Francisco Resendes, diretor do Portuguese Times.
Francisco Resendes, diretor do Portuguese Times.

"Houve quem saísse à rua empunhando bandeiras dos EUA com vivas e cânticos pelo papa"

Francisco Resendes, diretor do 'Portuguese Times', afirma que eleição de Robert Francis Prevost como Leão XIV "traz lufada de ar fresco e esperança de dias melhores ao catolicismo" norte-americano.
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Ficou pessoalmente surpreendido com a eleição de um papa americano?

A eleição do novo papa, o 267.º bispo de Roma e líder da Igreja Católica, foi de facto uma enorme surpresa para mim, uma vez que, segundo alguns observadores e fontes próximas do Vaticano, apontavam os cardeais italianos Pietro Parolin e Matteo Zuppi e ainda o filipino Luis Antonio Tagle como favoritos à sucessão do papa Francisco. Longe de pensar que um norte-americano acabaria por ser o escolhido, tornando-se assim no primeiro papa oriundo dos EUA, pese o facto de o catolicismo ser na verdade a denominação religiosa com mais seguidores aqui em terras do Tio Sam, sobretudo nos estados do Nordeste do país (onde estão incluídos os seis estados da Nova Inglaterra, residindo aqui a maioria da comunidade portuguesa e luso-americana), Nova Iorque, Pensilvânia e ainda de todos os estados do Oeste dos EUA, designadamente a Califórnia.

Como foi a reação em geral nos Estados Unidos? 

A reação geral nos EUA à eleição de Robert Francis Prevost, de Chicago, diria que foi primeiramente de surpresa e depois de grande alegria pelo facto de um norte-americano ter assumido pela primeira vez na história da Igreja Católica um papa. Os sinais foram manifestamente exteriorizados por pessoas que saíram à rua empunhando bandeiras dos EUA com vivas e cânticos, sobretudo no estado de Illinois, onde reside um dos irmãos, e mesmo até de pessoas e altas entidades de outras crenças religiosas, que comungaram do mesmo entusiasmo ao verem um conterrâneo seu ser eleito chefe da maior instituição religiosa do mundo.

A comunidade portuguesa continua praticante do catolicismo?

Os portugueses que imigraram para os EUA trouxeram na bagagem os valores e princípios humanos e cristãos católicos e cujos sinais dessa presença manifestam-se em muitas igrejas da costa a costa do país, a maioria das quais centenárias, embora algumas na iminência de encerrarem as portas. A mais antiga igreja portuguesa nos Estados Unidos, a igreja de São João Baptista, em New Bedford, encerrou em 2012 devido sobretudo à fraca afluência de paroquianos, a maioria dos quais portugueses e consequente situação financeira insustentável. Imigrei para este país em finais de 1977 e sou do tempo em que as igrejas, sobretudo as portuguesas desta região dos estados de maior concentração de portugueses – Massachusetts e Rhode Island – comportavam grande número de paroquianos que frequentavam as diversas práticas religiosas, sobretudo nas celebrações das eucaristias dominicais e outros rituais e atividades. Hoje, talvez devido à estagnação desse fluxo migratório, essa participação e afluência diminuiu claramente e em parte ainda porque a nova geração, na sua larga maioria, não participa nos atos religiosos, um cenário que é transversal a outras comunidades e geografias numa sociedade consumista e cada vez mais materialista. Não quero dizer com isto que esta nova geração não esteja, na sua maioria, inscrita nas diversas paróquias, contudo no que se refere a participar e a praticar a sua religiosidade (cristã católica) há claramente um decréscimo. Não vejo que a eleição de um papa americano venha alterar esta situação relativamente aos luso-descendentes.

A primeira dama é católica, o vice-presidente também, seis dos juízes do Supremo Tribunal igualmente. Mas Joe Biden foi apenas o segundo presidente católico em 250 anos de independência. O catolicismo está bem visto hoje nos Estados Unidos?

Num país caracterizado por uma diversidade de crenças e práticas religiosas esta eleição do novo chefe da Igreja Católica concedida a um estadunidense terá certamente um impacto positivo no que se refere a uma maior aderência ao catolicismo nos EUA, sobretudo junto de uma fação de novas comunidades de imigrantes que chegam provenientes das Américas Central e do Sul, que continuam vivamente a praticar e a participar na vida cristã católica nas mais variadas atividades e manifestações. Esta eleição de Robert Francis Prevost, traz sem dúvida uma lufada de ar fresco e esperança de dias melhores ao catolicismo, sobretudo depois de fases menos positivas que a Igreja Católica dos EUA tem enfrentado nos últimos tempos face à ocorrência de escândalos de abusos sexuais cometidos por padres e funcionários da Igreja Católica, o que originou uma série de processos judiciais e criminais, e que descredibilizou de alguma forma, digamos, a nobre missão humana e divina desta instituição.

O cardeal Medeiros, de Boston, nascido nos Açores e que morreu em 1983, continua a ser a grande figura luso-americana no catolicismo? 

O cardeal Humberto de Medeiros, arcebispo de Boston, natural dos Arrifes, ilha de São Miguel, Açores, continua a ser sem dúvida a grande referência dos cristãos católicos portugueses residentes nos EUA, de costa a costa, mas sobretudo nesta região de Massachusetts e Rhode Island, particularmente por residir aqui numerosa comunidade açoriana e porque o cardeal iniciou a sua atividade paroquial no Texas e aqui em Massachusetts, na igreja de São Miguel, em Fall River, onde foi pároco entre 1960 e 1966 tendo mais tarde assumido, para além de se tornar arcebispo de Boston, diversas iniciativas filantrópicas. O cardeal D. Humberto Medeiros não é apenas uma figura de referência no mundo católico português dos EUA mas também uma figura de relevo em todos os quadrantes sociais.

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