Israel promete retaliar “onde, quando e como” quiser ao ataque do Irão
As autoridades israelitas prometeram esta terça-feira responder ao “grave ataque” do Irão, que lançou 180 mísseis balísticos contra Israel. É o segundo ataque direto iraniano contra o território israelita no espaço de seis meses, com Teerão a dizer tratar-se da resposta à morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, e do máximo dirigente do Hezbollah, Hassan Nasrallah. O ataque surgiu no dia em que Israel confirmou uma “incursão terrestre limitada e localizada” no Líbano.
“O ataque do Irão é uma escalada grave e perigosa. Haverá consequências”, disse o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), o contra-almirante Daniel Hagari. “Responderemos onde, quando e como escolhermos, de acordo com as diretrizes do governo de Israel”, acrescentou. “O Irão cometeu um grande erro esta noite. E vai pagar por isso”, reagiu o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
A representação do Irão nas Nações Unidas indicou, numa mensagem no X, que o ataque foi uma resposta “legal, racional e legítima” aos “atos terroristas” de Israel. E deixou o aviso: “Se o regime sionista ousar responder e cometer mais atos de malevolência, haverá uma resposta subsequente e esmagadora.”
De acordo com os iranianos, 90% dos mísseis - terão sido usados pela primeira vez os hipersónicos Fattah - atingiram os alvos, que eram três bases militares. Mas, segundo os israelitas, a maioria dos projéteis foi intercetada, com o apoio dos EUA e de outros parceiros, admitindo apenas “impactos isolados” e nenhuma vítima. Havia contudo informações de que um civil palestiniano poderá ter morrido na Cisjordânia devido aos estilhaços de um dos mísseis - que sobrevoaram o território ocupado.
O sistema de defesa israelita inclui a famosa Iron Dome (Cúpula de Ferro), mas esta está preparada para intercetar rockets como os disparados pelo Hamas e o Hezbollah. No caso de mísseis balísticos como os utilizados pelo Irão terão sido ativados outros dois sistemas, a Funda de David e a Flecha 2 e 3. Este último sistema é especialmente usado no caso de mísseis cujo trajeto sai para lá da atmosfera terrestre.
“O ataque parece ter sido derrotado e ineficaz”, disse o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, confirmando a participação dos EUA na operação. O Pentágono indicou depois que os norte-americanos dispararam dezenas de intercetadores a partir dos navios destroyer que estão na região.
O ataque iraniano surgiu poucas horas depois de os EUA terem avisado que estava “iminente” e que seriam usados mísseis balísticos - que demoram apenas 12 minutos a chegar a Israel vindos do Irão. Há seis meses, tinham sido lançados cerca de uma centena de mísseis balísticos, antecedidos de outros tantos drones e mísseis cruzeiro que demoram horas a chegar.
A 13 de abril, em resposta ao ataque contra a embaixada iraniana em Damasco que matou vários generais, Teerão efetuou o primeiro ataque direto contra Israel usando mais de 200 drones e mísseis. Uma manobra militar que foi vista como tendo sido coreografada, com avisos prévios que permitiram a Israel e aos aliados intercetar 99% dos projéteis. Desta vez não houve aviso, tendo sido os sistemas de vigilância que permitiram antecipar o ataque.
Em abril, Israel respondeu dias depois de forma controlada, evitando a escalada do conflito. Não é claro que esse cenário se repita, podendo Netanyahu, aproveitar para atacar o programa nuclear iraniano. Tudo dependerá de como o ataque for apresentado -mais um falhanço do Irão ou uma nova ameaça contra Israel.
Desde a morte num atentado em Teerão do líder político do Hamas que o Irão ameaçava com nova retaliação. Mas o país por detrás do “eixo da resistência” - que inclui o Hamas, o Hezbollah, os Houthis no Iémen e grupos iraquianos - tinha evitado envolver-se diretamente, ciente de que será alvo de uma resposta israelita e tem muito a perder. Netanyahu tinha avisado das possíveis consequências.
A incursão terrestre das IDF no Líbano, dias depois da morte de Nasrallah e de vários comandantes do Hezbollah, parece contudo ter sido a gota de água para o líder supremo iraniano. Ali Khamenei terá dado pessoalmente a ordem para o ataque de ontem. “A vitória pertence aos defensores da justiça”, escreveu no X. Horas antes tinha sido anunciado que vai liderar a oração de sexta-feira em Teerão - algo que só faz em circunstâncias especiais, a última delas em 2020 - não sendo claro se tal se mantém após o ataque contra Israel.
As salvas de tiros e manifestações de alegria em Beirute, Gaza ou em Teerão pelo ataque iraniano contrastam com as condenações ocidentais. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, estava ao telefone com Netanyahu quando começou o ataque, tendo condenado “nos mais fortes termos” a ação iraniana. Starmer também defendeu a importância de um cessar-fogo no Líbano e na Faixa de Gaza.
“Condeno o alargamento do conflito no Médio Oriente com escalada após escalada. Isso deve parar. Precisamos absolutamente de um cessar-fogo”, escreveu o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no X. “A União Europeia condena nos termos mais veementes o ataque do Irão contra Israel. O perigoso ciclo de ataques e retaliações corre o risco de se descontrolar. É necessário um cessar-fogo imediato em toda a região. A UE continua plenamente empenhada em contribuir para evitar uma guerra regional”, escreveu, por seu lado, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Incursão
O ataque iraniano surgiu no dia em que as IDF confirmaram ter lançado uma “incursão terrestre limitada e localizada” no sul do Líbano, revelando contudo que têm levado a cabo operações secretas em território libanês no último ano. Os alvos israelitas são infraestruturas do Hezbollah e o objetivo é travar um ataque como o do Hamas de 7 de outubro, que alegam estar a ser planeado. O grupo xiita libanês negou qualquer incursão israelita.
A par da operação terrestre, que Israel prometia continuar apesar do ataque iraniano, prosseguiram os bombardeamentos. As IDF deram ordens para a evacuação de 30 localidades a sul do rio Litani - na zona tampão que foi criada pelas Nações Unidas no sul do Líbano após a guerra de 2006 e de onde era suposto tanto Israel como o Hezbollah saírem (os segundos não o fizeram).
As ordens são para retirar para norte de outro rio, o Awali, apesar de os bombardeamentos israelitas ocorrerem também mais a norte, incluindo na capital Beirute. Num desses ataques terá sido morto o comandante da unidade do Hezbollah responsável pelo contrabando de armas do Irão, Muhammad Ja’far Kasir.
Alegadamente não terá ainda havido combates entre os dois lados, com o grupo xiita a alegar mesmo que não houve invasão. Esta não será contudo a primeira vez que tropas israelitas entraram no Líbano desde o início da guerra em Gaza, após os ataques terroristas do Hamas que marcaram o início da troca quase diária de tiros entre Israel e o Hezbollah na fronteira. Os israelitas têm efetuado incursões secretas para recolha de informação e para destruírem túneis e armamento do grupo xiita.
susana.f.salvador@dn.pt