O primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, rejeitou esta segunda-feira, 21 de julho, demitir-se da liderança partidária, apesar de a coligação entre o seu Partido Liberal Democrático (PLD) e o Komeito ter perdido nas eleições de domingo a maioria que tinha na câmara alta do Parlamento. No ano passado, já tinha perdido a maioria na mais poderosa câmara baixa. O novo revés para o partido conservador - que só não governou o Japão durante seis dos últimos 70 anos - justifica-se, em parte, pelo aumento do preço do arroz.Os dois partidos no poder só conseguiram eleger 47 dos representantes em jogo nas eleições para remodelar 125 dos 248 lugares da Câmara dos Conselheiros - precisavam de 50 (tinham 66). No total, ficaram com 122, a três da maioria. Já o Partido Democrático Constitucional do Japão (PDCJ), o principal da oposição, elegeu 22, ficando com 38. Os grandes vencedores foram duas formações populistas: o Sanseito, de extrema-direita, ganhou 14 novos lugares que soma ao que já tinha. O Partido Democrático do Povo ganhou 17, ficando com 22.“Enquanto primeiro partido na Dieta [o Parlamento] temos que cumprir a nossa responsabilidade para com o público, de modo a evitar que a política estagne ou se desvie”, disse Ishiba, 68 anos, numa conferência de imprensa, citando como argumentos para não deixar a liderança do PLD as negociações que estão a decorrer com os EUA por causa das tarifas (ameaça de 25% a partir de 1 de agosto) além da complexa situação económica na quinta maior economia do mundo. E o arroz é o símbolo dos problemas. O preço deste alimento chave da cultura japonesa duplicou no último ano (enquanto os salários ficaram iguais) e o nível das reservas está em queda. Isso resulta de más colheitas devido ao calor, mas também a décadas de protecionismo do Governo que criaram uma escassez artificial para manter os preços altos. Para proteger os agricultores japoneses, o executivo paga-lhes subsídios para limitar o tamanho das plantações, além de impor tarifas elevadas às importações (algo que irrita o presidente norte-americano, Donald Trump). Há dois meses, Ishiba nomeou uma das estrelas do PLD para a pasta da Agricultura, na esperança de resolver o problema antes das eleições. Shinjiro Koizumi, filho do ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi, sucedeu a Taku Eto que causou polémica ao dizer que nunca tinha comprado um saco de arroz, porque estes lhe eram oferecidos pelos apoiantes.Koizumi, de 44 anos, apontado como favorito para ser o próximo primeiro-ministro, tinha o desafio de baixar o preço para os consumidores urbanos (inundou os mercados com parte das reservas estratégicas para o fazer), sem perder o apoio dos agricultores. Mas dois meses não terão sido suficientes e os eleitores escolheram castigar Ishiba, que também está fragilizado por governar em minoria desde outubro. O primeiro-ministro fez campanha a falar de “responsabilidade”, avisando que as diferentes forças da oposição eram “irresponsáveis” e que não se lhes podia confiar a liderança do país. A oposição fez campanha a prometer cortar nos impostos no país mais endividado do mundo (já ele prometeu um bónus de 116 euros por pessoa no final do ano) e apertar nas políticas migratórias. A mensagem não teve impacto junto dos eleitores, cansados de mais de uma década do PLD no poder e dos escândalos de corrupção do partido. Mas, tendo conseguido chegar à liderança do partido após cinco tentativas, Ishiba não vai ceder tão rapidamente. A proximidade do fim do prazo para negociar as tarifas com os EUA e o facto de o partido ter ficado a poucos lugares da maioria na Câmara dos Conselheiros (ficou a três dos 125 precisos para ter a maioria) dão algum espaço de manobra ao primeiro-ministro. “O caminho que temos pela frente será espinhoso”, disse Ishiba. “Mas aprofundaremos as discussões com os outros partidos e governaremos o país com sinceridade.”Ainda assim, o chefe do Governo pode ter os dias contados. O líder do PDCJ, Yoshihiko Noda, disse ainda no domingo que estava a considerar um voto de censura a Ishiba, já que o resultado eleitoral mostra que não tem a confiança dos eleitores. Isto apesar de o principal partido da oposição não ter conseguido beneficiar do revés do primeiro-ministro, não ganhando mais conselheiros e falhando na ideia de reforçar a sua posição para poder tentar unir toda a oposição. Mesmo se Noda não avançar para a censura, Ishiba tem problemas dentro do próprio PLD. O ex-primeiro-ministro Taro Aso, líder de uma poderosa fação dentro do partido no poder, disse “não poder aceitar” que Ishiba continuasse à frente do governo. E, segundo a imprensa japonesa, vários outros dirigentes reuniram-se ainda no domingo para discutir o cenário. “É natural que existam diferentes opiniões dentro do partido”, disse Ishiba, quando questionado sobre a pressão interna. A seu favor, o facto de ninguém querer assumir o poder neste momento. Além da inflação, que não atinge apenas o arroz (a taxa estava nos 3,3% em junho, acima do objetivo de 2%), outro problema no Japão é a crise da segurança social, por causa da população idosa e da baixa taxa de natalidade, que levam a um aumento dos custos do Estado. O envelhecimento da população também significa falta de mão de obra, tendo o Japão aligeirado os entraves aos trabalhadores estrangeiros e visto um aumento recorde (mais 10% para os 3,8 milhões em 2024), além de turistas (36,9 milhões no ano passado). O que é usado pela direita radical. .Os vencedores.O partido que nasceu no YouTube e que defende “japoneses primeiro”Um dos grandes vencedores das eleições para a câmara alta do Parlamento japonês foi o Sanseito, que subiu de um para 15 representantes. O partido de extrema-direita nasceu há apenas cinco anos, à boleia do YouTube, onde ia espalhando teorias da conspiração sobre vacinas durante a pandemia de covid-19. O seu líder é Sohei Kamiya, um antigo professor de inglês e gerente de supermercado de 47 anos, que não esconde quem é a sua fonte de inspiração: o presidente dos EUA, Donald Trump. Numa entrevista à Reuters, elogiou o seu “estilo político ousado”. O lema do partido é “Japoneses primeiro” (adaptando o mote dos EUA), alertando para a “invasão silenciosa” de estrangeiros (serão cerca de quatro milhões, isto é, 3% da população). Na campanha prometeu cortes nos impostos (o preço do arroz foi chave nas eleições) e um aumento nos gastos com a Segurança Social, nomeadamente com um aumento dos abonos de família para incentivar a natalidade no país com a população mais idosa do mundo. As promessas do Sanseito atraíram os conservadores mais jovens, que antes votariam no Partido Liberal Democrático (onde o próprio Kamiya militou). Nos últimos dias de campanha, o Sanseito teve também que negar as ligações à Rússia, depois de um dos candidatos ter dado uma entrevista ao canal público russo. Kamiya pediu que os envolvidos se demitissem, depois de os outros partidos questionarem a interferência de Moscovo nas eleições. .O populista que “nem é de esquerda nem de direita” e aposta nos jovens Outro vencedor das eleições foi o Partido Democrático do Povo, que conquistou 17 conselheiros, ficando com 22. O líder do partido formado em 2018 é Yuichiro Tamaki, de 56 anos, que diz que não é “nem de esquerda nem de direita”, mas um defensor dos jovens e da classe trabalhadora. Tamaki é crítico da chamada “democracia prateada”, que beneficia os maiores de 65 anos (quase 30% da população e votam em maior número) e marginaliza os mais jovens, que considera a “pessoas esquecidas”. A nível económico, defende reduzir os impostos sobre o consumo e financiar a educação das crianças, sendo uma estrela nas redes sociais. Para muitos é carismático, para outros populista. No mês passado causou polémica numa conferência de imprensa com jornalistas estrangeiros. “As nossas políticas são boas tanto para os homens como para as mulheres, mas acho que é difícil para elas perceberem”, disse em inglês. A frase causou polémica no Japão, com o partido a pedir desculpas e o próprio Tamaki a culpar a sua “inexperiência com a língua inglesa” - isto apesar de ter estudado em Harvard. Explicou que queria dizer que as políticas do seu partido são boas para as mulheres, mas não estão chegar a elas, considerando isso um desafio. Não foi a sua primeira polémica. Em 2024, Tamaki teve que admitir que teve um caso extraconjugal com uma antiga modelo, acabando por ser suspenso da liderança partidária durante três meses.