Longe da vitória, Sunak tenta evitar “supermaioria” para Starmer
Em 1997, após 18 anos de governos conservadores, o jovem Tony Blair conseguiu uma maioria de 179 deputados no Parlamento britânico, a maior alguma vez alcançada pelos trabalhistas. Um recorde que Keir Starmer poderá esmagar esta quinta-feira, pondo fim a 14 anos de poder conservador, a confirmarem-se as sondagens. A última pesquisa do YouGov, revelada na quarta-feira, apontava para uma “supermaioria” de 212 deputados para o Labour. Apesar do cenário negativo, o primeiro-ministro Rishi Sunak continuava a acreditar e prometia “lutar por cada voto”. Apesar de, segundo o The Guardian, temer ser derrotado no seu próprio círculo eleitoral.
Desde dezembro de 2021, após rebentar o escândalo do partygate (as festas entre os conservadores em plena pandemia quando estes encontros estavam proibidos), que os trabalhistas lideram as sondagens - muitas vezes com mais 20 pontos de diferença para os Tories. Os escândalos custaram o cargo ao então primeiro-ministro Boris Johnson, depois as políticas económicas fizeram cair a sua sucessora Liz Truss (só durou 49 dias). Sunak tinha que convocar eleições até ao final de janeiro, mas resolveu apostar em legislativas em julho.
A campanha foi toda feita com a ideia de que os trabalhistas vão ganhar - e com uma maioria confortável - com os eleitores cansados das polémicas e de 14 anos de governos conservadores. “O meu receio, neste momento, é que as pessoas não sintam a necessidade de sair à rua e votar pela mudança. Isto não está acabado, precisamos de lutar até às dez da noite de amanhã”, defendeu Starmer. “A mudança só vai acontecer se votarem nela.” No Reino Unido não existe o conceito de dia de reflexão, com a campanha a poder continuar até na jornada eleitoral (exceto em redor dos locais de votação).
Segundo a sondagem YouGov, que não inclui a Irlanda do Norte, o Labour terá 39% e poderá eleger 431 deputados (mais 229 do que em 2019), com o Partido Conservador a não ir além dos 22% e 102 representantes (perde 263). Os Liberais-Democratas, de Ed Davey, devem conseguir 12% e 72 deputados (mais 61), com o Partido Nacionalista Escocês (SNP), que governa a Escócia com John Swinney (líder só desde maio), a não ir além dos 18 (menos 30), apesar de só reunir 3% dos votos. Em quase 90 círculos eleitorais o partido que vai à frente tem menos de cinco pontos de diferença para o segundo, estando essas corridas em aberto.
O volte-face de Farage
O Reform UK, de um dos heróis do Brexit, Nigel Farage, pode estrear-se com três representantes, apesar de conseguir 15% dos votos - as eleições no Reino Unido funcionam por círculo eleitoral, onde o mais votado é eleito numa só volta. A dispersão nacional dos votos no partido populista de extrema-direita (em contraste com a concentração dos votos na Escócia para o SNP) explica a alta percentagem e a pouca representatividade no Parlamento, sendo que a maioria dos votos que rouba será aos Tories.
A entrada em jogo de Farage, um antigo eurodeputado transformado em estrela de televisão, foi um golpe para os conservadores. Farage tinha inicialmente dito que não ia concorrer às legislativas britânicas para continuar a ajudar o “amigo” Donald Trump a vencer as presidenciais de novembro nos EUA, acabando por mudar de ideias a um mês das eleições. Isso aumentou o apoio ao Reform UK, apesar das polémicas com declarações racistas de alguns dos seus candidatos. Farage, que concorre por Clacton, espera conseguir ser eleito deputado à oitava tentativa - a sondagem YouGov diz que será.
Admitir a derrota
A esperança dos conservadores numa vitória é tão pouca que, ainda antes da ida às urnas, pelo menos um ministro (e uma ex-ministra) já admitiam a derrota. O titular da pasta do Trabalho e das Pensões, Mel Stride, disse ao programa Today, da BBC Radio 4, que é provável que o Labour tenha “a maior maioria que este país alguma vez viu”, defendendo que o importante é ver “que tipo de oposição” os conservadores vão ser.
Num artigo de opinião no Daily Telegraph intitulado “Acabou, falhámos”, a ex-ministra do Interior Suella Braverman admitia também que o partido precisava de se preparar “para a realidade e a frustração da oposição”. Representante da ala mais à direita dos conservadores, defendeu ainda que é preciso “redescobrir a alma” do partido.
O Daily Telegraph é um dos poucos jornais que apoiam os conservadores - o Daily Mail pede um voto tático neles para garantir uma oposição eficaz, apesar de reconhecer que dificilmente vão ganhar. O Financial Times e o The Sun apoiam o Labour pela primeira vez desde 2005, tal como o The Sunday Times (desde 2001).
A situação é tal que, no penúltimo dia da campanha, os conservadores recorreram àquele que continua a ser um dos seus mais importantes trunfos (apesar das polémicas): Boris Johnson. Num discurso na quarta-feira à noite em Chelsea, o ex-primeiro-ministro chamou a atenção para o risco do que disse ser uma “supermaioria” trabalhista, pedindo aos eleitores conservadores que em 2019 lhe deram a uma maioria absoluta nas urnas que não votem no partido de Farage. Alega que votar neles ou no Labour não leva a nada a não ser “ao governo mais à esquerda” desde a II Guerra Mundial. “Não podemos deixar que isso aconteça.”
Apesar de todas as previsões negativas, Sunak mantinha-se confiante de que seria possível travar a supermaioria do Labour - que avisou ser um “cheque em branco” para Starmer. Numa entrevista à ITV, Sunak disse que continua a “lutar por cada voto” e insistiu que o apoio de 130 mil eleitores “pode fazer a diferença” para evitar a vitória trabalhista. “A todos os que estão a ver e que pensam ‘oh, isto é tudo um final inevitável’... não é.”
Ainda assim, segundo o The Guardian, teria admitido junto dos seus colaboradores mais próximos temer perder no seu círculo eleitoral de Richmond e Northallerton. Caso isso aconteça, será o primeiro chefe de governo britânico a falhar a reeleição. As sondagens não apontam nesse sentido, dizendo contudo que 16 dos 26 ministros atuais correm o risco de perder - entre eles o ministro das Finanças, Jeremy Hunt, ou o da Defesa, Grant Shapps. Também a líder do governo na Câmara dos Comuns, Penny Mordaunt, deve falhar a eleição.
Economia, saúde e imigração
As primeiras eleições legislativas após a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) acabaram por praticamente ignorar o tema do Brexit. Essa parece já ser uma página virada na história britânica e nem os trabalhistas equacionam um eventual regresso à UE, apesar de com eles no poder se esperar uma relação mais próxima entre Londres e Bruxelas.
O principal problema para os britânicos prende-se com o custo de vida, num momento em que a economia - após a crise causada pelo Brexit, pela pandemia e pela guerra na Ucrânia - dá sinais das primeiras melhorias. Enquanto Sunak quer reduzir os impostos, cortar na assistência social e apostar na luta contra a evasão fiscal, Starmer quer aumentar os impostos para alguns contribuintes (um dos alvos são as escolas privadas, mas também as petrolíferas). Ambos querem apostar no serviço nacional de saúde.
Outro tema central na campanha foi a imigração, depois do fracasso das promessas conservadores de travarem as entradas ilegais. Starmer promete reduzir a imigração ilegal - Sunak quer reduzir para metade - e eliminar o projeto conservador de deportar para o Ruanda os migrantes que entraram de forma irregular no Reino Unido.
Perfis
KEIR STARMER
Partido Trabalhista
O antigo advogado de direitos humanos e procurador-geral de Inglaterra e do País de Gales, eleito deputado apenas em 2015, deverá ser o próximo residente do n.º 10 de Downing Street. Filho de um operário e de uma enfermeira, assumiu a liderança trabalhista em 2020, após os anos de Jeremy Corbyn que levou o Labour mais para a esquerda. Sir (foi ordenado cavalheiro pela rainha Isabel II) Keir Starmer tem 61 anos, é casado e tem dois filhos adolescentes - tendo prometido que vai manter o hábito de não trabalhar a partir das 18.00 de sexta-feira para passar tempo com a família.
RISHI SUNAK
Partido Conservador
O antigo banqueiro, que é mais rico do que o rei Carlos III, foi ministro das Finanças de Boris Johnson. Deputado desde 2015, assumiu a liderança dos conservadores em outubro de 2022, após a curta experiência de Liz Truss à frente do executivo. Tinha então 42 anos (agora tem 44) e tornou-se no mais jovem primeiro-ministro britânico desde 1812, sendo também o primeiro de origem indiana e hindú. Na chefia do governo, conseguiu começar a conter a inflação, mas falhou em conter a imigração ilegal. Casado com a herdeira de um bilionário indiano da área da tecnologia, tem dois filhos.
NIGEL FARAGE
Reform UK
O anúncio da candidatura de Nigel Farage dias antes do final do prazo foi, provavelmente, o momento mais surpreendente da campanha. Conhecido por “senhor Brexit” pela influência que teve na saída do Reino Unido da União Europeia, Farage assumiu o objetivo de superar os conservadores para liderar a oposição a um governo trabalhista, mas o objetivo a longo prazo do Reform UK é liderar a direita britânica. A credibilidade do partido foi manchada na campanha por ter membros associados à extrema-direita ou por fazerem comentários racistas e misóginos.
ED DAVEY
Liberais-Democratas
Não se espera de Ed Davey o mesmo impacto que Nick Clegg teve nas eleições de 2010, quando o resultado do Lib-Dem garantiu a entrada para o governo em coligação com os conservadores. Mesmo assim, o partido tem vindo a ganhar terreno sobretudo em áreas rurais com eleitores conservadores insatisfeitos. Davey protagonizou ações de campanha mediáticas, como cair de uma prancha num lago para denunciar a poluição da água.
JOHN SWINNEY
Partido Nacional Escocês (SNP)
Swinney não tem assento no parlamento em Londres, mas é o primeiro-ministro, tendo assumido a liderança do SNP em maio, após a demissão de Humza Yousaf.
O SNP está a lutar para evitar o ressurgimento dos trabalhistas na Escócia, mas as sondagens indicam que o Labour deverá voltar a vencer ali 14 anos depois.
CARLA DENYER E ADRIAN RAMSAY
Verdes
O partido tem como ambição subir de um para quatro deputados, procurando capitalizar o sucesso ao nível local dos últimos anos e o desejo de muitos eleitores por uma alternativa de esquerda, sendo uma das possíveis novas eleitas a colíder Carla Denyer. No entanto, os Verdes são reféns do sistema de votação de maioria simples, que normalmente favorece os grandes partidos.
susana.f.salvador@dn.pt