Isabel dos Santos diz que autoridades angolanas não querem investigar corrupção na Sonangol
Isabel dos Santos acusou esta terça-feira as autoridades angolanas de não quererem investigar a corrupção na Sonangol, sublinhando que a empresa estava praticamente falida em 2015 e apontando indiretamente o ex-vice-presidente Manuel Vicente como um dos principais responsáveis.
Numa longa entrevista de duas horas à Rádio Essencial, depois de ser conhecida a acusação relativa à sua alegada gestão danosa na petrolífera estatal angolana, Isabel dos Santos envolveu também Edeltrudes Costa, diretor de gabinete do Presidente angolano, João Lourenço, nas decisões tomadas na Sonangol e salientou que ninguém até agora investigou a corrupção na petrolífera.
A empresária afirmou que a decisão de a contratar como consultora em 2015, numa altura em que a Sonangol estava praticamente falida, foi tomada pelo comité de avaliação e análise para o aumento da eficiência do setor petrolífero, presidido por Edeltrudes Costa, a quem "reportava diretamente" e que convidou outras pessoas para a administração.
Segundo Isabel dos Santos, o executivo, liderado pelo seu pai José Eduardo dos Santos, "gostou do projeto" que apresentou e quis que fosse a sua equipa a implementá-lo, motivo pelo qual foi convidada para presidir à administração da empresa e não "por ser filha do Presidente", que manifestou até "algum receio" por não querer ser acusado de nepotismo.
Isabel dos Santos sublinhou que encontrou uma "situação desastrosa na Sonangol", que estava sem dinheiro para pagar salários, com dívidas bancárias e aos próprios fornecedores, e acrescentou que "a gestão danosa da Sonangol já vinha dantes".
Entre os nomes que apontou estão os de Francisco Lemos Maria (seu antecessor na presidência e que chegou a ter contas penhoradas pelo fisco português) e Manuel Vicente, que foi "quem geriu por mais tempo" a Sonangol.
Isabel dos Santos descreveu o processo como um "caminho de mentiras" traçado pela justiça angolana, salientando ter feito "coisas muito positivas" pela Sonangol, que voltou a dar lucro em 2017, quando foi exonerada por João Lourenço (sucessor do seu pai) e reiterou ser alvo de uma "perseguição política".
Se assim não fosse, acrescentou, os consultores com quem trabalhou também deveriam ser arguidos, tal como os 11 membros da administração que votaram favoravelmente as decisões e Paulino Jerónimo, então presidente da Comissão Executiva e atual líder da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANPG).
Questionada sobre os 13 milhões de dólares pagos à sua equipa no período em que esteve na petrolífera estatal, Isabel dos Santos justificou ter aumentado os salários para que a Sonangol fosse uma empresa competitiva e atraísse os melhores quadros, confirmando a sua remuneração de 50.000 dólares mensais, mas afirmou ter poupado custos.
"Eu não viajava de jato privado. As viagens de Manuel Vicente e Francisco Lemos custavam quatro vezes o meu salário quando iam a Portugal nos seus jatos privados", disse a empresária, frisando que o ex-vice-presidente angolano viajava apenas no seu Falcon privado.
Isabel dos Santos disse ainda que o atual executivo angolano "nunca investigou" e não quis olhar para outras denúncias de corrupção na Sonangol que visavam outros administradores.
"Como é que a Sonangol não tem dinheiro em 2015 e ninguém investiga? Nunca ninguém quis saber, por isso digo que este combate à corrupção não é sério, é uma farsa, é uma fachada, parte de uma campanha política", criticou.
Isabel dos Santos considerou que "ninguém vai ser interrogado e ninguém vai ser mexido" e desafiou a Procuradoria-Geral da República a abrir um processo contra os antigos administradores e a chamá-la como testemunha.
Associa processo da Sonangol a calendário político de João Lourenço
Isabel dos Santos associou o processo por suposta gestão danosa na Sonangol a um "calendário político" do Presidente angolano, João Lourenço, que quer conquistar popularidade para um terceiro mandato e afastar as pessoas que se lhe opõem. Além disso, a empresária considerou tratar-se de uma "manobra de diversão".
"Não há duvida de que João Lourenço quer um terceiro mandato e parte disto é para lhe dar votos de popularidade. Ele está a fazer isto como parte da agenda de um terceiro mandato para conseguir fazer a mudança da Constituição e tirar do caminho qualquer pessoa que não tenha a mesma visão", sublinhou a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
"Eu não acredito que o Estado tenha de ser dono de tudo, eu acredito na liberdade de imprensa, temos um posicionamento político muito diferente", continuou Isabel dos Santos, acusando João Lourenço de quer tirar poder económico a quem possa fazer-lhe frente, apoiar outros candidatos ou outros partidos.
A empresária queixou-se de ter visto o seu dinheiro e ativos congelados há cerca de quatro anos, sem qualquer condenação ou acusação, não podendo sequer pagar a educação dos filhos ou custear despesas de saúde.
"São medidas de muita agressividade, só se faz isso a quem se quer intimidar", frisou, questionando também a gestão das empresas que lhe foram retiradas, nomeadamente a operadora de telecomunicações Unitel, que enfrenta dificuldades.
Isabel dos Santos garantiu que vai responder às acusações que lhe são feitas no prazo de dez dias que lhe é dado para prestar esclarecimentos, que o seu advogado tudo fará para tudo remeter dentro do prazo e afirmou que não se encontra em parte incerta, devido ao pedido enviado pelas autoridades angolanas para a Interpol e que a impede de se deslocar.
"Nas procurações consta o meu endereço, as autoridades angolanas e portuguesas sabem onde eu estou, tenho recebido correios das autoridades portuguesas em minha casa", acrescentou.
A empresária salientou que nunca fez parte de decisões políticas nem integrou as estruturas dirigentes do MPLA (partido do poder) e que não tinha relações próximas com João Lourenço e a sua família, dizendo não saber os motivos da escolha deste candidato para suceder ao seu pai.
Isabel dos Santos afirmou que José Eduardo dos Santos tinha um estilo de gestão "colegial" que incluía as opiniões dos seus auxiliares: "acredito que o MPLA deve ter debatido a candidatura de João Lourenço e ter tomado uma decisão nesse sentido".
A empresária angolana sublinhou que para a sua família esta é "uma fase dura, difícil"
"Nós amamos Angola e não viver em Angola é algo que sofremos muito", destacou Isabel dos Santos.
"Sentimos saudades, sentimos que aquilo que nos está a acontecer não é justo, que nos está a acontecer porque somos filhos de José Eduardo dos Santos", continuou.
Isabel dos Santos e os seus irmãos Welwitscia "Tchizé" dos Santos e José Eduardo Paulino dos Santos "Coreon Du" vivem há vários anos fora de Angola, depois de João Lourenço assumir o poder, sendo a empresária visada em vários processos judiciais a nível internacional.
A filha do antigo Presidente criticou o executivo angolano por se ter comportado "de forma muito desumana" na altura da morte de José Eduardo dos Santos, impondo um funeral de Estado em Luanda, contra a vontade dos filhos mais velhos, e acusou o poder político de não ter sido leal ao pai nem à história de Angola, faltando vozes que se levantassem contra o que estava a acontecer.
Isabel dos Santos é acusada de 12 crimes relativos à sua gestão na Sonangol no período entre julho de 2016 e novembro de 2017.
Isabel dos Santos acusa Justiça portuguesa de cumprir ordens das autoridades angolanas |
A empresária angolana Isabel dos Santos disse esta terça-feira que as autoridades angolanas dão "ordens diretas" e instruções às suas congéneres portuguesas nos casos judiciais que a envolvem nos dois países.
A filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, que falava à Rádio Essencial, um dia depois de a Lusa divulgar os crimes de que é acusada no processo relacionado com a gestão da Sonangol, disse que estão em curso processos de reclamação dos seus investimentos em Angola e em Portugal.
Isabel dos Santos tem contas e ativos arrestados em vários países na sequência de processos judiciais que correm em Angola e noutras jurisdições.
Instada a comentar o que espera das autoridades portuguesas, a empresária afirmou que as decisões e o posicionamento da Justiça portuguesa são "a mando da Justiça angolana", nomeadamente da Procuradoria-Geral da República e do Serviço de Recuperação de Ativos, que "mandam instruções" que são cumpridas pelas contrapartes portuguesas "sem verificar se aquilo é verdade ou mentira".
A empresária queixou-se do segredo de justiça imposto e de não ter "acesso a nada" e não saber de que é acusada "porque a PGR de Angola não deixa" e dá "ordens diretas às autoridades portuguesas".
Quanto a Angola, afirmou que os arrestos decretados no final de 2019 "têm um impacto muito negativo na gestão" das suas antigas empresas, salientando que "a vocação do Estado não é gerir empresas privadas, e sim governar bem o país".
Em 31 de dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo das contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo e de Mário Leite da Silva, no Banco de Fomento Angola (BFA), Banco Internacional de Crédito (BIC), Banco Angolano de Investimentos (BAI) e Banco Económico, além das participações sociais que os três detêm enquanto beneficiários efetivos no BIC, Unitel, BFA e ZAP Media.
O despacho sentença proferido na altura dava como provada a existência de um crédito dos requeridos para com o Estado angolano num valor superior a mil milhões de dólares (894,9 milhões de euros), dívida que os requeridos terão reconhecido, mas alegaram não ter condições para pagar, de acordo com o documento.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou em 19 de janeiro de 2020 mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.