Em Mitzpe Hila avista-se a fronteira com o Líbano.
Em Mitzpe Hila avista-se a fronteira com o Líbano.DN

Guerra no Líbano? Depois do Hamas em Gaza, é o Hezbollah que está na mira de Israel

Desde 7 de outubro que o movimento xiita libanês lança rockets contra tudo o que se mexa no outro lado da fronteira. 80 mil israelitas tiveram de deixar as suas casas. Governo de Netanyahu ameaça abrir nova frente a Norte, depois de concluída operação em Gaza. Militares dizem-se preparados para nova guerra, no Líbano.
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"Está a ver aquela estrada ali em ziguezague? Para a esquerda dela é o Líbano, para a direita é Israel. Daqui vê-se Adamit, e ali está Hanita, outro kibutz”, aponta um militar israelita para duas serras que correm em paralelo e onde passa a fronteira. Pede para que não o identifique. Só dois oficiais, também aqui presentes, têm autorização para falar com os jornalistas. Estamos a oito quilómetros em linha reta do Líbano, e o zumbido por cima de nós é um drone de vigilância do IDF (sigla em inglês para forças armadas israelitas), programado para reagir a qualquer ataque do Hezbollah, que nos últimos oito meses tem fustigado a região da Galileia, obrigando 80 mil pessoas a deixar as suas casas ao longo de todo o norte de Israel. “São refugiados no seu próprio país”, como insistentemente tenho ouvido nestes dias de reportagem em Israel, quase tanto como a tese de estar próxima uma muito provável guerra a somar à de Gaza. Ainda na quinta-feira, de visita a Washington, o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, ameaçou “devolver o Líbano à idade da pedra” se o Hezbollah não parar, mesmo que sublinhasse que preferia evitar nova guerra.

Não parou. Ontem houve 25 rockets disparados e três drones. Mas a 12 de junho, o movimento xiita libanês chegou a disparar mais de 200 rockets em poucas horas, depois de um ataque israelita ao Líbano ter morto um dos seus comandantes. “Não há um único dia de paz aqui no Norte de Israel” desde que a 7 de outubro, data do massacre de 1200 israelitas nas vizinhanças de Gaza, o Hezbollah decidiu apoiar o Hamas, explica o tenente-coronel Yarden. Junto com outro tenente-coronel, Oren, que pede igualmente para utilizar apenas o primeiro nome, relata a situação na frente Norte a um grupo de jornalistas europeus e americanos. “Fomos enviados para aqui logo a seguir a 7 de outubro. Temíamos um ataque vindo do Líbano como o que aconteceu junto a Gaza mas não o permitimos”, afirma Yarden, que garante que o moral dos soldados continua alto apesar do desgaste, pois muitos, como ele, são reservistas que tiveram de deixar para trás o emprego e a família. Com 54 anos, o tenente-coronel Yarden conta ser de Jerusalém e na vida civil trabalhar no import-export e no turismo. “Estamos preparados para tudo. Estou aqui desde outubro, só fiz uma pequena pausa em março”, diz, por seu lado, Oren, de 46 anos, com três filhos, e que em Telavive, onde vive, é gerente numa empresa de tecnologia. Estão ambos com farda de combate, de metralhadora M16 a tiracolo, com carregadores presos ao peito e uma pequena mochila às costas. Yarden usa óculos de ver, descaídos no nariz, Oren está de óculos de sol. Falam um inglês perfeito, marcado aqui e além pelos erres carregados do sotaque hebraico.

O ponto de encontro foi marcado pelo próprio IDF para perto de Mitzpe Hila, no topo de uma colina salpicada de oliveiras, não longe de uma quinta com vinhedos que nestes meses tem estado abandonada, e muito dificilmente virá alguém em setembro para a vindima. Até por existir cada vez mais possibilidade de haver uma guerra entre Israel e o Hezbollah em grande escala, se os ataques com rockets e drones armados não pararem. O próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já disse que à medida que a operação militar em Gaza for sendo concluída, o Líbano pode ser a próxima guerra numa luta que os israelitas consideram ser existencial contra os vários aliados do Irão, desde o Hamas ao Hezbollah, passando pelos houthis que a partir do Iémen lançam mísseis contra o sul do Estado Judaico e contra navios ocidentais no mar Vermelho. O próprio Irão lançou em retaliação por um ataque ao seu consulado na Síria centenas de drones e vários tipos de mísseis contra Israel na noite de 13 para 14 de abril, destruídos em grande medida pelo Iron Dome, ou “cúpula de ferro”, o sofisticadíssimo sistema antimíssil israelita, e o resto pelos aviões de vários países amigos, nomeadamente dos Estados Unidos , o aliado número um.

“Faltam mais umas semanas para terminarmos em Gaza e as tropas poderem vir para Norte”, afirma o tenente-coronel Yarden. “Teremos de parar com estes ataques. Depois da guerra de 2006, e a resolução 1701 da ONU, era suposto a comunidade internacional manter afastado o Hezbollah da fronteira mas isso não aconteceu. Não tenho dúvidas de que se a opção for a guerra, teremos baixas mas ganharemos. Já há cem mil refugiados também no lado libanês por causa desta situação e muitos libaneses não têm coragem para o dizer mas não querem ficar reféns dos interesses do Hezbollah. O povo libanês pode pagar muito caro por aquilo que está a fazer o Hezbollah”, acrescenta. “Temos de defender a nossa pátria. Nenhum país pode aceitar que a sua população esteja sob ataque permanente”, diz, por seu lado, o tenente-coronel Oren. “Isto é uma guerra do bem contra o mal. Só não percebe quem não quiser. A 7 de outubro, o Hamas matou, torturou, violou, raptou”, sublinha Yarden, em resposta a perguntas dos jornalistas sobre os manifestantes na Europa e nos Estados Unidos contra a guerra em Gaza denunciarem os quase 40 mil palestinianos mortos na intervenção em Gaza mas faltarem palavras contra o terror causado pelo grupo palestiniano há oito meses. E acrescenta o militar: “Os nossos inimigos querem destruir-nos, mas não o conseguirão. Há hoje uma unidade em Israel que não havia há um ano, quando a sociedade estava dividida pela política. Isso vê-se pela unidade no IDF. Judeus laicos e ortodoxos juntos”. Em volta, vários soldados, tanto homens como mulheres, alguns bastante jovens, ouvem e fazem sinal de concordância com a cabeça. 

Refugiados no seu próprio país

Um alerta de última hora impede por questões de segurança a visita programada ao kibutz Matzuva, um dos situados junto à fronteira libanesa e completamente abandonado pelos habitantes por causa dos rockets. Nesta zona, o IDF tem de aprovar as deslocações dos civis. Mas mantém-se o encontro com Moshe Davidovich, presidente do conselho regional de Matte Asher, que abrange as comunidades da linha da frente, evacuadas, como Matzuva, e várias outras em que a vida continua mas não é a normal, basta pensar que há escolas e creches fechadas por causa dos rockets do Hezbollah e houve necessidade de criar algumas escolas provisórias mais a sul, até com caravanas ou em edifícios desocupados cedidos por outros municípios mais distantes da zona sob ataque.

“A 7 de outubro o governo não soube como reagir. Mais de 1200 mortos no Sul, mais de 200 reféns levados pelos terroristas do Hamas para Gaza, e aqui no Norte os terroristas do Hezbollah a atacar também. Mas as pessoas organizaram-se e mostraram a resiliência da sociedade israelita. Uniram-se. Gente que pouco tempo antes ia a protestos de sentido oposto, pessoas que estavam umas contra as outras, uniram-se. Temos de defender a nossa fronteira. Não podemos viver no medo. O Hezbollah é a mais perigosa organização terrorista no Médio Oriente. Fazem túneis para nos atacar”, diz, num tom duro, Davidovich, numa sala de reuniões, onde se entra depois de se passar por uma parede enorme com as fotografias e os nomes dos reféns levados para Gaza. “Tragam-nos para casa. Agora!”, pode ler-se. E lá estão as fotografias, os nomes e as idades de cada um deles. Por exemplo, Ohad Yahalomi, de 49 anos, ainda refém. Ou Maya Regev, de 21 anos, já com o símbolo de uma borboleta a anunciar que foi libertada, assim como Chana Katzir, de 77 anos. Dos cerca de 230 israelitas e estrangeiros sequestrados a 7 de outubro, 105 foram libertados, sobretudo via negociações. Dos 130 ainda em Gaza, pelo menos 31 estarão mortos, alguns desde o primeiro dia, segundo as autoridades israelitas, que em privado terão informado as famílias.

Parede no edifício do Conselho Regional de Matte Asher com as fotografias e os nomes dos reféns levados para Gaza a 7 de outubro de 2023. “Tragam-nos para casa. Agora!”, pode ler-se.

E a questão dos refugiados internos também afeta o sul, pois muitos kibutzin atacados estão inabitáveis, como o de Nir Oz, situado a menos de dois quilómetros de Gaza, que viu mais de um quarto dos 400 habitantes ser morto ou sequestrado. As casas estão queimadas e equipamentos coletivos como o refeitório estão destruídos. Calcula-se que somando aos do Norte, sejam 100 mil os israelitas obrigados a viver longe de casa por causa da vaga de violência que começou no outono do ano passado e que é sentida em Israel de forma muito diferente de no exterior. Tendo em conta, garantem, que muitos dos mortos eram do chamado “campo da paz”, defensores de negociações com os palestinianos para, como sugerido nos Acordos de Oslo de 1993, se avançar para a solução de dois Estados, o futuro dos cinco milhões de palestinianos em Gaza e na Cisjordânia não é agora uma prioridade nem para o governo de Netanyahu nem para a oposição. 

“Já estamos em guerra com o Hezbollah”

Para se entrar no edifício de pedra branca do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Jerusalém, o controlo de segurança é sempre apertado. Além da passagem obrigatória pelo detetor de metais, há que responder a perguntas e mostrar o passaporte para confirmação de identidade. O processo demora um pouco mas finalmente é possível a conversa marcada com Amichai Chikli, ministro para os Assuntos da Diáspora e para o Combate ao Anti-semitismo. Com pouco mais de 40 anos, filho de um rabino e tendo crescido num kibutz, Chikli tem fama de ser direto. E comprova-o, aceitando uma conversa aberta e em que pode ser citado à vontade, mesmo nos ataques pessoais ao primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, que reconheceu um Estado palestiniano, e na denúncia do aumento do anti-semitismo na Europa. Se sobre a guerra em Gaza não tem dúvidas de que o Hamas tem de ficar inoperacional, pagar pelo que fez há oito meses no sul de Israel e não ter condições de o voltar a repetir, sobre o Norte tem também uma visão muito clara: “já estamos em guerra com o Hezbollah. Não é uma guerra em grande escala, mas é uma guerra. Ou seja, não aceito a ideia de que o que está a acontecer agora no Norte não seja uma guerra. É uma guerra. Temos pessoas que abandonaram as suas casas, há mísseis, temos vítimas, portanto é uma guerra. Quanto a uma guerra em grande escala contra o Estado libanês, ainda não chegámos lá. Bem, seguindo as vozes vindas do Líbano e da oposição que começa a haver ao Hezbollah, dos cristãos e de outros líderes políticos, espero que haja passos para evitar uma guerra em grande escala com o Hezbollah”. E acrescenta, num evidente tom irónico: “não pretendíamos também uma guerra com Gaza, em que abrimos as portas para milhares de pessoas virem trabalhar em Israel e pensámos que talvez eles quisessem melhorar a economia, quisessem finalmente, como muitos disseram que ia acontecer quando de lá saímos, transformar Gaza numa Singapura. Agora espero que no Líbano tenham poder suficiente para impedir o Hezbollah e o Irão de continuarem o processo de escalada. Mas, se não, podemos ver uma guerra em grande escala, e numa guerra em grande escala vamos ter problemas de Relações Públicas, claro, pois precisaremos atacar os locais onde o Hezbollah esconde a munição. Bem, eles estão há anos a esconder munição e não é nas montanhas. Estão a esconder munições nos aeroportos, nos portos marítimos, como vimos no passado, e nas casas de civis”. Chikli não deixou passar em claro uma notícia recente no jornal britânico The Telegraph sobre armazenamento de armas pelo Hezbollah em instalações do aeroporto de Beirute, o que o governo libanês se apressou a negar. 

“Quiseram que Israel tivesse medo do terrorismo”

O tenente-coronel Ishay Efroni aponta para um mapa do norte de Israel que assinala onde houve impacto de projéteis disparados do lado libanês da fronteira, controlado pelo Hezbollah.

Enquanto a guerra em grande escala não acontece, os rockets do Hezbollah continuam a cair e ainda há três dias dois edifícios arderam em Metula, cidade fronteiriça de 2000 habitantes há vários meses evacuada totalmente. Netanyahu, que apesar de fortes críticas internas sobre a sua governação continua a querer dar a ideia de um líder forte em tempo de guerra, veio esta semana à fronteira com o Líbano e prometeu “vitória” tal como em Gaza se houver mesmo uma guerra em grande escala a Norte.

O contraste entre a tensão vivida no Norte de Israel ou em redor de Gaza, onde a guerra prossegue, e a aparente descontração em Telavive, cidade onde as praias estão cheias desde as sete da manhã até bem depois do pôr do sol, com gente a praticar desportos vários, é enorme. Mas apenas aparente. Apesar de distar 100 quilómetros de Gaza, a metrópole fundada por judeus vindos da Europa nos anos finais do controlo otomano sobre a Palestina, também é alvo esporádico de rockets disparados pelo Hamas. Em finais de maio, houve um dia em que foram disparados oito, todos intercetados pelo Iron Dome. O Hamas reivindicou o ataque nos seus canais nas redes sociais como “uma resposta aos massacres sionistas de civis”. 

À conversa com jornalistas num hotel perto da marina de Telavive, Zohar Palti diz que “massacre é aquilo que o Hamas fez”. Para o antigo dirigente da Mossad, serviços secretos israelitas, “o ataque devastador de 7 de Outubro às nossas cidades foi para assassinar, para conseguir, na verdade, que Israel tenha medo do terrorismo. Nunca vimos nenhum conflito na nossa história tão cruel como vimos no 7 de outubro. Em todos os conflitos que alguma vez tivemos com os países árabes, com grupos terroristas, na Cisjordânia e em Gaza, na Segunda Intifada dos palestinianos, a palavra violação, por exemplo, nunca apareceu. Foram muitas coisas pela primeira vez. Matar crianças, torturar e todas as coisas que eles fizeram em 7 de Outubro, foi a primeira vez que vimos aqui, entre nós e eles. Vimos isso com o Daesh, na Síria e no Iraque, e noutros lugares do Médio Oriente, mas não aqui. A ideia de Yahya Sinwar, o chefe do Hamas em Gaza, era incendiar o Líbano, que o Hezbollah se juntaria, numa guerra 100%, em grande escala. Revolta também na Cisjordânia. E entre os árabes-israelitas. E, claro, ainda o Irão, os houthis e as milícias xiitas do Iraque. Ele teve êxito com os houthis, teve sucesso com as milícias xiitas, digamos em 30% ou 40% teve sucesso com o Hezbollah, no Líbano, mas ainda não em grande escala. E falhou com a Cisjordânia, e sobretudo falhou com os árabes-israelitas, graças a Deus. Mas com o Irão, o 13 e 14 de abril, foi um marco. Quando o Irão decidiu atacar com centenas de mísseis superfície-superfície, mísseis de cruzeiro e UAVs, este foi um dos momentos decisivos nas batalhas no mundo. Ninguém prestou muita atenção depois da nossa defesa agir. Mas no futuro aprenderão esta batalha nas academias militares, em todo o Ocidente. E também, noutros lugares. Então, para concluir este raciocínio, os iranianos também, de certa forma, estão dentro, mas não totalmente, como Sinwar queria, e isto leva-nos à hipótese de uma guerra com o Líbano”. 

Mais uma vez, o tom é franco, analítico, muitas vezes critico do governo (e Palti insiste que é preciso apurar o que falhou em termos de segurança a 7 de outubro), mas garante que há unidade entre os israelitas sobre a necessidade de defender o país daquilo que muitas chamam o eixo da resistência fomentado pelo Irão. A brecha mais significativa tem que ver com a necessidade de libertar os reféns, havendo quem defenda negociações urgentes com o Hamas para um cessar-fogo em Gaza, e além das manifestações em Telavive, esta semana houve um corte da autoestrada. Também sobre a abertura de um novo conflito no Líbano, há vozes que preferem dar prioridade à diplomacia. O antigo dirigente da unidade de contra-terrorismo da Mossad diz que compete ao movimento xiita libanês parar com os ataques: “em primeiro lugar, o Hezbollah começou a atacar a 7 de Outubro como uma simpatia pelo Hamas. Qual é a conexão entre o grupo xiita libanês e um ataque terrorista com assassinatos de civis feito por um grupo palestiniano sunita? O Hezbollah imediatamente se pôs ao lado dos terroristas. E começou a mexer connosco na fronteira norte. Por causa das prioridades, decidimos por enquanto lidar com isso sem atacar o Líbano, só responder a quem dispara na fronteira. Estamos prestes a terminar a grande campanha em Gaza e teremos de lidar com o Líbano no momento certo. E estamos realmente muito zangados. Estamos com muita raiva. E se a comunidade internacional não parar esta escalada, o Líbano de certa forma irá ao fundo. E não é que o Líbano neste momento não seja já um Estado falido. Está devastado. Sem eletricidade, sem economia. O FMI está sempre a tentar ajudar, a UE também. Todos estão preocupados, pois se o Hezbollah arrastasse o Líbano neste momento para um conflito, isso seria devastador. Mas nós temos que trazer o nosso próprio povo de volta ao norte”. E volta à carga: “Temos lá 80 mil civis que não viveram nas suas casas nos últimos oito meses. Se será devastadora uma guerra no Líbano? Sim. Se ainda temos tempo para pará-lo? A resposta também é sim. Ninguém quer mais uma guerra em Israel. Não é que estejamos apressados, já são quase nove meses assim. Mas se não parar, teremos que fazê-lo. Simples. Onde é que está o problema?”.

O Irão, sempre o dedo apontado ao Irão

O restaurante de Abu Gosh, uma aldeia árabe israelita perto de Jerusalém, tem fama há décadas pela boa comida, mas tornou-se ainda mais célebre quando entrou no Guinness pelo recorde do maior hummus, quatro toneladas preparadas por 50 cozinheiros. E é com vista para a mesquita da aldeia, uma das maiores de Israel, que decorre o almoço e a conversa com Ehud Yaari, analista político do Canal 12, especialista em geopolítica do Médio Oriente, um jornalista veterano que tem no seu currículo entrevistas com líderes árabes como o palestiniano Yasser Arafat, o líbio Muammar Khadafi, o egípcio Hosni Mubarak ou os reis jordanos Hussein e Abdallah e com todos os primeiros-ministros israelitas do último meio século.

Também Yaari apoia a tese de que na origem da atual crise está o Irão, que promoveu a criação do tal eixo da resistência, ou da Mukawama, juntando os seus proxies árabes, nem todos xiitas. Mas a iniciativa do 7 de outubro foi do líder do Hamas, convicto de que além de Gaza outras frentes se abririam, a mais importante delas o ataque a Israel vindo do Hezbollah, no Líbano. “A segunda frente, o Líbano, não se desenrolou da forma prevista ou esperada, porque Nasrallah, o líder do Hezbollah, depois de muita hesitação, decidiu optar por uma troca restrita de golpes ao longo de uma estreita faixa da fronteira israelo-libanesa. Eu próprio nasci na aldeia mais a norte de Israel, uma espécie de aldeia alpina, que está agora meio destruída e, claro, evacuada. Mas Nasrallah decidiu que não vai dar tudo de si neste momento, e certamente não por causa de Gaza. E agora o chefe do Hezbollah está preocupado com a possibilidade de os israelitas retirarem forças de Gaza para reforçar as que temos no norte, e a força aérea ser dispensada da maior parte de suas tarefas em Gaza, e teme que haja uma grande vaga de ataques no Líbano. Então ouvimos, nos últimos dias, todo o tipo de ameaças. O Irão intervirá, dizem. Irá ser interrompido o transporte marítimo para os portos israelitas no Mediterrâneo. Milhares de combatentes das milícias xiitas iraquianas, patrocinadas pelo Irão, cruzarão a fronteira da Síria e virão por aí fora, etc., etc., etc. Só a Síria, sublinho eu, não fará de certeza nada, pois Putin, sabe-se, disse aos iranianos que investiu demasiado, em bases, num porto, para pôr tudo a perder agora que Assad parece ter ganhado a guerra”. Para sintetizar, Yaari, que nasceu em Metula, três anos antes da criação do moderno Estado de Israel, e brinca dizendo que já viu quase tudo na vida, conclui que “no fundo, nem Nasrallah, nem os iranianos querem uma grande guerra. Podemos discutir o porquê. Mas não querem.”

A sociedade civil israelita em armas

No piso subterrâneo do edifício que alberga o conselho regional de Matte Asher uma das salas está equipada com ecrãs que mostram em tempo real aquilo que as câmaras captam nas comunidades fronteiriças e o tenente-coronel Ishay Efroni aponta para um mapa que assinala onde houve impacto de projéteis disparados do outro lado da fronteira, dominado pelo Hezbollah, um movimento xiita que foi a única milícia que se manteve armada depois do fim da guerra civil libanesa de 1977-1990, na qual Israel interveio, mantendo o sul do Líbano ocupado até à retirada em 2000. “Os ataques têm de acabar. O Hezbollah ataca militares e civis sem fazer distinção. Se não fosse o Iron Dome vivíamos debaixo de terra. Por isso, se não houver um acordo rapidamente para isto parar o melhor é Israel atacar. Há dezenas de milhares de pessoas impedidas de viver nas suas casas. Estão em hotéis ou alugaram apartamentos longe da fronteira. E não é só não terem onde morar. Também deixaram de poder trabalhar. Há fábricas que fecharam e os campos estão por cuidar. Temos aqui a maior plantação de abacate de Israel. Também aviários. Mas nada funciona. Quem desobedece ao exército e vem nem que seja só para buscar alguma coisa a casa, corre risco de vida, pois o Hezbollah faz mira a tudo”, explica o responsável pelo departamento de segurança regional, que atua em cooperação com o IDF. Combateu na guerra do Líbano, o tal conflito de 2006 entre o Hezbollah e Israel que terminou com um acordo que previa a retirada do Hezbollah para lá do rio Litani, que no seu trecho final corre paralelo à fronteira israelo-libanesa, mas uns 30 quilómetros a norte. “O Hezbollah tem feito ameaças e mostrou imagens do porto de Haifa tiradas por um drone para nos assustar. Mas se um míssil atingir Haifa ou o aeroporto Ben Gurion também Beirute não ficará de pé. O Líbano tem muito mais a perder do que nós com uma nova guerra”, alerta Efroni, de T-shirt verde, barba grisalha, sempre sem largar a metralhadora. “Espero que o meu governo comece a lidar com o governo do Líbano e não com o Hezbollah”, acrescenta, numa referência ao país vizinho, onde coexistem cristãos, drusos e muçulmanos, estes últimos divididos em xiitas e sunitas, com um sistema político que reserva lugares segundo a religião e em que o Hezbollah é um partido político além de movimento armado, considerado terrorista pela UE e pelos Estados Unidos. 

Olho para o Google Maps para perceber onde estou, agora que nos começamos a afastar da fronteira norte. Mas não aparece nem Matte Asher, nem Mitzpe Hila, que era onde vivia a família de Gilat Shalit, soldado israelita sequestrado em 2006 e que esteve cinco anos cativo em Gaza, até ser libertado num acordo que fez sair da prisão em Israel mais de mil palestinianos, entre eles Sinwar. O que aparece no ecrã do telemóvel é que estamos em Beirute. Vários jornalistas confirmam que também está a dar que estão na capital libanesa. É, explicam, Israel a fazer o GPS baralhar-se para complicar a vida aos drones do Hezbollah, mas não deixa de ser irónico quando se fala de um ataque ao Líbano.

O DN viajou a convite da Europe Israel Press Association

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