Justiça britânica rejeita extradição de Assange para os EUA

O fundador da WikiLeaks, de 49 anos, é acusado pelos norte-americanos de 18 crimes, incluindo de espionagem, arriscando uma pena de até 175 anos de prisão. EUA vão recorrer da decisão.
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A justiça britânica rejeitou o pedido de extradição de Julian Assange, fundador da WikiLeaks, para os EUA, onde é acusado de 18 crimes, incluindo espionagem, e arrisca uma pena de até 175 anos de prisão. Os procuradores norte-americanos já indicaram que querem recorrer da decisão. Na quarta-feira, serão ouvidos os argumentos para a libertação de Assange sob fiança.

A juíza alegou que a extradição seria "opressiva" e um risco potencial para a sua saúde, depois de aceitar que Assange vive num estado depressivo e existe risco de suicídio. A juíza considerou que seria detido numa prisão de máxima segurança nos EUA, em condições de isolamento, e que Assange faria tudo para ultrapassar qualquer medida destinada a prevenir o suicídio, aceitando o testemunho de um perito, segundo o qual o líder da WikiLeaks estaria focado nesse objetivo.

A decisão da juíza Vanessa Baraitser, que indicou que os seus argumentos serão apresentados também por escrito, é passível de recurso no prazo máximo de 15 dias. Os EUA já disseram que vão recorrer. Caso a justiça autorize a extradição, caberá sempre ao governo, nomeadamente à ministra da Administração Interna, Priti Pattel, a decisão final.

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Os advogados de Assange pediram a sua libertação imediata, após 21 meses detido na prisão de Belmarsh. A defesa alegou que a decisão da juíza é motivo suficiente para a libertação, mas pediu mais tempo para pormenorizar as condições de detenção em Belmarsh. Quer apresentar os dados numa nova audiência, na quarta-feira, e a juíza aceitou-o.

Em tribunal, segundo o jornalista da AFP, Assange limpou a testa quando a decisão foi anunciada, e a noiva, Stella Moris, começou a chorar e recebeu um abraço do atual diretor da WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson.

Durante toda a audiência, parecia que a juíza estava a apresentar argumentos a favor da extradição. Lembrou, por exemplo, que a atuação de Assange "foi mais além do mero encorajamento de um jornalista" na obtenção de documentos secretos e rejeitou o argumento da defesa de que o acordo entre o Reino Unido e os EUA não permite a extradição em caso de "crimes políticos".

A defesa sempre alegou que em causa está o direito à liberdade de informação e de expressão. Mas a juíza considerou que as ações de Assange não estariam protegidas pela liberdade de expressão no Reino Unido, visto ter posto em causa a segurança de várias pessoas, nomeadamente informadores dos EUA.

A juíza alegou ainda que os atrasos no caso (provocados pela covid-19) não impediram Assange de ter uma defesa adequada e que o "impacto inevitável da extradição não seria nada de extraordinário" para a família, comparando com este tipo de procedimentos.

Assange foi detido a 11 de abril de 2019, após mais de sete anos exilado na embaixada equatoriana em Londres, quando Quito lhe retirou o asilo político e convidou a polícia britânica a entrar no edifício. O fundador da WikiLeaks, a organização destinada à divulgação de material confisencial, saiu arrastado.

Depois, cumpriu 50 semanas de prisão por violar as condições da fiança, que lhe tinha sido decretada enquanto aguardava em liberdade a decisão sobre o processo de extradição para a Suécia, onde era procurado por abuso sexual e violação (investigações que entretanto foram abandonadas).

Assange sempre alegou que o objetivo da extradição para a Suécia era entregá-lo mais tarde aos EUA, que o quereriam julgar. As acusações norte-americanas só foram conhecidas contudo após deixar a embaixada, em 2019.

Primeiro uma simples acusação de pirataria informática, que teria ajudado a soldado Chelsea Manning (Bradley Manning, antes da mudança de sexo em 2013) a roubar a informação que divulgou a partir de 2010 e que incluem os chamados Diários do Iraque e do Afeganistão e a correspondência diplomática norte-americana.

Depois de mais 17 crimes, incluindo espionagem. No total, arrisca uma pena de prisão de 175 anos nos EUA.

Departamento de Estado norte-americano: "Apesar de estarmos extremamente desapontados com a decisão final do tribunal, estamos gratos que os EUA prevaleceram em cada ponto da lei que levantaram."

Stella Morris, noiva: "Hoje é uma vitória para Julian, [mas os EUA] continuam a querer puni-lo e fazê-lo desaparecer no mais fundo e mais escuro buraco do sistema prisional norte-americano (...) Hoje não é o dia em que o Julian vem para casa, mas esse dia chegará em breve."

Edward Snowden, ex-consultor da Agência Nacional de Segurança (NSA) refugiado desde 2013 na Rússia pela divulgação de material confidencial sobre o programa de vigilância global da NSA: "Que este seja o fim."

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Glenn Greenwald, jornalista norte-americano que escreveu sobre o programa de vigilância da NSA: "Esta não foi uma vitória para a liberdade de imprensa. Pelo contrário: a juíza deixou claro que acredita que existem argumentos para julgar Assange por causa das publicações de 2010. Foi, em vez disso, uma acusação ao sistema penal dos EUA insanamente opressor por "ameaças" à segurança."

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Amnistia Internacional, Nils Muižnieks (diretor para a Europa): "Congratulamo-nos com o facto de Julian Assange não ser enviado para os EUA e de o tribunal ter reconhecido que, devido aos seus problemas de saúde, ele correria o risco de sofrer maus-tratos no sistema prisional dos EUA. As acusações tinham motivações políticas e o Governo do Reino Unido nunca deveria ter ajudado os EUA, de forma tão voluntariosa, na perseguição implacável a Assange. O facto de a decisão ser correta e salvar Assange da extradição não isenta o Reino Unido de ter se envolvido neste processo com motivações políticas, a mando dos EUA, e de colocar em julgamento a liberdade de imprensa e de expressão. Estabeleceu um precedente pelo qual os EUA são responsáveis e o Governo do Reino Unido é cúmplice."

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México: "Vou pedir ao ministro dos Negócios Estrangeiros que faça os trâmites correspondentes para que se solicite ao governo do Reino Unido a possibilidade de que o sr. Assange fique em liberdade e o México lhe ofereça asilo político."

(Atualizada às 17.00 com as reações)

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