Irão e Arábia Saudita restabelecem relações diplomáticas com apoio da China
O Irão e a Arábia Saudita anunciaram esta sexta-feira que chegaram a um acordo para restabelecer as relações diplomáticas cortadas por Riade em 2016 após os ataques às suas sedes diplomáticas no país persa.
O acordo entre as duas potências no Médio Oriente foi assinado na China, onde as duas partes mantiveram negociações com o apoio de Pequim, segundo um comunicado conjunto dos três países.
"A República Islâmica do Irão e o Reino da Arábia Saudita decidiram retomar as relações diplomáticas e reabrir as suas embaixadas no prazo de dois meses", pode ler-se no comunicado.
Nos últimos anos, as tensões entre o Irão [xiita] e a Arábia Saudita [sunita] aumentaram de tom, sendo agravadas quando, em 2018, Washington se retirou unilateralmente do acordo nuclear com Teerão que fora assinado em 2015.
Desde essa altura, o Irão foi responsabilizado por uma série de ataques contra a Arábia Saudita, incluindo um que teve como alvo o coração da indústria petrolífera saudita, em 2019, que reduziu temporariamente para metade a produção de petróleo daquele país.
Os Estados Unidos disseram esta sexta-feira que saúdam o acordo entre o Irão e Arábia Saudita, mediado pela China, mas expressaram dúvidas de que Teerão cumprirá os seus compromissos.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse que "damos boas-vindas" ao acordo diplomático se, por exemplo, ele levar à paz no Iémen, onde as duas potências regionais apoiam lados opostos.
"Veremos. Realmente resta saber se os iranianos vão honrar a sua parte do acordo. Este não é um regime que normalmente honre a sua palavra", disse Kirby. "Gostaríamos de ver esta guerra no Iémen terminar e que este acordo nos possa ajudar a chegar a esse resultado", disse.
As relações entre o Irão e a Arábia Saudita, dois "pesos-pesados" do Médio Oriente, são tensas há décadas devido a rivalidades religiosas e à luta de influências na região.
Seguem-se pontos essenciais na história de relações tensas entre os dois países.
Revolução iraniana e guerra
Após a criação da República Islâmica do Irão, em abril de 1979, na sequência da revolta popular desse ano, os países sunitas acusaram Teerão de pretender "exportar" a revolução xiita para os abafar.
Em 1980, o Iraque atacou o Irão, desencadeando uma guerra de oito anos durante a qual a Arábia Saudita apoiou financeiramente o regime iraquiano.
Peregrinos mortos, relações rompidas
Em 1987, as forças de segurança em Meca, na Arábia Saudita, reprimem uma manifestação anti-norte-americana não autorizada organizada por peregrinos iranianos. Mais de 400 pessoas, na maioria iranianas, são mortas.
Iranianos, furiosos, saquearam a Embaixada Saudita em Teerão e, em 1988, Riade cortou relações diplomáticas, o que se prolongaria até 1991.
Oposição na Síria e no Iémen
Enquanto os protestos da Primavera Árabe atingem a região em 2011, Riade envia soldados para o Bahrein, onde os xiitas estão a manifestar-se em apoio à revolução. A Arábia Saudita acusa o Irão de alimentar tensões.
Os dois países rivais confrontam-se novamente em 2012, quando irrompe a crise síria. O Irão apoia o Presidente sírio, Bashar al-Assad, enquanto a Arábia Saudita sai em defesa dos rebeldes.
No Iémen, em 2015, Riade formou uma coligação árabe sunita para intervir em favor do Presidente iemenita para tentar derrotar os rebeldes xiitas Houthi, apoiados por Teerão.
Debandada mortal em Meca
Uma debandada durante a grande peregrinação anual a Meca, em 2015, matou cerca de 2.300 peregrinos estrangeiros, incluindo centenas de iranianos.
O líder supremo do Irão, ayatollah Ali Khamenei, diz que a Arábia Saudita não merece administrar os locais mais sagrados do Islão.
Relações novamente rompidas
Em 2016, a Arábia Saudita executou o proeminente clérigo xiita Nimr al-Nimr, uma dos principais líderes dos protestos antigovernamentais, por "terrorismo".
A execução deixa o Irão furioso. Manifestantes atacam missões diplomáticas sauditas no Irão. Riade rompe novamente as relações com Teerão.
Hezbollah, Qatar
Em 2016, as monarquias árabes do Golfo consideram a poderosa milícia xiita libanesa Hezbollah, aliada do Irão, como uma "organização terrorista".
Em 2017, foi em Riade que o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, anunciou a renúncia ao cargo, argumentando com o "controlo" do Irão no Líbano através do Hezbollah. Mais tarde, Hariri irá retratar-se.
No mesmo ano, a Arábia Saudita e aliados cortam relações diplomáticas com o Qatar, acusando-o de manter laços "muito estreitos" com o Irão e de apoiar o extremismo, o que Doha nega. A Arábia Saudita e respetivos aliados restabelecem as relações em 2021.
Nuclear iraniano
Em 2018, numa entrevista a uma cadeia de televisão norte-americana, o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman avisou que, se Teerão adquirir armas nucleares, a Arábia Saudita fará o mesmo "o mais rápido possível".
Mohammed bin Salman qualifica o líder supremo do Irão, ayatollah Ali Khamenei, como "um novo Hitler".
"Quer criar o seu próprio projeto no Oriente Médio, um pouco como Hitler, que, à época, queria fazer o mesmo", disse o príncipe herdeiro.
Restabelecimento das relações
Hoje, 10 de março de 2023, a Arábia Saudita e o Irão concordaram em "retomar as relações diplomáticas e reabrir embaixadas e missões dentro de dois meses", de acordo com uma declaração tripartida assinada por Riade, Teerão e Pequim.
O acordo, mediado pela China, foi anunciado depois de as partes se terem reunido durante vários dias em Pequim para ultrapassarem as divergências.