“Há anos que os B2 treinam reabastecimento no Atlântico com recurso a aeronaves estacionadas nas Lajes”
A passagem de vários aviões de guerra americanos pela Base das Lajes nos últimos dias é provável que esteja relacionada com o conflito no Médio Oriente?
A rota que se presume real - depois de manobras de diversão que apontariam para projeção num primeiro segmento para a base de Guam (Pacífico) - dos aviões B2 Spirit que bombardearam o Irão sugere o reabastecimento numa parte da rota com recurso aos reabastecedores estacionados na Base das Lajes (doze em terra e seis no ar em manobras permanentes, com revezamento). Aliás, há vários anos que os B2 treinam com alguma regularidade reabastecimento no espaço do Atlântico com recurso a aeronaves estacionadas nas Lajes e reabastecimento rápido em terra, na base terceirense, com motores ligados. Desta vez, o reabastecimento terá sido em voo. A confirmar-se esta operação de reabastecimento, como tudo indica, o envolvimento da Base das Lajes no ataque ao Irão é óbvio. Antes do bombardeamento, os reabastecedores vinham a operar com regularidade, o que sugere o envolvimento numa provável ponte aérea para pré-posicionamento de forças. O regresso a casa (EUA) das forças projetadas deverá ser outro momento importante de utilização da Base das Lajes para reabastecimento, como é habitual em circunstâncias idênticas (Iraque, Afeganistão…) ou em momentos de rotação de forças. Nesses casos, sem urgência, a operação deverá ser mista, com reabastecimentos em voo e outros no solo - até porque estes momentos são geralmente utilizados para treinos diversos e para testar a prontidão e o desempenho da Base das Lajes.
Confirma-se a importância estratégica dos Açores para os Estados Unidos, mesmo que em Washington se fale muito de que é o Pacífico e não o Atlântico a prioridade?
O controlo do Atlântico não ocorre sem o domínio do chamado espaço geoestratégico dos Açores. Trata-se de uma realidade histórica (Portugal, depois Espanha, mais tarde Inglaterra…), do presente (EUA) e do futuro perscrutável (?). Há uma competição estratégica em curso no Atlântico que envolve EUA, Rússia e China e que só tenderá a agravar-se, conforme está bem descrito em estudos, por exemplo, norte-americanos. O controlo da zona é considerado vital, não só tendo presentes infraestruturas críticas (cabos submarinos, por exemplo), mas também o empenho já bem real da Rússia com a arma submarina (que frequenta a zona com assiduidade) e a tendência da China para projetar a sua presença para determinadas zonas da bacia do Atlântico e com contactos em curso também nos Açores, como é público. Com o Atlântico a crescer como zona de comércio pelo mar, todo este enredo é cada vez mais complexo. É por isso que os EUA empenham os seus aviões P8 nas Lajes à procura de submarinos e Portugal parece interessado em juntar os seus P3, além de ser quase certa a instalação de meios navais portugueses e norte-americanos no Porto da Praia da Vitória (contíguo às Lajes), incluindo submarinos. Ou seja, a narrativa do fim do Atlântico, sendo substituído pelo Pacífico, é irreal. A não ser que os EUA, num golpe de “genialidade” que escapa à nossa compreensão, queiram abandonar a zona, deixando o espaço aberto para ser ocupado sabe Deus por quem!
Já houve outros momentos em que as Lajes tiveram grande importância para a estratégia americana no Médio Oriente. A Guerra do Yom Kippur, em 1973, é o exemplo máximo?
A guerra do Yom Kippur, embora datada num tempo tecnológico determinado da aviação - mesmo assim, a ocupação máxima de uma aeronave de transporte estratégico continua a condicionar muito a distância a percorrer sem reabastecimento -, exemplifica duas coisas. Por um lado, a utilidade das Lajes para projetar poder sobre o Atlântico com aproveitamento das capacidades máximas de transporte, o que é de enorme importância em caso de urgência, como ocorria nessa operação, que visou salvar Israel face a uma ameaça existencial muito complexa; por outro lado, exemplifica a fragilidade política em que se encontra um Estado que hospeda bases de uma potência com a dimensão e os interesses dos EUA. Recorda-se que a Europa continental impediu a operação das aeronaves e Portugal “autorizou” para salvar a face quando os aviões já estavam em rota dos EUA para as Lajes. Embora da maior importância, essa foi apenas uma operação. O suporte da Base das Lajes a operações norte-americanas dificilmente caberia em todas as páginas desta edição do prestigiado DN.