniel Pereira, na revista Veja.

Dentro do PT há, entretanto, outros nomes especulados à sucessão de Lula. A começar pelo de Gleisi Hoffmann, a combativa líder do partido, ou dos ex-governadores Wellington Dias, do Piauí, e Rui Costa, da Bahia, dois quadros que estarão, seguramente, no governo.

Flávio Dino, ex-governador do Maranhão, a quem parece destinada a pasta da Justiça, chegou a ser falado como alternativa a Lula nas últimas eleições, caso este não pudesse concorrer por razões judiciais. Hoje no PSB, o mesmo partido de Alckmin, volta à bolsa de apostas da sucessão.

Ainda fora do PT, destaque para o nome de Guilherme Boulos, do PSOL, equivalente brasileiro, grosso modo, ao Bloco de Esquerda. Eleito deputado federal com mais de um milhão de votos, é visto por alguns observadores como o herdeiro natural de Lula, pelo carisma e pela experiência acumulada (é líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, já se candidatou à presidência, à prefeitura de São Paulo e agora ao Congresso Nacional) com meros 40 anos.

Mas o nome "não petista" mais falado, além de Alckmin, é o de Simone Tebet, do MDB. Mais votada do que Ciro Gomes a 2 de outubro, a senadora foi considerada a maior revelação da campanha e abraçou o campo de Lula na segunda volta com paixão e liderança - foi dela a sugestão, acolhida, de que os apoiantes do candidato trocassem nas manifestações o encarnado do PT, repulsivo para parte do eleitorado de centro, pelo mais palatável branco.

Especulada para as pastas da Agricultura, por ser natural do Mato Grosso do Sul, estado ligado à área, e da Educação, por ser professora, já disse, no entanto, preferir um ministério de cariz social, nomeadamente o do Desenvolvimento Social.

Dirigentes do PT, no entanto, resistem à ideia. "A avaliação é que, ao comandar a pasta de orçamento multimilionário responsável pelo Bolsa Família, Tebet teria condições para criar conexões com a população de baixos rendimentos e, assim, elevar o seu capital político", escreveram Bianca Gomes e Sérgio Roxo no jornal Extra.

Se confirmado o regresso de Marina Silva, por outro lado, à pasta do Ambiente, a recém-eleita deputada pelo Rede e candidata presidencial em três ocasiões, também pode entrar na corrida à sucessão em 2026.

Entretanto, para se prever quem sucederá a Lula em 2026, um bom exercício é recuar a 2010, quando o então presidente, obedecendo à regra constitucional, não pôde concorrer a um terceiro mandato. Na altura, os nomes mais óbvios, José Dirceu, braço direito político, e Antonio Palocci, braço direito económico, acabaram fora da corrida por causa de escândalos, abrindo caminho a Dilma, muito atrás na bolsa de apostas - um sintoma de que, em política, tudo pode acontecer.

"Não sei como criar um novo líder, ele nasce", disse Lula, nas mesmas entrevistas em que afirmou não ser candidato daqui a quatro anos. Entretanto, da mesma forma que Fernando Henrique Cardoso jurou não se recandidatar e acabou a alterar a Constituição para o poder fazer em 1998, e Bolsonaro garantiu que seria presidente de um mandato só antes de tentar a reeleição, há sempre a hipótese de Lula, chegado a 2026, achar que, afinal, 81 anos não são nada.

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