Kennedy, o “desmancha-prazeres” na corrida entre Biden e Trump
O apelido é um dos mais famosos da política dos EUA e está intimamente ligado ao Partido Democrata, mas Robert F. Kennedy Jr. promete ser “desmancha-prazeres” tanto para o presidente Joe Biden, como para o adversário republicano, Donald Trump. O candidato independente à Casa Branca tem, em algumas sondagens, 15% das intenções de voto e a expectativa de muitos é que possa, enquanto antigo democrata, roubar apoios ao atual presidente. Fará “um ótimo serviço à América”, alegou Trump. Mas a sua equipa teme que, ao atrair independentes, o possa também prejudicar.
Sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy (JFK), assassinado em 1963, e filho do procurador-geral e candidato à presidência Robert Kennedy, igualmente assassinado cinco anos depois, o advogado tentou primeiro concorrer à nomeação democrata. Mas acabou por, em outubro, anunciar que iria avançar como independente.
Na terça-feira, anunciou o nome da sua candidata a vice-presidente: a advogada e filantropa Nicole Shanahan (ex-mulher do milionário cofundador da Google Sergey Brin), que lhe garante a injeção de milhões de dólares para a sua campanha. Dinheiro que precisa já que, sem o apoio de um partido, tem um longo e caro caminho a percorrer para garantir que está no boletim de voto nas presidenciais de novembro. A escolha de Shanahan, filha de uma imigrante chinesa de 38 anos, visa também atrair o voto dos jovens e das mulheres.
“Eu e a Nicole deixámos ambos o Partido Democrata. Os nossos valores não mudaram. O Partido Democrata mudou”, disse Kennedy Jr, de 70 anos, que ficou conhecido pela sua posição antivacinas durante a pandemia de Covid-19. Apesar de se apoiar na imagem do tio e do pai para a campanha, quatro dos seus irmãos criticaram-no, dizendo que “não partilha os mesmos valores, visão ou julgamento” que Robert Kennedy. A família não gostou particularmente do anúncio de campanha que fez para passar durante o Super Bowl (a final do futebol americano), pago precisamente por Shanahan - era um remake do anúncio que lançou a campanha de JFK em 1960.
“O fracasso de ambos os partidos em fazer o seu trabalho para proteger os seus valores fundadores contribuiu para o declínio deste país durante a minha vida”, disse Shanahan. “Talvez seja por isso que vejo tantos republicanos desiludidos com o seu partido, assim como eu fico desiludida com o meu. Se vocês são desses republicanos desiludidos, convido-vos a juntarem-se a mim, uma democrata desiludida, neste movimento para unificar e curar a América”, acrescentou na apresentação da candidatura em Oakland, onde cresceu.
Os democratas estão preocupados com Kennedy, acreditando que irá tirar votos a Biden e acusando-o de ser “Trump com o apelido de Kennedy”. Terão já criado uma equipa para tentar evitar que esteja no boletim de voto nos 50 estados. O republicano atacou-o na sua Truth Social, dizendo que é “o candidato mais radical da esquerda”, mas congratulando-se com o facto de ele ir tirar votos ao presidente: “Ele é o opositor político do Desonesto Joe Biden, não é meu. Adoro que esteja a concorrer!”
Mas os apoiantes de Trump também estão preocupados, já que Kennedy pode ser uma alternativa aos que, odiando Biden, podiam sentir a tentação de apoiar Trump. O independente promete ser um “spoiler”, um “desmancha-prazeres”, para ambos. “Temos a vantagem de ver que o presidente Trump e o presidente Biden podem fazer pelo nosso país. Algum de vocês quer mais do mesmo?”, lançou.
Kennedy não é o único independente na corrida à Casa Branca. Cornel West, ativista e professor de Filosofia, também anunciou a sua candidatura, tal como a médica e ativista Jill Stein, que já concorreu pelo Partido Verde em 2012 e 2016, e procura a terceira nomeação.
Perot, Roosevelt e Nader
A última vez que um candidato independente ou de um terceiro partido teve mais do que 5% dos votos (suficiente para garantir financiamento federal nas eleições seguintes) foi nas presidenciais de 1992. O populista Ross Perot - que tal como Trump era milionário e nunca tinha concorrido a qualquer cargo público - conseguiu quase 20 milhões de votos (18,9%) com um discurso contra a imigração e as drogas e pela responsabilidade fiscal.
Antigo republicano, há analistas que acreditam que possa ter contribuído para a derrota do então presidente George H. W. Bush diante de Bill Clinton. Há contudo quem defenda que o democrata estava lançado para a vitória e que Perot, com as suas ideias mais liberais em relação ao aborto ou aos direitos da comunidade LGBT, roubou igualmente votos a Clinton.
Perot formaria depois o Partido da Reforma, voltando a concorrer às presidenciais de 1996, não tendo contudo ido além dos 8,6%. Ainda assim foi o segundo e o terceiro melhor resultado de um candidato independente ou de um partido que não o democrata ou o republicano. Melhor do que Perot, só Theodore Roosevelt, em 1912.
Presidente eleito pelos republicanos entre 1901 e 1909, Roosevelt tentou regressar à Casa Branca mas com o apoio do Partido Progressista (que fundou). Conseguiu 27,4% dos votos, ficando em segundo lugar, à frente do então presidente republicano Theodore Taft (23,2%), que tinha optado por não fazer campanha e a quem roubou votos. A vitória foi para o democrata Woodrow Wilson (41,8%).
Ralph Nader, candidato dos Verdes que concorreu em 2000 com uma agenda progressiva, ficou abaixo dos 5% em 2000 (teve 2,7%), mas muitos ainda o culpam pela derrota do então vice-presidente Al Gore diante de George W. Bush. Tudo porque conquistou 97 488 votos na Florida, um estado que Gore perdeu por apenas 537 votos - depois de uma recontagem e de um longo processo judicial.
(Notícia corrigida: A primeira versão do texto dizia erradamente que JFK tinha sido morto em 1968, quando foi em 1963. Robert Kennedy foi morto em 1968. Aos leitores as nossas desculpas.)