Deixou há quase dois anos a presidência da Colômbia, após quatro anos de mandato (2018-2022). Olhando para trás, mudaria algo? Mais do que pensar em mudanças, acho que deixei muitas coisas positivas. Talvez tivéssemos podido acelerar algumas políticas, mas acho que a satisfação maior foi ter conseguido cumprir mais de 85% do nosso plano de desenvolvimento e deixar ao país coisas que falam por si mesmas. A educação universitária gratuita para a grande maioria dos estudantes, uma economia com o maior ritmo de crescimento da sua história, ter podido aprofundar o acesso dos cidadãos à habitação, deixar ao país uma agenda ambiental de transição energética e ter também acelerado, de alguma forma, toda a implementação dos planos de desenvolvimento com foco territorial para alcançar uma distribuição equitativa de recursos para os municípios afetados pela violência. Acho que deixámos o país num ciclo bastante positivo..Mas nem tudo foi positivo. Falou da violência, há a questão do aumento do narcotráfico... Temos sempre que olhar para as coisas com os indicadores oficiais. Nós deixámos a taxa de homicídio no quatriénio mais baixa em 40 anos. Deixámos a taxa de sequestros mais baixa desde que a Colômbia mede esse crime. E conseguimos parar o crescimento exponencial dos cultivos ilegais. A Colômbia entre 2015 e 2018 passou de 50 mil hectares para mais de 200 mil hectares. Conseguimos parar isso. E também conseguimos extraditar Otoniel [um dos grandes traficantes de droga], desarticular os grupos armados Los Pelusos, Los Caparros e Los Puntilleros, enfrentar o ELN, também a dissidência das FARC. Em matéria de segurança é incontestável. E obviamente que nos dói ver a atual situação. Vemos a segurança deteriorada, vemos a economia deteriorada, a ideologização de todas as reformas, o desejo de estatizar. E isso tudo a leva a que hoje, a Colômbia, tenha talvez uma das menores perceções da América Latina e das Caraíbas. Quando vê uma economia que passou de crescer 7% ou até 8%, inclusivamente no ano de 2019 a crescer 3,4%, a crescer 0,6% no ano passado. E este ano, com ajustes, 0,7% ou 0,8%, isso mostra uma deterioração grande. Ver como o investimento direto estrangeiro caiu, as exportações caíram, a fuga de capitais... Tudo isto mostra a deterioração de um governo que a única coisa que fez foi semear desconfiança, polarização e populismo. .O presidente Gustavo Petro fala de fazer uma Assembleia Constituinte, usando como base o acordo de paz. O que pensa disso? O presidente é perito em vitimizar-se. Ele construiu a sua campanha política a vitimizar-se e fala muito de ficção científica. Fala de golpes silenciosos. Mas, na realidade, quem está a querer dar um golpe silencioso contra a Constituição é ele. Porque quer convocar uma Constituinte sem cumprir os requisitos para se perpetuar no poder. Mas nem o povo colombiano o vai permitir, nem o Congresso, nem os tribunais, nem as Forças Militares. Todos os colombianos temos que nos unir nesse propósito. Que ele governe até 7 de agosto de 2026, nem um dia menos, nem um dia mais, mas não vamos permitir que ele dê um golpe ao ordenamento constitucional. .Mas que argumentos usa para a Constituinte? Não lhe importam os argumentos, porque para convocar a Constituinte são precisos procedimentos, mais do que argumentos. Tem que apresentar um projeto de lei, o Congresso tem que o discutir em oito debates, tem que passar num controlo no Tribunal Constitucional. Se a lei for aprovada, tem que se convocar um referendo. O referendo tem que ter mais de 13,5 milhões de votos, se ganhar o sim, tem que se convocar as eleições e eleger a Constituinte, que tem que escrever a nova Constituição e aprová-la, sendo necessário ainda mais um controlo constitucional. Isso são mais de dois anos em tempos prudentes. Por isso ele não quer recorrer a este procedimento, porque não tem maioria no Congresso e sabe que os tribunais não vão permitir que se destruam os eixos estruturais da Constituição. E por isso a armadilha que está a planear será dar esse golpe em 2025, porque agora o seu interesse estratégico é apoderar-se do Tribunal Constitucional. Vão sair quatro juízes. O seu objetivo é, por via extraordinária, poder convocar esta constituinte à medida, sem cumprir os procedimentos e perpetuar-se no poder..Porque o mandato do presidente na Colômbia são só quatro anos. Sim. Não há reeleição, nem sequer sem ser consecutiva. É isso que diz a Constituição, foi isso que eu fiz, e acho que a Colômbia não está, neste momento, para experiências de reeleição. .Falou da ideologia. Acha que a ideologia está a fazer mal à Colômbia e à América Latina em geral? Não é só um tema ideológico, é quando a ideologia está acima das provas, acima da informação. Porque claro que os dirigentes políticos devem ter ideologia, mas o que não podem assumir é que quando são eleitos presidentes podem impor a sua ideologia à nação. E claramente o problema que existe é a ideologização e o fanatismo, que também leva a uma conjugação de ignorância com arrogância. Nacionalizar o sistema de saúde, o ensino superior, o sistema de pensões, fazer uma reforma laboral para satisfazer as elites sindicais e não para gerar novos empregos para os jovens. A Colômbia precisa de uma grande aliança nacional republicana para derrotar esse modelo demagógico em 2026, no qual participe o maior número de pessoas, que se possa estabelecer uma candidatura única e no qual defendamos a superioridade moral da economia de mercado com sentido social, a superioridade moral da democracia, dos controlos com pesos e contrapesos, e não este projeto pseudo-chavista que se quer implementar na Colômbia..Entendo a sua posição em relação a uma ideologia de esquerda ou extrema-esquerda, mas não acha que a ideologia de extrema-direita pode ser igualmente perigosa? Eu nunca estive nos extremos. Por isso me defini sempre de centro. A extrema-direita na Colômbia chamava-me de socialista, a extrema-esquerda dizia que era fascista. Eu sempre estive no centro e acredito na tecnocracia, nos equilíbrios democráticos. Qualquer extremo, a única coisa que faz é danificar o funcionamento da democracia, porque baseia a sua ascensão ao poder na polarização, na pós-verdade e no populismo. Daí defender que a oportunidade está numa grande aliança nacional, onde possa haver maior convergência, onde o papel dos ex-presidentes não seja ofuscar os candidatos, mas orientar com critérios, com princípios, com propostas. Uma grande convergência nacional para sair desta horrível noite para a qual nos conduziu este governo demagógico, arrogante e ignorante..Mas a situação na América Latina é cada vez mais de extremos. A Argentina de Javier Milei... Olhamos sempre para os exemplos turbulentos, mas temos que olhar também para os exemplos positivos. Porque não olhamos para o caso de Luis Abinader, na República Dominicana, que acabou de ser reeleito com uma maioria esmagadora governando desde o centro, com critérios, sem sectarismos e sem radicalismo ideológico? Ou para Luis Lacalle Pou, no Uruguai, para Daniel Noboa no Equador, Santiago Peña no Paraguai, ou o presidente Irfaan Ali na Guiana, que desde o centro estão a construir muitos bons exemplos para o continente. Quando os partidos se perpetuam no poder, como na Bolívia, como o Correismo [Rafael Correa] no Equador, de alguma maneira também o caso de Daniel Ortega, que se tornou numa ditadura na Nicarágua. Quando se tenta impor um estatismo sobre a economia de mercado a única coisa que há é um grande fracasso social. Por isso não podemos ter pena de defender a superioridade moral da economia de mercado com sentido social, em gerar condições de investimento, e ver a segurança como um bem público e um princípio democrático. Acho que essa é hoje a realidade na América Latina. Mais do que falar de esquerda ou direita, hoje a América Latina tem demagogos e pedagogos. Os demagogos são os que estão a destruir o capital humano, económico, ambiental. E os pedagogos são os que defendem a economia de mercado com sentido social, defendem a democracia, defendem a segurança e são os que hoje dirigem as economias com melhor desempenho na região..O que acontece é que temos tendência para olhar para os gigantes - Brasil, Argentina, Chile, Colômbia -, onde a situação política é mais complicada... No caso da Argentina o problema é que se tratou de chamar a Javier Milei extremista de direita. Na realidade ele é um liberal clássico, que defende em primeiro lugar a derrota da inflação, que é o maior imposto para os pobres. Há um presidente que está a enfrentar a inflação precisamente para proteger os mais vulneráveis, que foram aqueles que a esquerda da Argentina sempre tentou defender, mas empobreceu, porque uma inflação de mais de 250% o que faz é empobrecer. Por outro lado, a responsabilidade fiscal, porque um país que não pode viver com os recursos que gera e angaria está condenado à quebra. Acho que Milei tem uma receita económica que é a que precisa a Argentina, por mais dolorosa que seja. Acho que as coisas têm que ser vistas sob esse prisma. E no caso particular do Brasil acho que tem que renovar as suas lideranças políticas. Que em 20 anos haja um partido que praticamente governou 16, mostra que esse não é o caminho do desenvolvimento. Tem que se procurar uma maior alternância no poder. Lula sempre tentou ser pragmático, foi assim nos seus primeiros governos, mas não podemos esconder que o povo brasileiro hoje clama por ter novas opções eleitorais, por uma nova geração. .Jair Bolsonaro não o era. Eu tive a oportunidade de governar com o presidente Bolsonaro. Primeiro, ele foi um defensor da democracia no continente e enfrentou a ditadura de Nicolás Maduro sem contemplação. Segundo, vi como fez reformas fiscais e das pensões necessárias para pôr em ordem o fisco brasileiro. Três, pude ver como muitos dos seus ministros tinham o desejo de ter uma agricultura baixa em carbono, de avançar em infraestruturas estratégicas, de trazer mais investimento. Mas, obviamente, também ficou capturado e rotulado pelas narrativas da extrema-esquerda, que sempre o tentou demonizar e caricaturar. Mas a verdade é que representou uma grande percentagem da população, que hoje governa em muitos estados no Brasil, que são pessoas que pensam como ele. Não se podem desprezar as pessoas que querem um Brasil responsável com o meio ambiente, mas com crescimento económico, que querem um país que possa desenvolver as suas indústrias tradicionais, mas que ao mesmo tempo seja uma potência nas energias renováveis. Acho que esses são os equilíbrios que o Brasil precisa..O problema com Bolsonaro prende-se com a passagem de poder, tal como com Trump no EUA. Sim, mas o que eu não gosto é do relativismo moral. Porque tal como pode haver coisas controversas e até censuráveis dos discursos quando se trata de aceitar o pronunciamento das urnas, também não podemos apagar toda uma história de conviver com a corrupção, que foi um dos padrões de comportamento da extrema-esquerda na América Latina. Porque eles gostam de dar nome, e criar uma narrativa, a tudo o que é contra eles, mas também tratam de minimizar e esconder as suas grandes falácias e defeitos, como essa convivência com a criminalidade, com o narcotráfico, com a corrupção..Não digo que à esquerda não existem problemas. Na Venezuela... Aí houve uma grande ambivalência. Como é que alguns países da América do Sul agora tentam posicionar Nicolás Maduro como um grande democrata, quando é um autocrata, um sátrapa. É preciso sair desse relativismo moral, chamar as coisas pelos nomes. .Que futuro vê para a América Latina e a Colômbia? Eu sou otimista. Acho que às vezes os povos têm que sentir na pele os estragos destas narrativas populistas e demagógicas para derrotá-las estruturalmente e recuperar a possibilidade de ter grandes coligações de políticas de Estado de longo prazo. Eu acho que será assim na Colômbia. Vejo uma grande aliança republicana a ganhar em 2026 e vejo mais países na América Latina que tenham caído nas garras do populismo e da demagogia a derrotá-la nos próximos anos. .Tem um podcast chamado Tres respuestas. É o seu contributo para alcançar esse objetivo? Eu faço o que gosto, o que me dá paixão e interesse. E tenho a possibilidade de ter conversas com pessoas que são muito interessantes e pensei, porque não partilhar essa conversas com uma audiência mais ampla, num formato relaxado, onde o interlocutor possa falar e partilhar as suas ideias. É disso que trata Tres respuestas. Já temos dois episódios, vêm aí mais interessantes, e vamos misturar muitos temas, política, geopolítica, meio ambiente, empreendimento, música... Estou a gostar de poder dar a muitos interlocutores o acesso ao povo colombiano e não só..Aos 42 anos foi o presidente mais jovem do país. Não deve ser fácil ser ex-presidente ainda jovem... Não o vejo como algo que me limita ou que me impede de apreciar a vida. É uma honra muito grande ter sido presidente da Colômbia, é uma honra ainda maior ser ex-presidente que, como me disse o presidente Lacalle Pou, é passar do poder à autoridade. Autoridade para opinar sobre os temas que, para uns são sensíveis, e poder convidar a cidadania a ouvir, sem preconceitos ou sectarismos..susana.f.salvador@dn.pt