O ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, que morreu esta quarta-feira aos 100 anos, não era assim "tão contra" um golpe de estado de direita em Portugal durante o processo revolucionário de 1975 e admitiu fornecer armas ao "grupo dos Nove"..Estas e outras revelações foram feitas, 40 anos após o 25 de Abril de 1974, em documentos do Departamento de Estado até agora considerados "secretos" e publicados no volume do departamento histórico do Departamento de Estado sobre a política externa norte-americana, referente aos anos de 1969-1977 (Foreign Relations of the United States - Volume E-15, part II)..A reunião decorreu a 12 de agosto de 1975, entre Kissinger, o embaixador dos EUA em Lisboa, Frank Carlucci, e vários membros do Departamento de Estado, em Washington, incluindo William Hyland, diretor do Departamento de Informações e Pesquisa do Departamento de Estado..Já passara mais de um ano sobre o golpe que derrubou a ditadura, a 25 de Abril, e o Governo de Lisboa era liderado por Vasco Gonçalves, o "inimigo número um" dos EUA. Carlucci e Hyland concluíram que o maior risco para os objetivos norte-americanos eram António de Spínola, o primeiro presidente pós-25 de Abril e que liderou o 11 de março, e a extrema-direita..Nessa altura, Henry Kissinger, chefe da diplomacia dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, disse algo que, admitiu, poderia chocar os seus "colegas".."Não sou assim tão contra um golpe desse tipo [de direita], por muito chocante que seja para os meus colegas...", lê-se na ata da reunião de agosto de 1975, em que se discutiram as hipóteses de êxito de um golpe por parte da direita em Portugal..Carlucci opôs-se, tal como já se opusera à tese da vacina: Kissinger aceitaria "perder" Portugal para os comunistas, apoiados pela União Soviética, e tal funcionaria como "vacina" para Espanha ou Itália. O diplomata defendeu, isso sim, o apoio dos EUA aos "moderados", incluindo o PS de Mário Soares.."Não, também não sou contra um golpe, se resultasse. Mas se Spínola o tentar, não vai resultar. [Melo] Antunes [do Grupo dos Nove] pode ser um líder no momento seguinte, Spínola não. Ele é, na minha opinião, um homem muito perigoso", afirmou Carlucci..Spínola, durante o seu exílio após a tentativa falhada de golpe do 11 de março de 1975, fundou o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), tentou apoios em França e no Brasil para um movimento militar e popular que derrubasse o Governo liderado por Vasco Gonçalves e apoiado pelo PCP..Kissinger disse que, naquela altura, os EUA não tinham qualquer relação com Spínola. Carlucci duvidou, dado que lera um relatório da CIA sobre a América Latina e que indicava "algum tipo de contacto" com o general..É também na reunião de 12 de agosto no Departamento de Estado, em Washington, que Kissinger e Carlucci falam abertamente de uma guerra civil em Portugal e da possibilidade de fornecer armas a personalidades relacionadas ou com Mário Soares ou do Grupo dos Nove..Neste ambiente, político e militar, Carlucci recebeu luz verde para os Estados Unidos "examinar o pedido" de fornecimento de armas desde que fosse legítimo.."E se, no seu julgamento, os pedidos forem feitos por elementos responsáveis", explicou Henry Kissinger. E Carlucci revelou ter sido contacto por pessoas que não eram nem ligadas a Soares nem ao PS nem aos militares "moderados"..Não há, nestes documentos desclassificados, elementos sobre se foram entregues armas pelos Estados Unidos e a quem..Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano, previu e errou que "os comunistas" iam matar, em 1975, Mário Soares, líder histórico do PS e ministro dos Negócios Estrangeiros.."Os comunistas vão arrastar Soares para a esquerda até ele perder apoio e depois vão matá-lo. As forças armadas vão fazer um golpe de estado sob liderança dos comunistas", afirmou Kissinger numa reunião, a 04 de fevereiro de 1975, do Comité dos 40, organismo para supervisionar operações clandestinas e que incluía os serviços secretos, a CIA..Henry Kissinger era um crítico de Mário Soares, considerando-o fraco e, em outubro de 1974, chegou a dizer-lhe que seria o "Kerensky português", o dirigente socialista russo derrotado por Lenine na revolução russa de 1917..Anos mais tarde, já depois do fim do período revolucionário, em finais de 1975, também numa reunião em Washington, admitiu o erro quanto a Mário Soares, que, na democracia portuguesa, foi primeiro-ministro de vários governos e Presidente da República (1986-1996)..Os Estados Unidos tiveram um plano para apoiar António de Spínola, do movimento anticomunista MDLP, durante o período revolucionário de 1975, mas foi "chumbado" pela CIA, que foi mantendo "algum tipo de contacto" com o general..O embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, Frank Carlucci, era contra qualquer apoio norte-americano ao general do monóculo, que fugiu de Portugal após a tentativa falhada de golpe de Estado de 11 de março de 1975, e é isso mesmo que diz a Henry Kissinger numa reunião em Washington em 12 de agosto de 1975, no Departamento de Estado..A secreta norte-americana não estaria, porém, inocente nos contactos com Spínola, dado que Carlucci recorda, nesse encontro, que viu um relatório da CIA que "indicava algum tipo de contacto", o que o lhe causa "alguma preocupação"..A avaliar pelos documentos agora divulgados pelo Departamento de Estado, passados os quase 40 anos de classificação, a proposta de apoio a Spínola circulou entre vários membros do Comité dos 40, um organismo chefiado por Kissinger para supervisionar operações clandestinas e que incluía os serviços secretos, a CIA, mas não avançou, de acordo com um documento secreto, datado de 30 de julho de 1975..O documento teve a oposição do Departamento de Estado e da CIA, obtendo apenas o voto favorável do chefe de estado conjunto das forças armadas norte-americanas, general George Brown. Para o Departamento de Estado, Spínola "estava desacreditado e [com ele] não há perspetivas de sucesso" para os objetivos dos EUA..Durante o seu exílio após a tentativa falhada de golpe do 11 de março de 1975, António de Spínola fundou o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), tentou apoios em França e no Brasil para um movimento militar e popular para derrubar o Governo liderado por Vasco Gonçalves e apoiado pelo PCP..Texto originalmente publicado a 23 de agosto de 2014, e agora republicado por motivo da morte de Henry Kissinger.