Lavrov acusa ocidente de querer impor "solução final" à Rússia
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo considera que o ocidente quer impor uma estratégia semelhante à imposta pelo regime nazi para exterminar os judeus.
O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, acusou esta quarta-feira o ocidente em geral e os Estados Unidos em particular de pretenderem impor uma "solução final" à Rússia, comparável à imposta pelo regime nazi para exterminar os judeus.
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"À semelhança de Napoleão que mobilizou quase toda a Europa contra o Império russo, como Hitler mobilizou e conquistou a maioria dos países europeus para os lançar contra a União Soviética, hoje os Estados Unidos promoveram uma coligação" contra Moscovo, declarou Lavrov no decurso da sua conferência de início do ano, onde efetuou um balanço do ano findo e assinalou os objetivos para 2023.
Para o ministro russo, cujo país invadiu a Ucrânia há cerca de um ano depois de ter anexado a península da Crimeia em 2014, o objetivo ocidental é semelhante: "A mesma 'solução final' para a questão russa. Tal como Hitler pretendia resolver a questão judia, agora os dirigentes ocidentais (...) dizem sem ambiguidade que a Rússia deve registar uma derrota estratégica", acrescentou.
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O ministro dos Negócios Estrangeiros russo insistiu que a coligação "fomentada pelos norte-americanos com praticamente todos os países europeus, que formam parte da NATO e da União Europeia, promove uma guerra" contra a Rússia "com o mesmo objetivo, a solução definitiva da questão russa".
Assegurou ainda que "esta guerra vai terminar algum dia" e que a Rússia "defenderá a sua verdade", para assinalar que os futuros desenvolvimentos dependerão "das conclusões que a Europa extrair".
Neste contexto, Lavrov também reafirmou que Moscovo está disposto a analisar qualquer "proposta séria" de negociações proveniente do ocidente para resolver o conflito ucraniano.
"Ainda não vimos uma proposta séria, mas estaremos prontos a estudá-las e tomar decisões", prosseguiu, apesar de excluir qualquer diálogo com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
"Entendemos o pensamento nas capitais ocidentais segundo o qual 'não podemos falar da Ucrânia sem a Ucrânia' (...) mas de qualquer forma é o ocidente quem decide", sublinhou.
Em paralelo, Lavrov considerou "absurdo" o plano de paz de dez pontos apresentado pelo Presidente ucraniano na cimeira do G20 em novembro passado, que também exige a retirada das tropas russas e a recuperação da integridade territorial da Ucrânia.
"Eles [os ocidentais] proibiram Zelensky de chegar a um acordo com a Rússia em finais de março quando o acordo estava quase preparado. O ocidente decidiu que ainda não era o momento e agora também dizem que é necessário entregar mais armas, esgotar mais a Federação russa", disse.
"Assim, esse palavreado do ocidente de que estão dispostos [a negociar] não é mais que mentiras", considerou.
A Rússia, afirmou ainda, marcou presença com a Ucrânia em Istambul em março de 2022 e estava disposta a chegar a um acordo sobre garantias de segurança para a Ucrânia através do respeito do seu estatuto neutral, a renúncia do país è sua aspiração expressa na Constituição de se converter num membro da NATO.
"A Ucrânia recebeu instruções de que era demasiado cedo para o fazer", alegou Lavrov.
"A nossa posição é bem conhecida, mas falar com ocidente apenas sobre a Ucrânia não teria sentido. O ocidente utiliza a Ucrânia para destruir o sistema de segurança euro-atlântico que se baseava no princípio do consenso, a segurança indivisível e a resolução dos problemas mediante a cooperação e o diálogo", frisou.
E reafirmou que a Rússia tem "objetivos concretos e não imaginários" na guerra da Ucrânia, determinados por "interesses fundamentais da segurança do país".
"Na Ucrânia, à semelhança de qualquer outro território fronteiriço com a Rússia, não devem existir infraestruturas militares que representem uma ameaça direta", reiterou.
Desta forma, o responsável pela diplomacia russa voltou ainda a exigir a retirada de toda a "infraestrutura militar" existente na Ucrânia e os países fronteiriços e que "ameaçam diretamente" Moscovo, e ainda o fim das "discriminações" contra as populações russófonas da Ucrânia.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou até agora a fuga de mais de 14 milhões de pessoas -- 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 7,9 milhões para países europeus --, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Neste momento, 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar e alojamento.
A invasão russa - justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia -- foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.
Relações Moscovo-Pequim "atravessam o melhor momento da história"
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, disse que as relações de Moscovo com a China atravessam "o melhor momento da sua história", apesar de alegadas tentativas do ocidente em distanciar os dois países.
"Perguntam-nos se temos provas de que o ocidente tenta de alguma forma gerar discórdias nas nossas relações. Não é sequer necessário procurar essas provas porque são de acesso livre", afirmou o chefe da diplomacia russa no decurso da sua conferência de início do ano onde efetuou um balanço do ano findo e assinalou os objetivos para 2023.
Lavrov proclamou que estão votadas ao fracasso as aspirações do ocidente de vencer a Rússia na Ucrânia e, em consequência, "permitir" que Moscovo se torne num aliado na sua luta contra a China.
"As nossas relações com a República Popular da China atravessam o melhor momento da sua história", disse.
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo recordou que os presidentes da Rússia e da China, Vladimir Putin e Xi Jinping, assinalaram os termos desta relação em fevereiro de 2022, quanto o líder russo visitou o seu vizinho asiático.
"Recordam como em dado momento os nossos amigos chineses descreveram esta relação, ao indicaram que não é uma aliança, não é uma união, mas em muitos sentidos é muito mais que uma união", disse.
O chefe da diplomacia russa assinalou que "as estratégias aprovadas pelos Estados Unidos, as doutrinas de segurança e as declarações conjuntas da NATO e da UE mencionam quer a Rússia quer a China".
"Um pequeno detalhe: a nós consideram-nos uma ameaça imediata que é necessário acabar de imediato, enquanto consideram a China um desafio a longo prazo, o mais importante e grave, de caráter sistémico", acrescentou.
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo assinalou que os Estados Unidos "não conseguem apenas com as suas próprias forças" impor o objetivo de dominação global e a contenção da Rússia e da China, "e por isso o que agora fazem é uma mobilização parcial, ou mesmo total, do ocidente".
"É mais uma confirmação de que compreendem estar a perder as suas forças para enfrentar a tendência objetiva e histórica da emergência de um mundo multipolar", argumentou.
Por esse motivo, adiantou que o ocidente continuará a procurar situações destinadas a irritar Pequim.
"A China compreende perfeitamente a doutrina ocidental de 'primeiro a Rússia e depois a China' e sabe que não é uma invenção", disse, após recordar que no ocidente "já marcaram as suas posições em relação a Taiwan, totalmente inaceitáveis para a China e para o direito internacional".
Lavrov indicou que o ocidente "procura novas possibilidades concretas para "irritar" a China também no Tibete, em Xinjiang, em Hong Kong, e por isso a China percebe que continuar a fazer parte do sistema ocidental, depender totalmente do ocidente, representa riscos muito graves".
Em simultâneo, e no decurso da conferência de imprensa anual, Lavrov também sublinhou que as relações entre a Rússia e os países da América Latina estão no auge e que Moscovo valoriza a história bilateral com muitos Estados e a sua solidariedade em iniciativas internacionais.
"As relações com a América Latina estão no auge. Criámos mecanismos de coordenação de orientações", disse Lavrov, numa referência particular à interação no formato Rússia-CELAC, a comunidade de Estados latino-americanos e caribenhos.
Nesse sentido, acrescentou que representantes de Moscovo e de quatro países desta comunidade se reuniram por diversas ocasiões no passado, apesar de o surto da pandemia de covid-19 ter prejudicado esse fluxo.
"Renovaremos em breve essa cooperação", prometeu.
O chefe da diplomacia russa sublinhou ainda que na região latino-americana existem países com que a Rússia coopera "há muito tempo".
Em particular, destacou os laços com Cuba, Venezuela e Nicarágua, e acrescentou que Moscovo valoriza as relações bilaterais com esses e outros países e a sua solidariedade nos fóruns internacionais.
"Argentina, México, Bolívia, Peru... estamos interessados em cooperar", prosseguiu o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, ao destacar que as exportações para a América Latina aumentaram 10% em 2022.