Keir Starmer inicia mudança trabalhista com um Governo de “serviço público”
Keir Starmer começou esta sexta-feira a sua prometida mudança no Reino Unido, após 14 anos de Governos conservadores, admitindo contudo que essa tarefa não será rápida. “O mundo é agora um lugar mais volátil. Isto vai demorar, mas não tenham dúvida de que o trabalho de mudança começa imediatamente”, disse o novo primeiro-ministro britânico, no discurso inaugural antes de entrar no Número 10 de Downing Street. Os trabalhistas venceram as eleições de quinta-feira, elegendo 412 de 650 deputados.
“O nosso país votou de forma decisiva pela mudança, pela renovação nacional e o regresso da política ao serviço público”, que Starmer, de 61 anos, disse ser um “privilégio”. Após anos de escândalos conservadores, o novo primeiro-ministro admite que terá dificuldades. “Quando o fosso entre os sacrifícios feitos pelas pessoas e o serviço que recebem dos políticos cresce assim tanto, leva a um cansaço no coração de uma nação, a um esgotamento da esperança, do espírito, na crença num futuro melhor, de que precisamos de avançar juntos”, referiu, reiterando que “esta ferida, esta falta de confiança, só pode ser curada pelas ações, não pelas palavras.”
Starmer conseguiu o melhor resultado na Câmara dos Comuns para o Labour desde que, em 1997, Tony Blair pôs fim a 18 anos de Governos conservadores. Mas a maioria parlamentar é conseguida com menos cerca de 500 mil votos do que os conseguidos em 2019, quando os trabalhistas tiveram o pior resultado em quase um século. A participação não chegou aos 60%, menos 7,4 pontos do que há cinco anos, e o desaire dos conservadores, que só elegeram 121 deputados e perderam sete milhões de votos, explicam o resultado numa eleição a uma só volta - em que vence o candidato mais votado em cada círculo eleitoral sem precisar de 50% dos votos.
Starmer terá percebido o recado, olhando para o seu discurso. “Quer tenham votado no Labour ou não, de facto, especialmente se não votaram, digo-vos diretamente, o meu Governo vai servir-vos”, afirmou. O primeiro-ministro insistiu que “a política pode ser uma força para o bem”, dizendo que o seu Governo será “livre de doutrinas” e prometendo “país primeiro, partido segundo”.
Poucas horas antes de Starmer discursar diante do N.º 10, o ex-primeiro-ministro Rishi Sunak pediu desculpas. “Ouvi a vossa fúria, a vossa deceção e assumo a responsabilidade”, disse no mesmo local, antes de ir pedir a demissão ao rei Carlos III, e anunciando também que vai deixar a liderança do Partido Conservador.
Outro derrotado foi o Partido Nacionalista Escocês (SNP), que de terceira maior força política em Westminster com 43 deputados, passou para nove. A maioria dos representantes que perdeu foram ganhos pelo Labour.
Pelo contrário, houve festa entre os liberais-democratas de Ed Davey, que conseguiram um recorde de 71 deputados (tinham só oito). E podem ganhar mais um, estando em disputa com o SNP em Inverness e Skye - o único vencedor que falta declarar, pendente de uma terceira recontagem dos votos.
Também houve festa no Reform UK, o partido populista anti-imigração de Nigel Farage, que se estreia com cinco deputados - um deles o próprio Farage, que foi eleito à oitava tentativa. A nível nacional foram o terceiro partido mais votado, com cerca de 4,1 milhões de votos, levando aquele que foi um dos arquitetos do Brexit a defender uma mudança no sistema eleitoral britânico.
Governo sai da sombra
“O nosso trabalho é urgente e começamos hoje”, disse Starmer no seu discurso à hora do almoço. A tarde foi reservada à nomeação do novo Executivo e o primeiro-ministro não inventou. “Estabilidade é mudança”, defendeu na campanha, tendo chamado para o seu Gabinete, na grande maioria dos casos, os deputados que até agora faziam parte do Governo-sombra.
A começar por Angela Rayner, número dois do Labour e agora vice-primeira-ministra responsável também pela pasta da Habitação e do Levelling-Up - um termo cunhado pelo ex-primeiro-ministro conservador Boris Johnson que pode ser livremente traduzido por “nivelamento” e passa pela criação de oportunidades iguais em todo o país e acabar com desigualdades.
Starmer conseguiu a paridade no Gabinete, com 12 homens e 12 mulheres, incluindo a primeira ministra das Finanças, Rachel Reeves. Será uma área essencial, já que a economia é uma das principais preocupações dos britânicos, após a crise do custo de vida e numa altura em que a inflação parece contida e o crescimento está a recuperar.
Yvette Cooper assumiu a pasta do Interior, outra das áreas importantes já que a luta contra a imigração ilegal foi uma dos temas da campanha. O Labour prometeu revogar a política de deportar ilegais para o Ruanda. Shabana Mahmood fica na Justiça, Bridget Phillipson na Educação e Louise Haigh nos Transportes - é a mais jovem no Governo, com 36 anos.
David Lammy é o novo ministro dos Negócios Estrangeiros e John Healey o da Defesa. Um dos primeiros testes internacionais de Starmer deverá ser na Cimeira da NATO na próxima semana, em Washington - e o seu novo chefe da diplomacia, descendente de escravos da Guiana, tem laços profundos com os EUA, tendo passado os verões com familiares em Brooklyn e Queens e estudado Direito em Harvard. A política externa não deverá mudar em relação aos conservadores, nem a política de Defesa, nomeadamente no que diz respeito ao apoio militar à Ucrânia. O Kremlin disse esta sexta-feira que não estava “nada otimista” em relação às relações com o Reino Unido após a eleição do Labour.
O novo ministro da Saúde é Wes Streeting, com o desafio de acabar com as listas de espera no Serviço Nacional de Saúde, com o ex-líder do Labour, Ed Miliband, que esteve à frente do partido entre 2010 e 2015, a assumir a pasta da Segurança Energética e Net Zero.
Os novos 650 deputados
Trabalhistas – 412 deputados (+214)
Conservadores – 121 (-252)
Lib-Dem – 71 (+63)
SNP – 9 (-37)
Sinn Féin – 7 (=)
Reform UK – 5 (+5)
DUP – 5 (-3)
Verdes – 4 (+3)
Plaid Cymru – 4 (+2)
Outros – 11 (+5)
(falta eleger um deputado)
susana.f.salvador@dn.pt