Guterres: Ofensiva em Rafah seria o "último prego no caixão" da ajuda da ONU

Guterres: Ofensiva em Rafah seria o "último prego no caixão" da ajuda da ONU

Na 55.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Suíça, o secretário-geral da ONU considerou que "a falta de unidade" no Conselho de Segurança da organização face à invasão russa da Ucrânia e às operações de Israel em Gaza minou gravemente, "talvez fatalmente", a sua autoridade.
Publicado a
Atualizado a

O secretário-geral da ONU advertiu esta segunda-feira que a anunciada ofensiva militar em grande escala de Israel em Rafah constituiria "o último prego no caixão" da ajuda humanitária na Faixa de Gaza e voltou a pedir um cessar-fogo humanitário.

"Uma ofensiva israelita total sobre a cidade seria não só aterradora para os mais de um milhão de civis palestinianos que aí se encontram abrigados, como também colocaria o último prego no caixão dos nossos programas de ajuda", já manifestamente insuficientes, declarou António Guterres, que falava na sessão de abertura da 55.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Suíça.

Na sua intervenção de hoje em Genebra, António Guterres reiterou que "nada pode justificar os assassinatos, torturas e raptos deliberados de civis pelo Hamas, o recurso à violência sexual ou o disparo indiscriminado de 'rockets' contra Israel", mas insistiu que também "nada justifica a punição coletiva do povo palestiniano".

Apontando que "Rafah é o centro da operação de ajuda humanitária", Guterres sublinhou que "a espinha dorsal desses esforços" é a UNRWA, a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos, que, nas palavras do seu diretor, Philippe Lazzarini, atingiu "o ponto de rutura", com "os repetidos apelos israelitas ao seu desmantelamento e ao congelamento do financiamento dos doadores".

Israel acusou 12 membros da agência de envolvimento no ataque de 07 de outubro do grupo islamita palestiniano Hamas, e, embora não tenha providenciado provas, 16 países suspenderam o seu financiamento, num total de 450 milhões de dólares (415,75 milhões de euros).

Intervindo hoje a seguir ao secretário-geral, o Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, deplorou o que classificou como "as tentativas de minar a legitimidade e o trabalho das Nações Unidas e de outras instituições", tentativas essas que, apontou, "incluem a desinformação que visa as organizações humanitárias da ONU, as forças de manutenção da paz da ONU" e o seu próprio gabinete.

"A ONU tornou-se um para-raios para a propaganda manipuladora e um bode expiatório para os fracassos políticos. Isto é profundamente destrutivo para o bem comum e trai insensivelmente as muitas pessoas cujas vidas dependem dela", lamentou, sem nunca se referir explicitamente a Israel e à UNRWA, o alto-comissário, também ele acusado por Telavive de adotar frequentemente posições pró-palestinianas. 

A guerra em curso entre Israel e o Hamas foi desencadeada, recorde-se, por um ataque sem precedentes do grupo islamita palestiniano em solo israelita, em 7 de outubro, que causou cerca de 1.200 mortos e mais de duas centenas de reféns, segundo as autoridades israelitas.

Em represália, Israel lançou uma ofensiva no território palestiniano que já causou mais de 29 mil mortos, de acordo o Hamas, que controla o território desde 2007.

Autoridade do Conselho de Segurança da ONU "talvez fatalmente" minada, considera Guterres

Na mesma ocasião, o secretário-geral da ONU considerou ainda que "a falta de unidade" no Conselho de Segurança da organização face à invasão russa da Ucrânia e às operações de Israel em Gaza minou gravemente, "talvez fatalmente", a sua autoridade.

António Guterres voltou a defender que "o Conselho de Segurança necessita de uma reforma profunda da sua composição e dos seus métodos de trabalho", já que "está frequentemente bloqueado, incapaz de atuar sobre as questões de paz e segurança mais importantes do nosso tempo".

"A falta de unidade do Conselho em relação à invasão russa da Ucrânia e às operações militares de Israel em Gaza, na sequência dos terríveis ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro, minou gravemente, talvez fatalmente, a sua autoridade", afirmou. 

Lembrando que, em dezembro passado, invocou pela primeira vez o Artigo 99º da Carta das Nações Unidas, "para exercer a maior pressão possível sobre o Conselho para que fizesse tudo ao seu alcance para pôr termo ao derramamento de sangue em Gaza e evitar uma escalada", o secretário-geral lamentou que tal "não foi suficiente" e "o direito internacional humanitário continua a ser atacado".

"Após décadas de relações de poder estáveis, estamos a transitar para uma era de multipolaridade. Esta situação cria novas oportunidades de liderança e justiça na cena internacional. Mas a multipolaridade sem instituições multilaterais fortes é uma receita para o caos. Quando as potências competem, as tensões aumentam. O Estado de direito e as regras da guerra estão a ser minados", reforçou.

As declarações de Guterres têm lugar menos de uma semana depois de os Estados Unidos, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, terem vetado, a 20 de fevereiro, um projeto de resolução proposto pela Argélia que exigia um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza.

A resolução, que teve amplo apoio dos países árabes, recebeu 13 votos a favor, um voto contra (Estados Unidos) e uma abstenção (Reino Unido), tendo sido esta a terceira vez desde o início da guerra, em outubro passado, que Washington bloqueia uma resolução a exigir um cessar-fogo na Faixa de Gaza, mergulhada numa situação humanitária catastrófica, na sequência da grande operação militar lançada no território como resposta aos ataques do Hamas.

Também as propostas de resolução em sede do Conselho de Segurança da ONU a condenar a agressão militar russa à Ucrânia, iniciada há dois anos, foram inviabilizadas, dado a Rússia ser um dos membros permanentes, e contar regularmente com o apoio da China.

Fundado em 1946, depois da II Guerra Mundial, o Conselho de Segurança das Nações Unidas -- único órgão do sistema internacional capaz de adotar decisões obrigatórias para todos os 193 Estados-membros da ONU -- tem cinco membros permanentes com poder de veto: China, França, Rússia, Reino Unidos e Estados Unidos.

Notícia atualizada às 11:48

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt